Nos próximos dias, o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT), deve transformar em lei um projeto aprovado pela Câmara de Aracaju que trata da implantação de câmeras nos uniformes utilizados por agentes da Guarda Municipal.
O Projeto 20/2024 é de autoria da vereadora Sônia Meire (PSOL) e garante que as gravações de áudio e vídeo das câmeras fixadas nos uniformes buscam reforçar a transparência das ações, proteger a integridade física e moral dos agentes e assegurar o uso proporcional da força.
A matéria aprovada na Câmara está em plena consonância com a recomendação o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que orientou que as gestões públicas adotassem medidas de respeito ao direito à vida, inclusive dos policiais, e para impedir chacinas e uso abusivo e excessivo dos agentes de segurança no Brasil.
Votaram favoráveis, além da autora, mais sete vereadores: Bigode do Santa Maria (PSD), Breno Garibalde (Rede), Camilo Daniel (PT), Elber Batalha (PSB), Isaac (União), Sheyla Galba (União) e o líder do prefeito, Professor Bittencourt (PDT).
Já os vereadores Anderson de Tuca (União), Binho (Podemos), Eduardo Lima (Republicanos), Sargento Byron (MDB) e Soneca (PSD) votaram contra o projeto. A abstenção ficou por conta do vereador Cícero do Santa Maria (Podemos).
O vereador Pastor Diego (União) estava na sessão, mas saiu antes da votação. Ele discordou do projeto. Os vereadores Emília Corrêa (PL) e Ricardo Marques (Cidadania), respectivamente prefeita e vice-prefeito eleitos, e o vereador Fabiano Oliveira (PP) não estavam presentes.
Na Câmara, o projeto foi alvo de audiência pública, especialmente com participação do movimento negro em Aracaju. Também participaram especialistas em segurança pública, o sindicato da Guarda Municipal, o Ministério Público, entidades de defesa dos direitos humanos, servidores públicos e a população.
“A professora de Direito da UFS, Andréa Depieri, por exemplo, trouxe a necessidade do controle do uso da força nas operações, não necessariamente apenas nos casos que levam a morte das pessoas, mas sim o abuso do uso desta força. Muitos agentes de segurança também reclamam porque respondem processos porque não tiveram a câmera filmando o que ocorreu naquele momento”, disse Sônia Meire.
A vereadora enfatiza que o projeto atende diretamente o fortalecimento de uma segurança pública com segurança para a população e também para os agentes. “A segurança pública neste país está passando por um momento crítico e os casos de violações de direitos têm sido estúpidos. Vivemos em um sistema de segurança que não tem protocolos definidos nem formas de ação”, justificou.
Pelo projeto aprovado, as câmeras poderão ser desligadas só nas refeições e no uso banheiro. O acesso às gravações será regulamentado, sendo disponibilizado mediante solicitação de autoridades judiciais, policiais ou administrativas, ou mediante requerimento de vítimas, acusados, investigados e seus advogados.
A gestão das câmeras e do armazenamento de imagens ficará a cargo da unidade administrativa competente, vinculada à Secretaria de Defesa Social e Cidadania. Essa unidade também deverá definir prazos para atender às solicitações e justificar eventuais negativas. Ao ser sancionada pelo prefeito, a lei ainda levará um ano e meio para começar a ser implementada. “É o tempo da prefeita que toma posse em janeiro regulamentar, buscar e receber o financiamento do Governo Federal para essa ação”, informou Sônia Meire.
Vereadores contrários ao projeto e os a favor
Apesar de não ter votado, o vereador Pastor Diego afirmou ser contrário ao projeto. “O servidor público é regido pela transparência e não precisa se esconder ou se omitir. Temos visto diversas violências ocorrerem, inclusive, contra os policiais. Também não temos uma orientação a nível nacional de como fazer, e outro ponto importante: hoje, a guarda municipal enfrenta dificuldade no acesso a itens mínimos”, disse.
O vereador Sargento Byron também foi contra ao projeto. “Com certeza, entendemos a responsabilidade pela transparência, mas também é necessário investir em outras áreas da guarda de forma prioritária, mais do que em relação às câmeras. Votamos para a reestruturação de carreira. Falta rádio comunicador, coisas básicas”, argumentou o vereador.
O líder do prefeito, vereador Professor Bittencourt disse que o projeto é muito importante porque trata sobre uma política de segurança. “Temos a polícia que mais mata e mais morre, o que traz uma contradição. Não queremos isso. Infelizmente, pessoas negras são vítimas só pela sua cor. A câmera pode ser um instrumento e é razoável que isso ocorra em um policial, para evitar riscos de abuso de poder, assim como pela sua própria segurança”, destacou.
O vereador Elber Batalha disse que o uso de câmeras “é um caminho sem volta. Isso é mais necessário na Polícia Militar, em comparação com a guarda. Entendo as dificuldades dos membros da guarda, mas compreendo que toda inovação é complexa e traz receios”.
Camilo Daniel lembrou que “o próprio governador de SP mudou sua opinião para ser favorável ao uso de câmeras. A esquerda não é inimiga da polícia, nem de empresário. O debate vai para além disso. Esse é um processo de controle social da segurança pública”, ressaltou.
Sônia Meire reforçou que o objetivo do projeto e que deve ser transformado em lei é ampliar a transparência e a legitimidade das ações dos agentes, garantindo a preservação dos direitos fundamentais e obtendo elementos informativos e de prova. “A Câmara de Aracaju deu um exemplo que está atenta às demandas da população e também de uma parte significativa da Guarda. As câmeras nos uniformes significam um avanço”.
O presidente do Sindicato da Guarda Municipal de Aracaju (Sigma), Eder Rodrigues, na audiência pública disse que embora alguns profissionais vejam o uso das câmeras de forma positiva, outros consideram o recurso prejudicial. Ele também mencionou que a Guarda Municipal carece de equipamentos de proteção individual básicos, que não tem rádio comunicador, e que é impossível fazer segurança pública sem se comunicar.
“Com a lei, a Guarda precisa se voltar para atualizar seu plano municipal e criar os protocolos. Continuaremos lutando pelo uso de GPS nas viaturas, alojamentos, condições de trabalho, por formação, epi ‘s, porque uma coisa não substitui a outra. A nossa luta permanece firme por um sistema de segurança pública que garanta direitos aos trabalhadores e direitos à população”, assegurou Sônia Meire.
Em 7 de novembro de 2023, a Mangue Jornalismo publicou a reportagem: Guarda Municipal de Aracaju acumula abordagens violentas. Especialistas defendem desde o uso de câmaras corporais até a desmilitarização. Leia Aqui.
Projeto para câmeras nas polícias militar e civil dorme na Assembleia
Em Sergipe, em 8 de junho de 2022, o então deputado estadual Iran Barbosa (PSOL) apresentou na Assembleia Legislativa uma indicação (Nº 580) ao Governo do Estado para adotar “todos os atos administrativos necessários para a implantação da ‘câmera corporal policial’ em todos os agentes de segurança pública no Estado de Sergipe, seja ele civil ou militar”.
Em 15 de setembro de 2023, a Promotoria de Justiça do Controle Externo da Atividade Policial já tinha expedido uma recomendação para a SSP/SE promover estudos e análises de impacto, com o objetivo de implementar Câmeras Operacionais Portáteis nas atividades ordinárias das polícias. O promotor estipulou um prazo de 30 dias para que a SSP/SE informasse as medidas que serão adotadas. Até agora, nada.
Também em novembro do ano passado, a deputada estadual Linda Brasil (PSOL) apresentou na Assembleia o Projeto de Lei (PL) n°469/2023, que objetiva implantar câmeras de vídeo e áudio, conhecidas como bodycams, nos uniformes dos policiais civis e militares. Até agora, o projeto dorme na gaveta da Assembleia e sequer foi apreciado pelas comissões.
“É um PL, protocolado no Mês da Consciência Negra, que tem como objetivo garantir que as operações policiais sejam cada vez mais transparentes. A implantação dessas bodycams já demonstram resultados muito positivos em outros estados no que se refere à violência policial e até mesmo na produção de provas para investigações criminais. As câmaras ajudarão a promover a segurança tanto dos policiais quanto da população durante as abordagens, e permitir uma avaliação mais precisa do trabalho dos agentes de segurança”, explicou Linda.
A deputada mostrou pesquisas que apontam que, em São Paulo, onde as medidas já foram implementadas, houve uma queda de 84% no número de pessoas mortas em supostos confrontos, em 2021. De 1º de junho a 31 de dezembro de 2020, houve 110 mortes decorrentes de intervenção policial em batalhões localizados em áreas onde o sistema havia sido implementado. Já em 2021, apenas 17 mortes foram registradas no mesmo período.
Segundo o projeto que está em alguma gaveta da Assembleia Legislativa de Sergipe, o uso do equipamento deve ser obrigatório durante buscas, operações policiais e cumprimento de mandados de prisão. A proposta ressalta a importância da qualidade das imagens e áudios, sugerindo que as câmeras atendam preferencialmente ao formato Full HD ou equivalente.
O projeto estabelece que deixar de acionar ou desligar as câmeras corporais nos casos previstos constituirá infração disciplinar de natureza grave. Além disso, prevê que as imagens e áudios gerados sejam armazenados por um período mínimo de cinco anos, com a regulamentação do processamento e armazenamento de dados a cargo do Poder Executivo.
Uma das inovações do projeto é a possibilidade de acesso aos dados por parte das partes interessadas, incluindo a pessoa abordada, agentes de segurança, advogados, defensores públicos e Ministério Público. Essa medida visa proporcionar uma fiscalização mais ampla das ações policiais e garantir a transparência do processo. “Espero que seja colocado em votação logo, bem como que seja aprovado. Sem dúvida, essa medida fará com que as operações sejam mais transparentes, a comunidade passe até mais confiança com os/as profissionais de segurança e também ajudará a garantir direitos importantes às cidadãs e cidadãos e às trabalhadoras e trabalhadores da polícia sergipana”, reforçou Linda Brasil.
Com informações:
Câmara de Vereadores de Aracaju
Assembleia Legislativa de Sergipe