Talvez uma das marcas mais significativas que a gestão do governador Fábio Mitidieri (PSD) vem consolidando é a redução drástica das políticas públicas e a entrega do Estado para os empresários. Privatização, concessão, parceria, empresas privadas são palavras e ações que engolem o serviço público nas áreas do governo.
A Mangue Jornalismo já trouxe reportagens sobre isso nos campos da saúde, educação, cultura, infraestrutura e hoje tem mais um exemplo: o meio ambiente.
Em 8 de janeiro deste ano, o governador publicou no Diário Oficial do Estado a Lei 9.366, que trata da “organização, finalidade, competência, composição e norma de funcionamento do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CEMA”.
A partir desta normativa, o Cema/SE passa a ser formado por 18 membros, sendo que 17 vagas ficaram com o Governo do Estado, com representantes de empresários, de entidades de classe e aliados do governador. Apenas uma cadeira foi destinada para a representação de entidades ambientais não-governamentais, que deve ser escolhida em processo relâmpago pelo próprio governo.
Fazem parte do Cema/SE: o secretário de Estado do Meio Ambiente; o vice-governador; os secretários de Estado da Educação, da Agricultura, da Saúde e do Desenvolvimento. Também o procurador-Geral do Estado, o diretor-presidente da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema); o diretor-presidente do Instituto Tecnológico e de Pesquisas do Estado de Sergipe (ITPS).
Também compõe um representante do Ministério Público, da Assembleia Legislativa, do Ibama, da Federação dos Municípios de Sergipe (Fames), um da OAB/SE. Há também um representante da Federação das Indústrias, outro da Federação da Agricultura e Pecuária de Sergipe, um representante do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia e um representante de entidades ambientalistas não governamentais. Todos recebem jeton por reunião.
Os conselhos com ampla participação da sociedade são instrumentos fundamentais em estados democráticos, principalmente quanto eles mexem tão profundamente com o meio ambiente, com as cidades e com a vida das pessoas, como o Cema/SE.
A lei que criou esse conselho informa que ele “tem por finalidade assessorar o Governo do Estado na formulação das políticas públicas ambientais, propondo diretrizes, editando normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”.
Entre tantas atribuições do Cema/SE, o conselho deve “decidir, em grau de recurso, como última instância administrativa, sobre licenciamento ambiental, demais atos administrativos e as penalidades administrativas impostas pelos órgãos executores da Política Estadual de Meio Ambiente”.
Conselho sem a participação da sociedade
No entender dos especialistas em meio ambiente, os pilares da política ambiental estabelecidos na nova estrutura do Cema/SE seguem o padrão da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que reduziu drasticamente a participação da sociedade civil nos espaços de decisões ambientais.
As ações desenvolvidas no governo anterior e ainda presentes em Sergipe caminham na contramão dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) em prol da recuperação da sustentabilidade ambiental do planeta para a agenda 2030.
Para Ricardo Mascarello, arquiteto e urbanista e conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo/Brasil, “a conformação das representatividades do Cema/SE converge para uma falha gritante pela ausência da comunidade científica, de pesquisadores, de instituições que defendem o meio ambiente e do próprio Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/SE)”, afirma o arquiteto.
Ele lembra que o CAU/SE possui em seu ofício uma maior fiscalização do uso e ocupação do solo nos vários aspectos relativos à legislação urbana e ambiental.
“Do ponto de vista da democracia, a constituição deste conselho vai de encontro às formas igualitárias de composição, visto que a nomeação ditada pelo Governo do Estado não traz representações fundamentais para o alcance das atribuições do Cema/SE”, completa Ricardo Mascarello.
As modificações feitas no Cema/SE também são consideradas antidemocráticas e autoritárias pelo o biólogo e mestre em Geografia (UFS), Leandro Pel, também colaborador do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe.
Para ele, a configuração desse conselho não garante a ampliação da participação da sociedade organizada, a representação de povos e comunidades tradicionais e categorias profissionais com conhecimento técnico especializado na área ambiental. Para Leandro, o governador transformou o Cema/SE em um “puxadinho do governo”, a serviço dos interesses privados.
Para a professora titular aposentada/voluntária da UFS e coordenadora do Núcleo de Ecossistemas Costeiros (CNPq/UFS), Myrna Landim, “os empresários sequer deveriam ter assento em um Conselho de Meio Ambiente. Estes devem propor seus empreendimentos, mas a discussão sobre a sua viabilidade e riscos e o planejamento da gestão ambiental do estado deveria ser absolutamente técnica e feita por agentes não diretamente interessados na sua aprovação”.
Ainda de acordo com Landim, a indicação de gestores de órgãos ambientais com formação e experiência na área ambiental deveria ser o primeiro passo para a constituição de uma gestão ambiental democrática. Ela também sugere que a ocupação desses cargos seja instituída através de concursos públicos para que a aprovação de requerimentos seja independente de eventuais pressões políticas.
Para Mascarello, o Governo de Sergipe tem deixado de lado a responsabilidade maior do conselho de assegurar a sustentabilidade ambiental do Estado e preservar os bens naturais para a segurança e qualidade de vida das futuras gerações de sergipanos. “Os próximos anos serão decisivos para cuidarmos de nossas riquezas maiores, os bens naturais”, ressalta ele.
“Além das transformações do planeta, no momento, o território sergipano passa por um intenso processo de agressão ao ecossistema evidenciado por desmatamentos, queimadas, poluição, contaminação de lençóis freáticos, expulsão de comunidades nativas do seu habitat”, declara Joseilton Nery, militante da área ambiental em Sergipe.
“É lamentável a ausência da sociedade civil organizada no Cema/SE, inclusive de segmentos científicos preponderantes para a formulação de políticas que reflitam as profundas transformações do planeta, no que tange ao meio ambiente, em especial a sua defesa e preservação, numa lógica essencialmente da ciência”, completou Nery.
Enquanto o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) tem pelo menos 20% de seus membros compostos por representantes de entidades ambientalistas não governamentais, a composição do Cema/SE tem 5,6%, ou seja, um representante.
Leandro e Ricardo: ação antidemocrática do Governo do Estado (Fotos Arquivo)
Ataque constante ao meio ambiente em Sergipe
Segundo os especialistas, a estruturação do Cema/SE indica a prevalência de interesses privados do setor de empreendimentos do mercado imobiliário. O temor é que isso possibilite licenciamentos indiscriminados e que não promovam o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente e de comunidades tradicionais.
A Prefeitura de Aracaju e o Governo do Estado acumulam nos últimos anos denúncias de ações permissivas e que afetam a existência socioambiental. Em 2019, por exemplo, a prefeitura da capital arrancou mais de 250 árvores do canteiro central da Avenida Hermes Fontes para construir um corredor de ônibus.
Já em 2022, uma das vítimas foi a Reserva Extrativa das Mangabeiras Uilson de Sá, localizada no bairro Santa Maria, que teve parte do seu território devastado para a construção de um conjunto habitacional, prejudicando os meios de subsistência de diversas famílias, além do aumento significativo do risco de extinção da fruta.
Também vem ocorrendo vários aterramentos de manguezais para a construção de condomínios de luxo na antiga Zona de Expansão, que hoje abriga os Bairros Robalo, São José dos Náufragos, Areia Branca, Gameleira, Matapoã e Mosqueiro, área com fauna e flora com aspectos únicos.
Para a professora Myrna Landim, o licenciamento dessas obras sem o acompanhamento regular de profissionais da área ambiental gera consequências graves, como o caso da Braskem em Alagoas, onde um empreendimento milionário de uma mina de sal-gema com lucros privados garantidos pelo poder público levou ao afundamento de cinco bairros, obrigando mais de 60 mil pessoas a deixarem suas casas.
Myrna e Joseilton: conselho do meio ambiente sem ambientalistas e cientistas (Fotos Arquivo)
Governo: nova composição do Cema/SE deu maior segurança jurídica
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente informou, por nota, que o Cema/SE “passou por diversas transformações”. A publicação da Lei 9.366/2024 trouxe para o Cema/SE, uma maior segurança jurídica, onde estabeleceu especificamente sobre a sua estrutura, competência e as normas gerais de funcionamento”.
Segundo a nota, “no que diz respeito à composição atual do Cema/SE, foi feita a ampliação na participação tanto governamental quanto da sociedade civil, de forma que mais instituições possam contribuir para direcionar, monitorar e avaliar as políticas públicas ambientais”.
A secretaria colocou na nota que o Cema/SE “hoje é composto por 18 (dezoito) membros, distribuídos entre representantes do Poder Executivo, do setor público em geral e da sociedade civil, indicados por entidades representativas que contribuirão para a melhoria da gestão ambiental no Estado, promovendo a participação da sociedade na tomada de decisões e ao fortalecer o diálogo entre os diversos atores envolvidos na proteção do meio ambiente”.
Publicação e inscrição relâmpago: para quem?
Na semana passada, na sexta-feira, 19, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente publicou o edital n° 01/2024, que versa sobre a eleição de entidade ambiental não governamental para compor o Cema/SE. Incrível, o edital foi publicado na sexta, 19, e as inscrições só poderiam ser feitas na segunda, 22 e na terça, 23, hoje. Essas inscrições são por e-mail cema@semac.se.gov.br, mediante envios do formulário preenchido e da documentação descrita no edital.
O fato é que não ocorreu nenhum dia útil para divulgação do edital antes da inscrição.
Para que a entidade ambiental não governamental se credencia ela precisa ser constituída e registrada há pelo menos dois anos no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas (CNEA); ter sede ou filial no Estado de Sergipe; e ter atestado de capacidade técnica que comprove a atuação na preservação do meio ambiente, defesa da conservação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável. Para nenhuma das 18 vagas no Cema/SE existem critérios.
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