TAUÃ FERREIRA, da Mangue Jornalismo (@taua_ferreiraa)
É por meio da ancestralidade que os povos têm carregado e transmitido, para novas gerações, sua identidade cultural e seus saberes tradicionais ao longo dos séculos. Em Sergipe, os mestres dessas sabedorias ainda não recebem o devido reconhecimento científico para levar até a educação formal, de maneira inclusiva, suas especialidades e inclusão.
Essa reunião de campos dos saberes necessária, porém ainda rara, ocorreu no último dia 20 de julho em Aracaju, na sede da Central Única dos Trabalhadores (CUT), durante o “Colóquio de Narrativas Negras e Indígenas para além do 19 de abril e do 20 de novembro”.
O evento, organizado pelo Coletivo Antirracismo do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese), é alusivo ao Dia da Consciência Negra e ao Dia dos Povos Indígenas e contou com a presença de figuras importantíssimas para a cultura sergipana, como as mestras da cultura popular Josefa do Sítio Alto e Zefa da Guia, o ex-cacique da comunidade indígena Xokó, Heleno Lima, além do professor e pesquisador Wendel Salvador.
A cultura tradicional
Um dos assuntos mais discutidos no encontro foi a necessidade da valorização do conhecimento popular nas escolas de Sergipe, para que sejam preservados e transmitidos às novas gerações.
Josefa Santos de Jesus – conhecida como Dona Josefa – tem 64 anos, é líder no Quilombo do Sítio Alto, em Simão Dias, e reivindica a urgência desse reconhecimento.”É muito importante a valorização dos conhecimentos porque aí vai passando de geração para geração o saber tradicional da cultura e do nosso povo, se nós não pensarmos em uma educação com os nossos conhecimentos, a vida não tem sentido.˜
Dona Josefa, guarda na memória de suas vivências as tecnologias importantes para sobrevivência dos próprios quilombolas. ?Aqueles pobres que não tinham dinheiro, não tinham um empréstimo, não tinham uma bolsa família, como foi que ele sobreviveu? Essa história precisa ser contada e recontada”, comenta a líder quilombola.
Josefa destaca que as tradições e a vida na comunidade, mesmo em meio a condições desfavoráveis, são ferramentas terapêuticas potentes em uma sociedade cada vez mais acometida por problemas de saúde mental. “Hoje, muitos jovens no palácio de ouro estão com ansiedade, desespero, desgosto e querem se matar, enquanto nós lá atrás, mesmo com a fome e a pobreza, estávamos alegres”, alerta Dona Josefa.
A comunidade do Sítio Alto
Para povos, como de Dona Josefa, território e sabedoria estão diretamente ligados. O Quilombo do Sítio Alto foi oficialmente certificado pela Fundação Palmares, em 2014. A líder quilombola explica sobre as dificuldades enfrentadas pela comunidade antes deste reconhecimento: “Nós não tínhamos autonomia para governar, fazer um projeto ou receber algo, porque diziam que não tínhamos conhecimento, porque todos eram analfabetos, Por isso precisamos contar e recontar nossas histórias para que a futura geração saiba de onde veio, como vivíamos e como sobrevivemos sem os auxílios de hoje”, conclui.
Essa cultura ancestral a que Josefa se refere se manifesta em uma série de crenças, danças, cantos e conhecimentos transmitidos de geração em geração dentro de sua comunidade. Essas tradições não apenas a conectam com seu passado, mas também fortalecem a identidade do seu povo. Por essa razão, para ela, manter essas práticas vivas significa preservar sua própria identidade.
Heleno Xokó
Heleno Lima, representante do povo Xokó e uma das principais lideranças indígenas do estado tem se dedicado há mais de cinquenta anos à luta pelo reconhecimento de sua cultura.
O líder indígena se emociona ao pensar na possibilidade de uma educação que inclua e valorize os saberes indígenas para quebrar as barreiras do preconceito e promover uma verdadeira inclusão cultural. “A importância desse evento é ímpar porque ele vai fortalecendo os nossos pensamentos e vai nos fazendo com que a gente tenha certeza que não podemos parar, que a gente tem que continuar orientando a nossa juventude, que nós somos iguais a todos e a gente precisa lutar por essa igualdade”, ressalta Heleno.
A visão antirracista de Wendel Salvador
Além dos mestres em conhecimentos tradicionais, o Colóquio também contou com a presença do professor, artista e pesquisador Wendel Salvador, que abordou a importância do pensamento decolonial na educação, especialmente no contexto da inclusão dos saberes tradicionais.
“É importante que a gente reflita sobre as práticas que são feitas, porque por mais que a gente fale de um contexto de contemporaneidade, essas práticas são antigas e são reforçadas por uma ideia colonial”.
Para o professor, é essencial revisar o sistema de ensino a partir de uma perspectiva decolonial. “Repensar isso é muito importante e para que a gente de fato construa uma educação que veja esses sujeitos. A gente tá falando de uma sociedade que tem a grande maioria de sua população negra. Mas também tem presença massiva em todos os estados de populações indígena, então pensar como essas vivências e saberes devem estar na educação é primordial para que esse sujeito esteja incluídos”, entende Wandel.
Wendel também enfatiza a importância da comunicação antirracista na transformação educacional, defendendo a inclusão de materiais visuais que representem a diversidade cultural presente na sociedade. Ele acredita que uma educação visualmente inclusiva pode ajudar a construir uma identidade mais forte e positiva entre os alunos, especialmente aqueles de comunidades tradicionalmente marginalizadas.
“Somos uma sociedade de Cultura visual, somos construídos sobre as imagens que estão nas redes sociais, que estão na televisão, até mesmo no meio sonoro, se você ouve uma descrição você vai criar uma imagem da sua cabeça˜, alerta o professor. Em seu entendimento é importante que estas comunidades estejam ˜representadas como sujeitos sociais. Então se você só coloca a imagem de pessoas brancas numa sociedade que a maioria da população não é branca, você está dizendo que aquela outra parcela da população não tem valor para aquele país”.