DÍJNA TORRES, da Mangue Jornalismo
BRUNO MORAIS, imagens
Com um trabalho que presente em festivais nacionais e internacionais de grande renome, o fotógrafo carioca Bruno Morais busca explorar a imagem como meio de expressão pessoal e também como ferramenta de crítica social.
No ano de 2009, fundou o Coletivo Pandilla e passou a integrar a Agência Imagens do Povo, do Observatório de Favelas, no Rio de Janeiro. Durante os anos que esteve envolvido com estes projetos, aprofundou suas pesquisas e desde 2015 atua no projeto “Morte e Progresso”, uma iniciativa em busca do mapeamento e da reflexão sobre violações de direitos humanos com recorte racial e participação de agentes do Estado.
“Morte e Progresso” parece que se encaixa perfeitamente à forma como Sergipe tem desenhado sua relação com o meio ambiente e com a sociedade. Em passagem por Sergipe, Bruno se deparou com a invisibilidade das solicitações e dos apelos de comunidades que lutam pelo seu território e para que se faça justiça. Na sequência, algumas imagens de Bruno e ao final, uma entrevista exclusiva com ele.
Morrer para progredir. É assim que a fruta-símbolo de Sergipe, a mangaba, tem perdido seu espaço para a especulação imobiliária e a construção de grandes empreendimentos habitacionais, não somente na capital, Aracaju, como em outros municípios do estado, a exemplo da Barra dos Coqueiros. Na capital, a comunidade da Reserva Extrativista das Mangabeiras, localizada no bairro 17 de Março, sofre com a ameaça da extinção da fruta pela derrubada constante das árvores para a construção habitacional.
Bem perto de Aracaju, no Quilombo Pontal da Barra, situado entre os municípios de Barra dos Coqueiros e de Pirambu, pescadores e marisqueiras seguem na luta para a preservação ambiental de uma região que sempre existiu e resistiu sem a intervenção ou ajuda do poder público. É a comunidade quem desenvolve todas as atividades responsáveis pela subsistência e para viver mantendo o equilíbrio com o meio ambiente. É do rio, do mar e do mangue, que Pontal sobrevive.
Partindo para o litoral Sul do estado, Bruno chega a Umbaúba, cidade que ficou nacionalmente conhecida em 25 de maio de 2022 por causa do assassinato de Genivaldo de Jesus Santos por três agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Um ano, dois meses e 22 dias depois, o ministro da justiça, Flávio Dino, assina a demissão dos agentes que cometeram o crime, presos por sufocar o filho de dona Maria Vicente, o marido de Fabiana e o pai de uma criança de 8 anos de idade. Dentre essas e tantas violações de direitos humanos que acontecem em Sergipe, a morte, seja ela de um território ou de um pai de família inocente, continua sendo respaldada pelo Estado, com a justificativa de que o futuro começa agora e o progresso é aqui.
ENTREVISTA
“Aqui, as violações não são divulgadas, não são visibilizadas”, afirma o fotógrafo Bruno Morais
Mangue Jornalismo (MJ) – O que te levou a criar o projeto Morte e Progresso? Quais foram as suas motivações para lidar com um tema que é tão complexo na atualidade?
Bruno Morais (BM) – O projeto começou no contexto da Escola de Fotógrafos Populares, onde eu estudava em 2015, ela fica na Nova Holanda, que é uma das favelas do complexo da Maré. E é um lugar de muita efervescência porque tem várias ONGs, vários institutos, muitos ativistas ali, e a gente teve uma aula com a fotojornalista Marizilda Cruppe e ela falou que a gente devia pegar um projeto de longo prazo. E aí, numa cerveja com Marielle (Franco), estávamos trocando uma ideia e ela falou sobre a questão dos desaparecimentos forçados no Rio de janeiro, e pediu para eu ir ao gabinete de Marcelo Freixo, ela já era assessora dele, na Comissão dos Direitos Humanos. Então, fui lá, ela me apresentou o primeiro panorama, tanto em pesquisa, quanto ao tema, pois eu não tinha noção do que era o desaparecimento forçado e aí eu comecei com esse foco. Em determinado momento, percebi que eu estava falando de um público específico, de um público de uma vítima específica, porque ele vai acometer principalmente jovens, homens e mulheres negros da periferia. Eu achei que tratar da questão das violações de direitos humanos era o que precisava ampliar mais. Então, comecei a pensar num mapeamento, a primeira ideia era fazer um mapeamento nacional de desaparecimento forçado, mas, por ser uma vítima muito específica, acaba que não explica todo o contexto de violação de direitos humanos no Brasil, então, resolvi abraçar a ideia de seguir com um projeto sobre essas diversas violações. Eu acho que tem agora uma questão muito afetiva também, ainda mais depois do assassinato da Marielle, um projeto que começa com ela impulsionando a ideia, tem uma questão afetiva e, logicamente, tem uma questão que eu acredito e é um projeto importante que vai contribuir para isso.
MJ – Em relação a Sergipe, como você chegou até aqui? Por que Sergipe foi um dos lugares escolhidos?
BM– Em 2018 eu vim morar na Bahia, comecei a acompanhar um caso de desaparecimento forçado em Salvador, e comecei a monitorar casos de crimes que estivessem na região próxima. Comecei a conversar com a secretária do Movimento Nacional de Direitos Humanos aqui, de Sergipe, que é Lídia Anjos, e resolvi ampliar, já que Sergipe está aqui do lado, foi assim que eu cheguei.
MJ –Você sentiu alguma resistência em algum estado por onde passou para desenvolver o projeto? Houve alguma situação ou caso que te impediu de continuar com alguma pesquisa?
BM – Voltando um pouquinho na segunda pergunta, e incluo também Sergipe, que é um estado onde a questão das violações é muito pouco visibilizada. Por exemplo, quando eu comecei a pesquisar, Sergipe tem pouquíssimas notificações de violações de direitos humanos. Então, eu queria trabalhar num território onde essas notificações não vêm a público. Em todos os aspectos que eu penso a pesquisa hoje, até agora não encontrei forte resistência em Sergipe, ou em outro ligar. Eu não encontro resistência porque normalmente eu trabalho com pessoas que já estão na luta. São pessoas que já vêm resistindo há tempos, até tem personagens do projeto que já vêm com histórico de resistência, de reconhecimento de uma luta, o que eu faço é lançar, talvez, um olhar para lutas que já estão, em muitos dos casos, estabelecidas. E também não procuro o poder público. O projeto tem um lado, eu me preocupo em ampliar a escuta, mas normalmente eu não vou falar com o poder público. Em um caso ou outro, eu vou falar com um delegado, com alguém que está envolvido numa investigação. No Rio Grande do Norte, por exemplo, eu fui falar com o secretário de Administração Penitenciária porque eu estava falando de pessoas encarceradas, mas eu não vou procurar primeiro o poder público, primeiro a mídia oficial. Então, não encontro tanta resistência.
MJ – Como tem sido a sua experiência com o projeto em Sergipe? O que você encontrou que chamou a sua atenção em termos de violações?
BM – Eu estive em três comunidades, que foi em Pontal da Barra, na Barra dos Coqueiros, no Cajueiro II, também em Barra dos Coqueiros e em Aracaju com a comunidade extrativista da Mangaba. Estive com Dona Zenaide e familiares diretos do Wilson, que era a principal liderança ali. Foi ótimo ir a esses três locais, com demandas diferentes, há níveis diferentes também de ativismo, de resistência, de luta, de precariedade, isso o projeto tem que considerar também. Eu procuro conversar muito, olho no olho, abrir a escuta, o trabalho tem muito também de uma escuta ativa, porque as fotos eu vou fazer a partir do que as pessoas me falam, não a partir do que meus olhos estão vendo. Então, esse primeiro contato serve para filtrar também pela demanda que elas querem e têm. Neste primeiro momento está sendo super positivo e nesta semana eu estou em Umbaúba, dialogando com as comunidades ciganas e com a esposa de Genivaldo, assassinado pela PRF no final do ano passado.
MJ – Quais são os próximos passos, tanto para Sergipe, nas suas próximas voltas, como pós Sergipe, como você sai daqui?
BM – A ideia agora em Sergipe é aprofundar essa relação com as comunidades, então o meu plano é estar vindo aqui pelo menos uma vez por mês, porque o processo de construção de imagem é coletivo, tanto no sentido de estar vivenciando mais a realidade das comunidades, quanto de estar construindo metáforas visuais, que só o tempo me permite. Agora eu já identifiquei as comunidades com as quais eu quero trabalhar, e neste capítulo de Sergipe, que estou tratando especificamente de comunidades tradicionais, pretendo esquematizar para estar conseguindo dar conta desses encontros e dessa relação que vai ser construída, com cada uma dessas comunidades, dessas pessoas, mas eu estou super otimista, acho que vai dar tudo certo.