Seguindo tradição mundial, os sergipanos comemoram efusivamente a chegada do Ano Novo em 1º de Janeiro. Alguma coisa errada? Não. Normalíssima a euforia de todos e todas. Em contrapartida – olha, lá se vão mais de setenta anos- não me recordo dos sergipanos destacando a data mais importante de sua História: a conquista da área territorial nominada Sergipe del Rey.
É isso aí, nenhuma menção. Nenhuma celebração rememorando os povos nativos dizimados, massacrados por ações invasoras de Luiz de Brito e Almeida e Cristóvão da Rocha Barros em 1º de Janeiro de 1590. Nenhum ato demarcatório para o povo e as gerações atuais sobre a ocorrência das guerras de conquistas “ditas justas”, do confronto desigual entre dominadores e dominados, da superioridade técnica ostentada pelo colonizador. Enfim, nada que aponte a violência colonizadora que aqui como no Brasil de acolá se processou em nome da cristandade no contexto de uma política mercantilista desenfreada.
Os índios perderam a terra, a liberdade e a própria vida. Nosso esquecimento é desrespeitoso sobre os caciques Serigy, Aperipê, Siriri, Japaratuba e Surubi e todos os habitantes, donos das terras sergipanas. Passa-se a impressão de que coisa alguma aconteceu por essas bandas. Acredito que a maioria dos sergipanos da atualidade sabe que Serigy é um prédio situado na praça General Valadão e também uma Medalha de Honra ao Mérito; Aperipê é o nome da Fundação que abriga a rádio FM e a TV Aperipê; Siriri e Japaratuba são nomes de ruas de Aracaju e de municípios do estado. Quanto ao Surubi, sabe-se que era cacique de uma aldeia de índio Kiriris na confluência dos rios Piauí e Jacaré.
É dever dos estudiosos e pesquisadores quebrarem o silêncio
Para não parecer obra de ficção, é dever dos estudiosos e pesquisadores quebrarem o silêncio, reagirem contra a omissão da memória/história dos indígenas. Nosso dever é trazer à tona maiores informações e esclarecimentos sobre os primórdios da História Colonial, ampliando-se os estudos de cronistas, memorialistas e historiadores como Marcos Antônio de Souza, Felisbelo Freire, Felte Bezerra, Maria Thetis Nunes, Ariosvaldo Figueiredo, Luiz Roberto Mott, Beatriz Góes e outros. Caso contrário, ficamos com a sensação que tudo foi sepultado em 1º de janeiro de 1590.
Aliás, na “Relação Nominal de Índios de Sergipe Del Rey, 1825” o historiador Luiz Mott informa que quando Cristóvão de Barros conquistou as terras de Sergipe, sua população indígena devia atingir por volta de 20.000 indivíduos. Apesar de derrotados, capturados e massacrados, uma pequena parcela de índios sobreviveu aos séculos posteriores da colonização. Tratando minudentemente das aldeias de Água Azeda, Geru, Japaratuba, Pacatuba e Porto da Folha, o texto em questão, além de interessante, fornece pistas àqueles que se dedicam ao assunto. Não apenas por conta da Lei 11.645 ou mesmo do 19 de abril – agora feriado nacional – e sim a necessidade histórica da produção de novos conhecimentos sobre a Aldeia de Água Azeda, a Missão de Nossa Senhora do Carmo de Japaratuba, a Missão de São Félix de Pacatuba, a Missão de São Pedro do Porto da Folha e Vila de Tomar do Geru.
A propósito, o historiador da nova geração Pedro Abelardo de Santana cuidou do assunto em sua dissertação de mestrado “Aldeamentos indígenas em Sergipe Colonial: subsídios para a investigação de Arqueologia Histórica”(2004), baseada em documentos históricos e em literatura. Sintetiza o conhecimento produzido sobre os aldeamentos indígenas sergipanos, fundados entre os séculos 17 e 19, destacando aspectos como suas funções na sociedade colonial, sua economia, a vida social e religiosa, entre outros.
Muito há por pesquisar e ler
Muito há por estudar, analisar e escrever. Sugiro a leitura de “Os capuchinhos na Bahia”, de Pietro Vittorino Regni, publicado em 1988. O volume I trata dos capuchinhos franceses (1642-1702). O volume 2 aborda os capuchinhos italianos (1705-1892), destacando a ação missionária e o declínio da catequese entre os índios incluídos nas aldeias sergipanas. Por fim, o volume 3, os capuchinhos Picenos (1892- 1983).
Sem ser especialista, nada me impede de lançar perguntas objetivando que as respostas venham num futuro breve:
Como anda o ensino de história que trata dos povos indígenas sergipanos?
O que se publicou e o que se tem publicado recentemente?
Por onde andam os remanescentes dos nossos povos originários?
Quantos são e como vivem? Como são vistos em relação a sua história e cultura como são vistos pelos sergipanos?
Como a Lei 11.645, de 10 março de 2008 que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio tem contribuído para estimular e valorizar o estudo e a pesquisa entre os jovens estudantes de todos os níveis?
No Brasil da atualidade, os povos indígenas demarcam territórios expondo sua diversidade étnica e sociocultural no país. Em Sergipe, não obstante sua existência, a pouca representatividade beira à invisibilidade.
Independente disto ou daquilo, tanto negros quanto índios são ao mesmo tempo objetos e sujeitos de estudos dentro dos espaços universitários, fato consequente da política de ações afirmativas implementada na Universidade Federal de Sergipe. Tudo bem. Muito elogiável. Mas é bom lembrar que nem sempre a inclusão significa a garantia de permanência, e ou conclusão de curso. Ressalte-se que prazerosamente, constatei três Xokó matriculados em pós-graduação da UFS (Educação, Letras e Antropologia). A índia Xucuru-Kariri Larissa Ferreira Ferro, em dissertação de mestrado em Educação, defendida em (2018), declarou “enquanto indígena e autora da pesquisa, pude vivenciar os caminhos para acesso a Pós-Graduação e a solidão nesses espaços diante a pouca presença indígena”. Na conclusão do trabalho intitulado “A presença/ausência do índio na pós-graduação da Universidade Federal de Sergipe, entre tensões e o direito de seguir além da aldeia é extremamente feliz”, quando escreve: o indígena, enquanto indígena, quer e pode ir além dos limites de sua aldeia e chegar onde o outro chegará sem deixar de ser quem é.
Disto isto, elenco três considerações:
1) que novos estudos e publicações de temática indígena se estendam além da história das missões no território sergipano entre os séculos XVI e XIX
2) revisitem as fontes escritas nos arquivos da capital no sentido de recuperar a memória/história dos indígenas sergipanos da missão fundada pelos capuchinhos franceses em Pacatuba do século XVII com objetivo básico: a catequese dos índios.
3) dizer que é reconfortante constatar no Repositório Institucional da Universidade Federal de Sergipe uma boa produção de conhecimento de temática indígena, fruto dos cursos de graduação e pós-graduação do DHI.
4) que o Xokó, grupo indígena sergipano é de longe o que foi e continua sendo, como é supernatural, o mais pesquisado. Isto é muito bom posto que a desinformação, a distorção de fatos e os mitos sociais contribuem para causar e germinar preconceitos.
5) por último, recomendar aos jovens licenciados em História e áreas afins, a leitura cuidadosa do texto da renomada mestra Beatriz Góes Dantas. (https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/09293014032013livro_Indigena_aula_4.pdf)
Maria Nely dos Santos Ribeiro é professora aposentada do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Por longos anos, ministrou às 7 horas em ponto as aulas de História do Brasil. É uma das mais importantes pesquisadoras sobre a história de Sergipe.
Respostas de 2
Sempre fui uma admiradora do trabalho e posições políticas da grande Mestra Professora Maria Nely. Esse texto no qual denuncia o apagamento das histórias dos líderes indígenas em Sergipe,está primoroso. Essencial que essa leitura chegue às escolas públicas e privadas. Parabéns
Muito obrigado Sandra. As reflexões da professora Nely são mais que necessárias, são urgentes.