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Governador e deputados mudam Estatuto do Magistério e alterações podem comprometer concurso público

Alterações no Estatuto do Magistério são um forte desestímulo ao concurso público (Crédito Pexels)

No final do ano passado, o governador Fábio Mitidieri (PSD) enviou inúmeros projetos de lei para a Assembleia Legislativa, e alguns deles alteram o Estatuto do Magistério. Sem maiores debates e de um dia para o outro, a maioria dos deputados aprovou os projetos. Agora, as leis vão mexer na vida profissional das professoras e professores e também podem comprometer o prometido concurso público da categoria.

Uma das principais e preocupantes alterações no estatuto que rege a vida funcional dos integrantes do magistério, com interferência no edital do concurso, é a criação do cargo de professor de segunda categoria, com jornada de 100 horas mensais. Hoje, os profissionais do ensino da rede estadual têm jornada de 200 horas e, por isso, têm direito a um piso salarial de R$ 4.867,77 no ano de 2025.

Com a criação do cargo de professor de segunda categoria pelo governo do estado, tendo só 100 horas, a expectativa é de redução na remuneração, o que pode contrariar a lei federal que garante o pagamento do piso salarial do magistério.

“Alertamos ao governo e aos deputados dessa e de outras ilegalidades nos projetos. A jornada de 100 horas vai produzir professores recebendo um pouco mais que um salário mínimo e isso é um profundo desestímulo para o concurso”, afirma Roberto Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese).

Os valores reduzidos, além de não serem um atrativo para o concurso, podem produzir desistências de aprovados diante das dificuldades de permanecer na rede estadual de ensino. “Além disso, teremos tensões internas com colegas de 200 horas. Tudo isso gera um clima de profundo desestímulo e o reflexo poderá ser o abandono. O professor, com essa jornada e com o salário mínimo, não fica na rede estadual. Na prática, os professores vão procurar os municípios que pagam melhor que o governo, o que já vem acontecendo”, analisa Roberto.

Professor Roberto chama atenção para falta de professores nas escolas (Crédito Sintese)

Ação favorece a mais contratos temporários e mais precarização

O governo do estado não realiza concursos públicos para a contratação de professores há quase 13 anos. Nesse longo período, os contratos precários de professores foram se avolumando. Levantamento exclusivo da Mangue Jornalismo em parceria com a Liga Acadêmica de Dados da Universidade Federal de Sergipe (Ladata-UFS), contou 2578 profissionais da educação básica com contrato temporário na rede estadual listados na folha de pagamento de setembro de 2024.

O projeto do governador, aprovado pelos deputados, criando o cargo de professor de segunda categoria pode ser, na avaliação do sindicato, uma estratégia para gerar desestímulo e desistência dos que tentam o concurso público para favorecer ainda mais a prática de contratos temporários e precarizados. Entretanto, o presidente do Sintese diz que o mesmo projeto também precariza ainda mais os contratos, e um dos reflexos disso pode ser a falta de professores nas escolas.

“O mesmo projeto que criou o professor de segunda categoria também precariza mais a contratação temporária na medida em que o governo vai contratar agora por banco de horas, o que vai gerar pagamentos abaixo do salário mínimo. Por que o professor vem hoje para a rede pública estadual como contratado? Porque o estado paga o mesmo valor do efetivo ao contratado, isso garante a permanência do contrato na rede. Com o contratado recebendo por banco de horas, muitos não vão ficar. É uma tragédia neoliberal esse processo de precarização”, disse Roberto Silva.

Não é difícil saber quem terá mais impacto com os projetos aprovados pelos deputados estaduais e que alteraram o Estatuto do Magistério, se os estudantes de licenciatura que esperavam o concurso e ou os estudantes da rede estadual sergipana.

“Teremos três categorias de professores na mesma rede: o efetivo com 200 horas, o de 100 horas e o contratado de modo precário e que vai receber por banco de horas. Uma situação absurda. Eu coloquei para os deputados: isso vai gerar falta de professores para a rede estadual e os maiores prejudicados serão os estudantes”, reforça o professor.

Professores prometem mais luta contra os ataques aos direitos (Crédito Sintese)

Mais problemas: sem cadastro de reserva e estágio sujeito ao assédio

Os problemas que serão gerados com os projetos aprovados não terminaram. Para o concurso público do magistério, o governo e os deputados acabaram com o cadastro de reserva, e o prazo de validade deve ser de apenas um ano.

“Todo concurso tem cadastro de reserva. Os [candidatos] que não ficam nas vagas ficam suplentes e são chamados na medida da necessidade, quando surge vaga por desistência. Com a lei aprovada, o governo chama os aprovados e pronto. Caso tenha desistência, ele não terá mais ninguém porque não terá reserva. Ou seja, vai faltar professor. Qual solução do governo para isso? mais contratos precários, que também não devem querer por conta do valor da hora-aula. Os estudantes vão ficar sem aula. Trata-se de uma política irresponsável e inconsequente”, denunciou Roberto.

E não para por aí. O projeto aprovado ainda estabeleceu que a avaliação do estágio probatório do aprovado no concurso será feito pelo professor efetivo. “Veja que absurdo. Um professor efetivo será retirado de sala de aula para fiscalizar e julgar um colega que passou no concurso público. Isso vai gerar uma série de problemas nas unidades, conflitos, assédio, perseguições”, analisa o professor.

O “pacote de maldades”, como o presidente do Sintese chama os projetos de lei enviados pelo governo e aprovados pelos deputados estaduais, só não foi completo porque o sindicato foi mantido na comissão do concurso público. O governador Fábio Mitidieri não queria o sindicato participando das decisões sobre o concurso, o que causou algum estranhamento em relação à transparência da seleção.

“Desde a redemocratização, com a Constituição de 1988, o Sintese sempre participou da comissão do concurso, contribuindo com a lisura do processo, impedindo favorecimento político, acompanhando as nomeações. Foi muito ruim o governo querer tirar o sindicato da comissão. Convencemos aos deputados, e o Sintese está mantido. O governo terá que nos chamar para tratar do concurso”, explicou Roberto.

Redução do triênio e ataque aos professores em tempo integral

Os projetos do governador aprovados pelos deputados não afetam apenas os futuros professores que devem ingressar na rede pelo concurso público. Os que já estão nas escolas também devem ser impactados com as alterações do Estatuto do Magistério. Um dos projetos, por exemplo, possibilita a redução de salário na medida em que a gratificação do triênio (acréscimo ao salário a cada três anos de serviço) passará agora a ser pago de modo proporcional.

“Hoje, o triênio é pago para todos os professores independentemente da carga horária, mas a lei aprovada prevê a redução do triênio [para ser] proporcional à jornada. Tememos que professores que se aposentaram com 125 e 160 horas tenham redução de salário”, disse Roberto Silva. O sindicato apresentou uma emenda ao projeto para que, caso tenha redução de salário, o governo complementaria, mas a maioria dos deputados não aceitou. Se essa redução salarial se confirmar, o caso deve ser judicializado.

Outro ponto que deve parar no Judiciário envolve os professores das escolas de tempo integral. O projeto mudou a jornada de hora-aula para hora-relógio. “Não há possibilidade de se trabalhar por hora-relógio na educação. O STJ já assegurou que a hora entre uma aula e outra, e o intervalo, onde ocorre uma série de interações entre professores e estudantes, é parte do processo de educação, tem que ser considerada como trabalho. O STJ reconhece que todo o tempo do professor na escola é trabalho”, esclarece o presidente do Sintese.

Segundo cálculos do professor Roberto Silva, com a lei sancionada pelo governador, professores que trabalham no ensino integral terão sua carga diária aumentada em uma hora e dez minutos. “Hoje, a jornada é de sete horas, mas com a lei vão trabalhar oito horas e dez minutos, sem aumento da remuneração. É extremante grave”, disse.

O projeto do governador também autoriza o secretário de Estado da Educação a estabelecer critérios de avaliação do professor para que sejam mantidos ou desligados das escolas de tempo integral. “Ora, isso vai gerar muita perseguição política de diretores de escolas, de diretores de DRs [diretorias regionais] e do próprio secretário”, afirmou Roberto.

O presidente do sindicato disse que vai reunir a assessoria jurídica do Sintese para mover ações judiciais. “Devemos recorrer ao Judiciário contra essas aberrações. Não vamos aceitar alterações que mexam na lotação, na carga horária, que deixe o professor vulnerável às perseguições políticas”, reforçou Roberto.

Governo afirma que projetos visam eficiência na gestão de pessoas

A Secretaria de Estado da Educação e Cultura (Seduc) infirmou que a “criação do regime de 100 horas mensais, equivalente a 20 horas semanais, oferece eficiência para a contratação de novos professores para disciplinas com baixa demanda de carga horária”. Sobre o banco de horas para os professores contratados de forma precária, a secretaria informou que “a lei aprovada não trata de banco de horas. Atualmente, os professores temporários já podem ser contratados com carga horária proporcional. A lei visa a eficiência na gestão de pessoas”.

Governador e secretário da Educação: projetos visam eficiência (Crédito Secom)

No que se refere ao concurso público, o Governo de Sergipe, por meio da Seduc, informou que “tem como objetivo realizar concursos periódicos para promover a constante renovação de seus quadros, garantindo a entrada de profissionais qualificados que contribuam para a melhoria contínua da qualidade da educação. Essa iniciativa também busca assegurar oportunidades frequentes de ingresso na carreira, democratizando o acesso ao serviço público e incentivando a formação e o desenvolvimento de talentos que possam atender às demandas educacionais.

Por fim, a nota da Seduc informa que “o projeto não propõe alterações no triênio e que não haverá alteração na realidade de horas no ensino em tempo integral praticada hoje, apenas normatiza a prática”.


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