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Municípios sergipanos não aceitam privatizar a água e isso pode salvar a Deso. Capela, Estância, Carmópolis e São Cristóvão devem manter o serviço público

TATIANE MACENA, da Mangue Jornalismo
@_tatianemacena

Os planos do governador Fábio Mitidieri (PSD) de privatização da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) têm encontrado nos municípios um obstáculo em seu objetivo de entregar para a iniciativa privada o poder de decidir sobre o acesso ao saneamento básico, um direito humano essencial.

Isso porque, apesar do Governo de Sergipe ter aprovado no final do ano passado a lei complementar da Microrregião de Água e Esgoto de Sergipe (MAES), que transforma as 13 microrregiões do saneamento em um único bloco, a lei tem sido rejeitada por municípios que possuem o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).

Os SAAEs são autarquias municipais, mantidas pelas prefeituras, responsáveis por garantir à população o acesso à água potável e esgoto tratado com observância dos parâmetros exigidos pelo Ministério da Saúde.

Em Sergipe, as cidades de Carmópolis, São Cristóvão, Estância e Capela contam com os Serviços Autônomos de Água e Esgoto, ao passo que as demais cidades são atendidas diretamente pelo Deso (ao menos por enquanto).

Os municípios de Capela, Estância, Carmópolis e São Cristóvão já fizeram o pedido para serem retiradas da MAES. A manifestação destes municípios se opõe aos planos do Governo Fábio Mitidieri, pois, para que aconteça a privatização, o SAAE também precisa ser encerrado e seu controle deve ser passado para a empresa privada que vai comprar a Deso.

Chama atenção o caso da cidade de Capela, onde a prefeita Silvany Mamlak (União Brasil) rejeitou com firmeza a privatização do SAAE do município. Ocorre que ela é casada com o deputado estadual Christiano Cavalcante (União Brasil), líder do Governo Mitidieri na Assembleia Legislativa e que conduziu a votação que facilita a privatização da Deso. A prefeita de Capela também é vice-presidente da Federação dos Municípios do Estado de Sergipe (Fames).

Governador tentam convencer prefeitos que privatizar a água vai ser bom (Foto: André Moreira Ascom/SE)

Além da autonomia destes quatro municípios, Aracaju tem algo que impede a privatização: a Lei Orgânica da capital proíbe que o serviço de saneamento da cidade seja privatizado. A água e o saneamento em Aracaju só poderão ser realizados por uma empresa privada se o prefeito enviar e os vereadores aprovarem a alteração na Lei Orgânica.

Sem os SAAEs dos quatro municípios e se Aracaju cumprir a lei, a privatização da Deso fica inviável, sem atrativo para as empresas ávidas por grandes lucros. Entretanto, acredita-se que com a Lei Estadual que criou a MAES, prefeitos e vereadores não terão poder de segurar a privatização da água. 

Segundo a versão privatista do governo do estado, os municípios sergipanos não têm capacidade técnica nem financeira para alcançar as metas estabelecidas pelo novo marco regulatório do saneamento. No entanto, o censo de 2022 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstrou que nos últimos dez anos, Sergipe avançou nos serviços operados pela DESO e pelos SAAEs.

Água deve continuar sendo pública nas quatro cidades (Foto: Pexels)

De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Sergipe (Sindisan), Silvio Sá, a inclusão dos SAAE no projeto de privatização – o que Mitidieri chama de concessão por 35 anos – não foi citada.

O sindicalista conta que durante o debate de privatização da Deso, só se ouvia o embate entre a situação da Companhia de Saneamento de Sergipe e que o fim da autonomia corria praticamente em segredo.

“A gente não tinha acesso ao estudo do BNDES, que vinha fazendo todo esse levantamento e sinalizando quais as possíveis modelagens que seriam implementadas à Deso. Nesses estudos não falam privatização, eles falam em PPP, em perdas ou no setor de esgoto ou concessão parcial, integral”, afirma Sá.

Silvio Sá ressaltou que considera a colocação dos municípios do SAAE ainda mais preocupante. “No caso da Deso, está sendo sinalizada a concessão parcial. Quando parte do estudo do BNDES vazou, a gente percebeu que lá estavam inseridos quatro municípios e numa situação pior que a da Deso, concessão integral, ou seja, toda a prestação de serviço”, pontua.


Responsabilidade municipal

Em seus debates em torno do assunto, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem destacado a autonomia municipal em relação ao saneamento. Para o STF, o assunto é de interesse local. Ou seja, a competência para legislar e prestar serviços relacionados ao saneamento básico pertence aos municípios. A MAES concentra o poder nas mãos do Estado e retira a autonomia dos municípios sergipanos.

A Constituição Federal de 1988 no artigo 23, inciso IX, determina que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover medidas para garantir o saneamento básico. No entanto, a responsabilidade maior de gerir os serviços de saneamento básico é principalmente municipal.

Com base nessas premissas, o município de São Cristóvão foi a cidade que primeiro bateu de frente nesse processo e judicializou o pedido em nível federal. As demais cidades também já solicitaram.

Para o presidente do Sindisan, a recusa das quatro cidades em fazer parte da microrregião representa resistência política. Silvio Sá afirma que ao se opor ao projeto do governador, as gestões municipais ouviram o clamor da população que é contrária à privatização. 

“A oposição dessas quatro cidades foi a maior resistência política. Pegaram isso como uma bandeira de luta, ouvindo o clamor da população encurralando gestores aliados do Governador. Isso pode atrasar, pode postergar o leilão da Deso”, relata o presidente do Sindisan.

Para Sílvio Sá, vereadores e prefeitos das quatro cidades ouviram o clamor o povo (Foto:Tatiane Macena)
Para a Prefeitura de São Cristóvão, projeto ignora particularidades de cada região

Lei Orgânica

Na capital sergipana, a Lei Orgânica do Município proíbe que o serviço de saneamento da cidade seja privatizado e os vereadores já anunciaram publicamente nos vários atos na porta da Câmara que não aprovaram a privatização da água na capital.

Um dos que lidera o movimento no Legislativo Municipal pela manutenção da Deso como empresa pública é o vereador Ricardo Vasconcelos, presidente da Câmara de Vereadores de Aracaju e funcionário da Companhia de Saneamento. Recentemente, o vereador mudou de partido, saiu da Rede Sustentabilidade para o PSD, partido do governador Fábio Mitidieri.

Na avaliação de Silvio Sá, a criação da microrregião única colocou o poder de decisão sobre a Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), onde o governador tem ampla maioria dos votos favoráveis.

“Essa criação da microrregião tirou os poderes dos municípios passando apenas pela aprovação da Alese, não vai passar por discussão e uma Câmara Municipal. Na grande maioria das cidades por onde a gente passou, os vereadores disseram que, mesmo diante dos problemas, eram contrários à privatização da Deso”, pondera Sá. 

Ele afirma que, na prática, vai ser como se a lei orgânica não valesse nada. Pois não vai precisar do aval de nenhuma das Câmaras municipais. Além disso, não seriam realizadas audiências públicas em cada uma das microrregiões de serviço de água e esgoto.

“Nessa única microrregião, ele atropelou as 13 microrregiões e criou apenas uma. Fez uma audiência pública virtual, levou um projeto para Alese, criou um colegiado que o governador é o presidente e em cada município o gestor tem um peso de voto proporcional à população. Então tudo que for pautado ali no conselho e se o governador Mitidieri e mais alguns aliados estiverem presentes, se aprova. Já está tudo articulado”, conclui Sá.

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