TATIANE MACENA, da Mangue Jornalismo
CRISTIAN GÓES, supervisão
Quando se é preto em um país onde a carne mais barata é a carne negra, além de lidar com o racismo e os desafios do dia a dia, às vezes é preciso encarar a humilhação e a violência física e psicológica por parte daqueles que deveriam proteger a população.
Os órgãos de segurança pública têm a função de preservar a “ordem social”, mas na prática têm contribuído para a manutenção de desigualdades, ou seja, privilégios existentes na sociedade.
Atitudes reprováveis por parte de agentes das esferas federal, estadual e municipal são noticiadas quase que diariamente e colocam em evidência a necessidade de se repensar o funcionamento das forças de segurança, que vez ou outra tratam as pessoas de maneira desumana, principalmente os que têm a pele preta e a origem periférica.
Em outubro passado, ocorreu mais um caso de racismo estrutural na capital sergipana considerado “isolado”. Um artista de rua teria sido submetido a uma abordagem desumana por parte de alguns agentes da Guarda Municipal de Aracaju (GMA).
O que era para ser um dia normal de trabalho se tornou um pesadelo para Talisson Santos, mais conhecido como Soma MC. O rapaz estava no ônibus 007 a caminho do terminal da Atalaia quando percebeu que, após o motorista fechar às portas do coletivo, uma mãe com uma criança de colo seria deixada para trás.
Em uma tentativa de empatia, ao ver que o ônibus ainda estava parado, Soma pediu para que o motorista abrisse a porta do veículo, mas o condutor resolveu seguir viagem. “Se fosse a sua esposa com sua filha no colo, você gostaria que isso acontecesse?” perguntou o artista. O motorista sentiu-se ofendido e chamou agentes da GMA que estavam próximos.
Sem se informar sobre o que tinha ocorrido, os guardas entraram no ônibus já agredindo Soma e tentando retirá-lo de lá. De acordo com testemunhas, um dos agentes chegou a sacar a arma e ameaçou outro rapaz que estava filmando.
“O guarda foi até ele, bateu e mandou apagar o vídeo e ainda disse que se fosse parar no Instagram, ele o espancaria. Nesse momento, outras pessoas começaram a filmar”, disse uma passageira. Outros passageiros tentaram intervir em favor do rapaz. “Só porque o rapaz é preto e tem muitas tatuagens. Ele não fez nada para a gente”, destaca a testemunha.
Em nota, a GMA informou que “a guarnição realizou a abordagem e a situação foi resolvida no local, sem a necessidade da condução das partes à delegacia”. O motorista diz que solicitou o “apoio’, devido à agressão verbal por parte do artista, que nega tê-lo agredido.
A GMA explicou que situações dessa natureza devem ser denunciadas à ouvidoria da corporação, onde é recebida e encaminhada à corregedoria que, por sua vez, aciona as partes envolvidas para as oitivas e efetua a análise de todas as variáveis do caso. Se comprovado o abuso por parte do guardião, este será penalizado de acordo com o regulamento disciplinar.
Quem é Soma MC?
Ele é estanciano e procura por meio do rap levar arte para o transporte público de Aracaju, bem como para outros locais da capital. Talison conheceu o rap em um evento beneficente. Ao se deparar com o estilo musical, viu-se imerso naquele universo e decidiu começar a compor. “Quando vi o rap retratar as vivências do povo estanciano, fiquei encantado e decidi começar a compor”, relata Soma MC, que se mudou para Aracaju após se tornar militante da União da Juventude Rebelião (UJR).
Soma trabalha nos ônibus de Aracaju por dois motivos: para fazer as pessoas sorrirem e pela necessidade de se manter vivo. É através das rimas que ele conquista o pão de cada dia. Apesar dos desafios enfrentados diariamente, o rapaz não pensa em desistir. “O amor à cultura me faz continuar. O sorriso de crianças e de outras pessoas que sentem a rima me motivam a continuar, pois é através do rap que tenho a oportunidade de ser a voz de pessoas que não têm a mesma oportunidade que eu”, enfatiza.
A estudante Heidy Souza costuma pegar ônibus com o rapper. Ela conta que a sensação de insegurança diminui quando Soma está rimando nos coletivos. “Já peguei algumas vezes ônibus com Soma, e gosto bastante do trabalho dele. Eu sempre tive medo de andar de ônibus, mas tive que fazer isso com mais frequência depois de entrar na faculdade”, conta Heidy.
Ela disse que quando começou a sair sozinha, o que mais temia era ficar só dentro do ônibus. “Então se entrava alguém para fazer algum trabalho, sejam as pessoas que vendem bala, palavras cruzadas, ou as pessoas que entravam para se apresentar como o Soma MC e a galera que rima com ele dentro dos ônibus, eu tirava aquela sensação de medo, aquele receio de um assalto dentro do ônibus”, revela a estudante.
Talison afirma que, através do rap, é possível diminuir estigmas sociais. “Penso em chegar em todo canto que a população estiver, pois assim as pessoas conhecerão o rap e vão descobrir que o hip hop vai além das letras violentas e do estereótipo criado há anos atrás pela mídia”, diz o artista.
Giselli Raquel Nunes, técnica em Agropecuária e graduanda em Engenharia Agrícola afirma que a presença do artista nos coletivos remete à leveza. “Algumas vezes eu vi o trabalho dele dentro do transporte público e é muito bom quando ele aparece fazendo as rimas. Atualmente está tudo tão sério e violento, que quando ele chega com seu trabalho e arranca sorrisos sinceros da gente é muito bom. Dá mais leveza para a viagem”, considera Giselli.
Abordagem truculenta
O professor de Direito, especialista em Direito Constitucional e doutor em Educação, Alexis Pedrão considera a abordagem da GMA truculenta. “Ainda que o motorista tenha chamado a Guarda para ajudar, os agentes têm que agir diante da iminência de alguma situação ilícita e se eles não sabem o que é, devem averiguar a situação. Eles têm que questionar, perguntar, conversar e não partir para a agressão como primeira forma de abordagem para depois entender o ocorrido. É preciso respeitar a população que paga os impostos e o salário dos guardas municipais”, ressalta o professor.
Mário Leony, delegado de Polícia Civil e titular da 3ª Divisão do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) reprova a atitude dos guardas. “É preciso que o caso em tela seja levado à ouvidoria e/ou à corregedoria da Guarda Municipal e ao Ministério Público; que seja devidamente investigado e, uma vez reconhecido o abuso de autoridade, que os agressores sejam responsabilizados civil, penal e/ou administrativamente”, analisa o Mário.
Para o delegado, “os guardas acessam o ônibus e passam a abordá-lo com o dedo em riste em seu rosto. Em dado momento, o jovem sofre agressões com sua cabeça batida contra a janela do veículo. Trata-se de um episódio que repudiamos, o qual evidencia a seletividade na abordagem a jovens negros e pobres nas periferias, pré-julgados e hostilizados em razão da sua situação de vulnerabilidade social”, enfatiza Mário.
Uma conduta em frente às câmeras e outra por trás
Apesar de a Assessoria de Comunicação da Guarda Municipal de Aracaju afirmar que a situação foi resolvida no local, o agente diz que, por causa da quantidade de celulares filmando, “não deu para fazer o trabalho”. A afirmação faz parecer que se a população não estivesse em posse dos aparelhos de celular, a abordagem poderia ser mais truculenta.
Alexis Pedrão classifica a fala do guarda como confissão. “É um absurdo ele admitir que quando é filmado ele trata de uma forma e quando não é filmado ele trata de outra. Não existe esse procedimento na formação da GMA. O procedimento deve ser tratado de acordo com a situação e não mudar se tiver celular filmando. O agente público não pode ter duas condutas: uma na frente das luzes e outra no apagar das luzes. Ele tem que ter a mesma conduta ética profissional de sempre”, ressalta.
Questionada sobre a afirmação do agente municipal, a GMA respondeu que “o posicionamento oficial da corporação é aquele que foi emitido em nota à imprensa. Possíveis desdobramentos relativos à conduta dos guardiões envolvidos na ocorrência cabe à Corregedoria, caso alguma denúncia tenha sido encaminhada”.
Para o delegado Mário Leony, a sensação de impunidade contribui para ocorrências de abusos de autoridade em Sergipe. “Na grave conjuntura econômica que atravessamos, nenhum trabalhador, via de regra, colocaria a estabilidade de seu cargo público em risco, ao perpetrar abuso de autoridade, não fosse a sensação de impunidade e a naturalização dessas violências institucionalizadas nas forças de segurança pública, muitas vezes estimuladas pelos próprios comandos”, comenta Mário Leony.
Truculência da GMA não seria um fato isolado
Há quem diga que a abordagem de agentes da GMA em outubro passado é um caso isolado. Contudo, não é de hoje que a Guarda Municipal da capital sergipana demonstra a falta de preparo. O caso envolvendo o Soma MC é o terceiro deste ano que chega ao conhecimento público.
Há registros de casos semelhantes em anos anteriores, como em 2018, quando um militante social foi vitimado por agentes da GMA. Irivan de Assis, que é também sacerdote de religião de matriz africana, denunciou que sofreu violência física, humilhações e ameaças por parte de guardiões.
No dia 13 de junho deste ano, por exemplo, um homem foi agredido por um guarda municipal durante abordagem nas proximidades do Mercado Central de Aracaju. Após revistar o homem, um dos agentes deu um tapa nas costas da vítima, que não reage e é liberada em seguida.
Em nota, a GMA disse que o caso seria encaminhado à corregedoria da corporação para identificação do servidor e apuração dos fatos e que ações dessa natureza não condizem com as normas estabelecidas nas diretrizes de atuação da instituição e que todo e qualquer desvio de conduta comprovado é passível de sanções administrativas, conforme definem o regimento disciplinar.
Outra situação aconteceu em março de 2023, quando um agente da GMA se envolveu em uma briga de trânsito. Parte da confusão foi filmada e repercutiu nas redes sociais. Nas imagens, é possível ver o agente fardado em posse de uma arma de fogo enquanto discutia com um motociclista. Ele chega a dar um tapa no capacete do homem antes de ir embora. A Secretaria Municipal da Defesa Social e da Cidadania (Semdec) informou que solicitou à corregedoria da GMA que realizasse a devida apuração do fato.
Em maio de 2018, Nathanelly, que estava grávida, foi baleada na ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) Marielle e Anderson. Na época, os militantes aguardavam uma ordem de reintegração de posse quando por volta das 21 horas a jovem foi atingida com um tiro.
Diante do ocorrido, a GMA informou que a confusão começou depois que cinco ocupantes, em posse de drogas, haviam resistido à voz de prisão e que os agentes atiraram para cima na tentativa de conter os militantes que atiravam pedaços de paus contra a guarnição.
A advogada e militante do MTST Izadora Brito negou a posse de drogas pelos militantes e ainda disse que os agentes não atiraram somente para cima. “Não teve confusão. Os acampados estavam ou dentro da cozinha coletiva ou na fila esperando para receber a alimentação quando os disparos começaram de fora da ocupação, vindo do carro da guarda municipal em direção ao espaço coletivo. Foi disparada uma arma de fogo letal. Não teve confusão, não teve apreensão, não tinha abordagem no momento”, relembra a advogada.
Pele alva e pele alvo
Igor Frederico Fontes, mestre em Direitos Humanos e professor de Direito Penal diz que historicamente tratamentos agressivos por parte de agentes de segurança têm em comum alguns fatores. “As abordagens violentas se dão em locais específicos e contra grupos específicos de pessoas. Você vê uma abordagem dessa no ônibus, mas não vê nos bairros frequentados por pessoas ricas. Você vê abordagens dessas voltadas nas bases periféricas”, analisa Igor.
Ele avalia que há um despreparo da guarda municipal, “mas é um preparo equivocado do nosso sistema de segurança pública que historicamente se alicerçou e não na administração da segurança para todos, mas na administração de certos grupos fazendo com que determinados grupos devessem ser nesse projeto de segurança pública oficial e não declarado, controlados para garantir os direitos daqueles que são sujeitos de direitos”, diz o mestre em direitos humanos.
Com a abolição formal da escravização, os recém-libertos não eram vistos como sujeitos de direitos que deveriam ser incluídos na sociedade, mas foram tidos como ameaças que poderiam furtar, cometer crimes e se rebelar com os sistemas. Já naquele período as guardas reais atuavam para controlar escravizados recém-libertos.
“O que a gente tem é um histórico de um sistema de segurança pública que não é preparado para proteger direitos da coletividade, e sim um sistema de segurança pública pautado na ideia de pessoas boas, pessoas ruins. Essas pessoas tidas como ameaças, ou seja, as pessoas ruins são necessariamente as pessoas pretas e pobres das periferias”, analisa Igor Fontes, que também é coordenador do curso de Curso de Direito do Centro Universitário Estácio de Sergipe.
A ativista do Movimento Negro Unificado (MNU) Wanessa Fortes associa a maneira truculenta que os agentes se portam com a doutrinações racistas. “Eu não acho que é uma questão de letramento racial, essas abordagens não só da Guarda Municipal como também da segurança pública. Até quando o movimento negro vai ter que ensinar para os agentes de segurança pública o que é o racismo, e acima de tudo, o que são direitos humanos? Isso é cansativo. É exaustivo ter que lidar com isso. Eles nos veem como inimigos”, afirma a ativista do MNU.
Para o delegado Mário Leony, o racismo estrutural contribui para a ocorrência de casos semelhantes. “Sergipe amarga um triste pódio nos últimos anos ao figurar proporcionalmente como uma das polícias mais letais da federação. É triste ver trabalhadores da segurança pública, em sua maioria pretos e pardos, a perpetrar violência contra os trabalhadores e a juventude das periferias. O ciclo vicioso, a escalada da violência policial se inicia com violações de direitos humanos, como estas flagradas pelas câmeras dos passageiros, a culminarem em hediondas execuções”, afirma o titular da 3ª Divisão do DHPP.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas no ano de 2022 o estado de Sergipe ocupou a 4ª colocação no quesito “mortes em confronto”, o que evidencia o racismo estrutural e a necropolítica instrumentalizada pela segurança pública.
Para o professor de Direito Ilzver de Matos, é necessária a efetivação de punições vigentes nos episódios de racismo que envolvam servidores. “Aracaju já possui, desde a década de 90, um conjunto robusto de legislações que fala sobre enfrentamento ao racismo a partir de estratégias de sanções administrativas impostas a servidores e a empresas que praticam racismo”, informa Ilzver.
Para ele, “é crucial compreender o racismo das polícias, inclusive da guarda municipal. Ele só pode ser compreendido a partir da perspectiva institucional. A história das instituições brasileiras, em especial dentro do sistema de justiça e de segurança pública, se conecta ao racismo contra as populações negras, indígenas e outros grupos historicamente excluídos”.
Segundo Ilzver, “quando a gente fala de como enfrentar o racismo nas instituições públicas precisamos pensar isso a partir da ruptura da lógica colonial de tratamento desses sujeitos que hoje são maioria na população de Aracaju, de Sergipe, do Brasil enquanto cidadãos dignos de todo respeito, consideração e direitos”.
Função da Guarda Municipal e militarização
Sempre que ocorrem casos de abuso de autoridade, a sociedade discute sobre o papel da guarda municipal no sistema de segurança pública. As funções da Guarda Civil Municipal e da Polícia Militar são diferentes e estão expressas no art. 144 da Constituição Federal, o qual demonstra que cabe essencialmente às polícias militares o exercício do policiamento preventivo, ostensivo, bem como a preservação da ordem pública.
Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. Até pouco tempo, as Guardas Municipais não tinham autonomia, e eram geridas por policiais militares. No entanto, a ideia de que Guarda Municipal tem o papel de preservar o patrimônio municipal está sendo alterada.
“A Guarda Municipal vem recebendo treinamentos junto com a Polícia Militar e operando na mesma lógica da Polícia Militar no sentido de militarização. As guardas vêm sendo militarizadas, fazendo com que o papel das Guardas Municipais se equiparem ao da Polícia Militar. É como se na prática as prefeituras tivessem as suas próprias polícias militares municipais. É isso que boa parte dos gestores e os próprios guardas esperam. Eles entendem que a guarda deve de fato se tornar uma Polícia Militar. Nem todo mundo tem a compreensão de que a guarda tem um outro papel. Eventualmente em um crime a guarda pode agir, mas a prioridade é a questão do patrimônio”, pondera o especialista em direito constitucional Alexis Pedrão.
No dia 28 de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública. O ministro Cristiano Zanin disse que a decisão está em harmonia com as leis 13.022/2014 (que estabelece o estatuto geral das guardas municipais) e 13.675/2018 (que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública).
O professor Igor Frederico Fontes associa a decisão ao processo de militarização da Guarda Civil Municipal. “Isso não significa dizer que ela substitui a Polícia Militar porque o papel delas é de proteção dos bens e do patrimônio do município. No entanto, essa discussão nos permite observar que há uma tentativa das guardas municipais, dos municípios e de uma parcela da sociedade de fazer com que a Guarda Municipal seja equiparada à Polícia Militar “, considera.
A militarização faz com que as forças de segurança atuem de maneira truculenta como se estivessem em uma guerra. Em uma guerra, o Exército luta contra um inimigo, na guerra pregada pelo processo de militarização, os inimigos são os pretos e pobres.
“A Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal muitas vezes fogem dos seus papéis de fazer o patrulhamento, defender o patrimônio municipal e zelar pelo convívio das pessoas nos ambientes públicos. Elas partem para a violência e acham que são juízes. Eles abordam, julgam e condenam. Então, a militarização prega e eles nos veem como adversários. Então, o que nós fazemos hoje é tentar nos preservar o máximo possível e colocar na cabeça da sociedade o seguinte: quando pedimos a desmilitarização da polícia, nós não estamos falando de fato que queremos o fim da polícia militar, mas sim uma polícia humanizada”, ressalta a ativista Wanessa Fortes.
Uma das pautas reivindicadas pelo movimento dos policiais antifascismo é justamente a desmilitarização da segurança pública. “Repudiamos que policiais sejam reduzidos à condição de soldados, que tenham suprimidos muitos dos seus direitos como cidadãos e trabalhadores, e que estejam submetidos ao fogo cruzado imposto por um modelo de segurança pautado em ações militares violentas e letais contra a população preta e pobre, modelo este reproduzido inclusive pelas polícias civis e guardas municipais. É ruim para a sociedade uma Guarda Municipal militarizada e repetidora dos erros e da truculência das PMs estaduais. Não estamos aqui para fazer a guerra, mas para garantir e promover a cultura de paz. Basta do policial de hoje servir como capataz de senhores de escravizados de ontem”, ressalta Mário de Carvalho Leony.
Para Ilziver de Matos, a Prefeitura de Aracaju deveria investir mais na GMA enquanto órgão promotor de cidadania. “Se nós compreendemos a importância dela [GMA] enquanto elemento de construção de um outro modelo de segurança pública, de prestação de um serviço público crucial, mais conectado com as populações, principalmente as historicamente excluídas, vemos que é preciso amplificar o seu investimento. Se a gente olhar para os investimentos em segurança pública no âmbito dos estados, em torno de dez a quinze por cento do orçamento total dos estados vai para a segurança pública. Nos municípios esse valor é infinitamente menor. Em Aracaju, por exemplo, vamos pensar a partir dessa perspectiva de dez a quinze por cento do orçamento hoje nós teríamos que aumentar o orçamento da Guarda Municipal em pelo menos três vezes, o que quer dizer que a gente precisa refletir sobre que guarda queremos”, afirma o professor de Direito da UFS.
Câmeras corporais para proteger civis
A implementação de câmeras corporais é uma das estratégias para inibir a violência policial. Isso aumenta a confiança da população no trabalho da polícia, especialmente no concernente à notificação de ocorrências que são tipicamente subnotificadas, como a violência doméstica e demais crimes de ódio contra segmentos vulnerabilizados da sociedade.
Nos estados onde houve o investimento para a colocação de câmeras nos uniformes dos policiais o grau de violência policial e de mortes de policiais diminuiu. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública(FBSP), entre 2021 e 2022, no estado de São Paulo foram reduzidos 63,7% da letalidade geral, 33,3% da letalidade nos batalhões em que não houve implementação de câmeras e 76,2% da letalidade nos batalhões em que as câmeras passaram a ser utilizadas.
Em Sergipe, o Ministério Público fez uma recomendação para que o estado avaliasse e apresentasse um estudo para a viabilidade de colocar câmeras nos uniformes policiais. No entanto, o final do ano se aproxima e não houve nenhum avanço.
“Nós tivemos uma manifestação em Aracaju no dia nacional de luta contra a violência policial e nós levamos uma faixa em defesa das câmeras nos uniformes policiais. O ministério público e o governo do estado estão atrasados nessa discussão, mas nós já estamos em novembro, já vai completar um ano dessa recomendação e não foi apresentado nenhum estudo. Isso tem que ser feito logo, pois é preciso de um debate orçamentário para que isso já entre no próximo ano”, cobra Alexis.
As câmeras corporais são benéficas para os agentes de segurança. “Com certeza a câmera corporal não só protegerá a população como protegerá também a própria Polícia Militar, os próprios agentes de segurança pública. Aqueles que atuam corretamente agradecem, pois estarão resguardados caso precisem justificar e comprovar suas ações. Elas podem reduzir drasticamente a violência policial, e essa inclusive é uma reivindicação do movimento negro. Infelizmente, aqui em Sergipe não deu andamento, começou a ser discutido, mas não foi pra frente. Então, demonstrou-se aí um desinteresse muito grande por parte do poder público, mas nós continuaremos cobrando e chamando audiências públicas. Continuaremos chamando os órgãos para dialogar sobre isso, porque acredito que todo mundo vai ganhar com isso”, ressalta a ativista.