A produção audiovisual sergipana sempre esteve em evidência não somente no Brasil, como pelo mundo. São diversos festivais, prêmios e eventos. Mesmo com tantos nomes se destacando, Sergipe não conhece ou reconhece sua cena de cinema.
No início deste mês, representantes do audiovisual sergipano estiveram no Festival Cena Nordeste, em Teresina (PI), um intercâmbio cultural que reuniu expressões de arte e cultura dos nove estados nordestinos.
Entretanto, o que deveria ser um momento de valorização e exaltação da cultura sergipana, tornou-se, mais uma vez, um momento que revela o quanto Sergipe está atrasado nas políticas públicas de incentivo e apoio à produção do cinema local.
O formando em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Fellipe Paixão, esteve no Festival Cena Nordeste em Teresina representando o cinema sergipano. Ele já atua como realizador, trabalhando principalmente com direção, direção de arte e roteiro.
“Foi um evento lindo onde a gente foi muito bem recebido e pode contar com uma produção realmente diferente do que a gente está acostumado a presenciar. Foi tudo muito cuidadoso e não se deixou que nada nos faltasse. Houve uma valorização das nossas figuras enquanto realizadores para além do filme. Foi muito diferente do que a gente é habituado a vivenciar em Sergipe”, conta Fellipe.
Apesar da boa recepção com os realizadores do audiovisual sergipano, ele desabafa revelando a falta de suporte do poder público sergipano e de instituições como as universidades, para que eles estivessem no evento representando Sergipe.
“Em termos de transporte, tivemos um suporte da Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (Funcap), mas a gente sentiu falta de um cuidado e uma valorização que outros estados estavam fornecendo para seus realizadores. Percebemos, por exemplo, que haviam equipes de assessoria de comunicação para registrar, acompanhar e entrevistar esses artistas sobre a experiência de estar no festival”, conta Fellipe.
Ele revela que a orientação que receberam da Funcap foi que a assessoria deveria ser feita por eles mesmos, que fizessem os registros e postassem nas redes sociais marcando a Funcap. “Ter uma equipe qualificada para isso faz muita diferença, percebemos isso e outras questões observando a atuação dos demais estados. Como vai ser essa edição do festival aqui em Sergipe”, pergunta-se o realizador audiovisual. O festival circula por todos os estados e a edição de Sergipe deverá ser realizada no mês de outubro deste ano.
O Cena Nordeste é um festival financiado pelos estados do Nordeste por meio do Consórcio Nordeste, o que pode se tornar mais uma porta de entrada para pensar soluções e estratégias para as políticas culturais na região.
Instituições de ensino precisam se envolver e apoiar
Além do poder público, as instituições de ensino também têm um papel importante no apoio e divulgação do que é produzido a partir de seus cursos, alunos e professores. Fellipe, por exemplo, apontou em seu filme, um projeto que acontece dentro do curso de Cinema da UFS, o Interdisciplinar, que visa a colaboração entre as diferentes turmas do curso, os diferentes períodos, para a realização desses filmes.
“O Interdisciplinar é um projeto que acontece única e exclusivamente por vontade e mobilização dos professores e dos alunos do curso de Cinema, já que a UFS não apoia em nada essa iniciativa. Ou seja, não há um orçamento mínimo em caixa para que esses filmes sejam feitos. Além disso, os poucos equipamentos da instituição que ficam à disposição são extremamente defasados e normalmente apresentam defeitos, nos obrigando a buscar ajuda externa. É um cenário bem precário e que gera ainda mais revolta quando a universidade se apropria dessas vitórias dos alunos sem ter nos apoiado durante o processo”, disse Fellipe.
Para Carolen Meneses, da Floriô de Cinema, uma produtora independente de Sergipe, participar do Cena Nordeste foi extremamente importante para diminuir as fronteiras entre os estados do Nordeste e discutir a importância dessas ações de fomento, difusão e fortalecimento da cena artística nordestina.
“Além de conhecer mais sobre a história e cultura de Teresina, o festival foi abrangente nesse sentido, apresentando ONGs e grupos de dança que fazem um trabalho interessante com jovens da região. Três filmes foram selecionados pela curadora Cíntia Lima para representar o estado de Sergipe. Diante de tantas produções potentes sendo realizadas recentemente, é uma honra poder colaborar para o fortalecimento dos cinemas descentralizados, feitos por gente negra e periférica”, destacou.
Fellipe Paixão esteve no evento representando o filme A Live, dirigido por ele e Ângelo Antônio, junto às realizadoras audiovisuais sergipanas Yérsia Assis e Carolen Meneses, que estiveram presentes no evento representando De tudo um pouco sabia costurar, e Ímã de Geladeira, respectivamente.
Segundo Yérsia Assis, professora doutora em Antropologia e realizadora audiovisual sergipana, os festivais, a exemplo do Cena Nordeste, possibilitam o fortalecimento de interações entre artistas de diversas linguagens que estão produzindo, pensando e ocupando várias dimensões artísticas e precisam de apoio de seus estados para seguir fomentando arte e cultura.
“Considerei uma oportunidade muito especial ter participado do Cena Nordeste. Considero ainda que foi e é fundamental que conheçamos nossos territórios do Nordeste, nossas histórias e produções. Estar em Teresina, por exemplo, nos possibilitou isso, além de estreitar laços com colegas que têm realizado no audiovisual em Sergipe. Meu principal desejo é que esse festival se fortaleça, e que Sergipe na sua edição em outubro dê um show de cultura, produção e promoção de arte através das nossas muitas representações artísticas”, anseia Yérsia.
Funcap informa que “contribuiu ativamente com a ida representantes sergipanos”
A Funcap informou, por nota, que contribuiu ativamente com a ida dos representantes sergipanos ao Cena Nordeste – Edição Piauí por meio de passagens aéreas e pagamento de cachê.
“Sobre a cobertura jornalística, a Funcap informa ainda que ficou sob a responsabilidade do Consórcio Nordeste e pelo estado sede. Apesar disso, foi solicitado que os participantes enviassem à Funcap matérias produzidas no evento para compartilhamento nas redes sociais da fundação, já que é de extrema relevância essa participação e divulgação. Também foi produzida uma matéria sobre o evento, destacando a participação dos cineastas sergipanos e a exibição de suas respectivas obras”.
Segundo a nota, “a representação sergipana no Cena Nordeste – Edição Piauí foi composta por três pessoas, sendo elas Fellipe Paixão (diretor, roteirista e diretor de arte em fase de finalização da graduação em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe), Carolen Meneses (formada em Cinema pela Universidade Federal Fluminense) e Yérsia Souza de Assis (professora universitária, cientista social, antropóloga, pesquisadora e realizadora audiovisual e produtora), conforme documentação enviada à Funcap”.
A Funcap salientou na nota que “todos os artistas que estão representando o estado no festival foram selecionados por meio de curadores dos nove estados nordestinos. São eles: Lindolfo Amaral (cultura popular/Sergipe), Kuka Matos (circo/Bahia), Amélia Cunha (música/Maranhão), Cintia Lima (audiovisual/Pernambuco), Fernando Yamamoto (teatro/Rio Grande do Nordeste), Andréa Bardawil (dança/Ceará), Shiko (graffiti/Paraíba) e Antoniel Machado Ribeiro (forró/Piauí)”.
Sobre a realização do evento em Sergipe, em outubro deste ano, a Funcap informa que “a organização segue o cronograma previsto e que em breve será divulgada a programação do Cena Nordeste – Sergipe. O Festival Cena Nordeste tem a missão de abrir um circuito nordestino de circulação de obras artísticas na região e dar visibilidade nacional para a produção artística nordestina, evidenciado a região como um eixo estruturante para as artes no Brasil”.
Sobre a UFS
A UFS foi procurada pela Mangue, mas até o fechamento desta reportagem, a universidade ainda não tinha retornado. Assim que a nota da instituição chegar a reportagem será atualizada.