Está quente? Pode piorar. Sergipe é o estado com menos árvores em vias públicas no Brasil

Insustentável: Aracaju se espalha sem planejamento e sem árvores (Crédito Cristian Góes)

A cada ano, as altas temperaturas em Aracaju ficam mais intensas, quase insuportáveis. Quando chove, logo aparecem áreas alagadas, um caos. Esses são apenas alguns sinais visíveis do aprofundamento da crise climática, que é global, mas com forte e decisivo componente local, seja por ação ou por omissão.

A tragédia socioambiental em Sergipe não atinge só a capital. O estado todo tem um cenário péssimo nesse campo. Altas temperaturas, secas e rápidos alagamentos são registrados em vários municípios. A Mangue Jornalismo, nos dois anos de existência, denuncia sem parar esse quadro desastroso das políticas ambientais em Sergipe.

Na semana passada, mais uma prova desse desastre. A pesquisa Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), comprovou o que vem insistindo a Mangue: Sergipe é o estado com menos árvores em vias públicas no Brasil, e isso tem forte impacto agora e nos próximos anos nas cidades.

O Censo do IBGE, que acabou de ser divulgado, revela que no Brasil, em média, 66,56% da população vivem em ruas com árvores. Em Sergipe, esse índice é de apenas 38,6%, o menor do país. O Mato Grosso do Sul tem 92,5% e é o único estado com percentual acima de 90%. No Nordeste, por exemplo, o Ceará lidera na arborização (68,95%), seguido pelo Piauí (66,8%) e Rio Grande do Norte (66,07%).

Em Sergipe, a pesquisa Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios revelou que 17,9% da população de Sergipe vivem em ambientes com apenas uma ou duas árvores instaladas em vias públicas; outros 6,6% moradores do estado moram em ruas com contam com três a quatro árvores e somente 14% da população estão em locais com cinco ou mais árvores.

Destruir árvore para favorecer o cimento

Em Sergipe não há política pública séria que enfrente os graves efeitos das agressões ao meio ambiente e da crise climática. Ao contrário, as gestões do estado e de municípios, atreladas aos interesses de grandes empresários, avançam sem limites com ações de destruição de áreas que deveriam ser protegidas.

No Brasil, 66,5% das pessoas têm ruas arborizadas. Em Sergipe, só 38,6% (Crédito Arquivo)

O processo local de destruição do meio ambiente em Sergipe é antigo, não começou com o governador Fábio Mitidieri (PSD), mas em seu governo avançou rapidamente a redução de políticas públicas nessa área. Privatizações, concessões, parcerias, liberações, empresas privadas são palavras e ações do governo que comprometem o serviço público em todas as áreas do governo.

Do ponto de vista do meio ambiente, por exemplo, a maioria dos deputados estaduais e o governador são autores da Lei 9.366, que tratou da “organização, finalidade, competência, composição e norma de funcionamento do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CEMA”. A partir desta normativa, o conselho passou a ser formado por 18 membros, sendo que 17 vagas foram distribuídas entre representantes do próprio Governo do Estado, de empresários e de entidades aliadas ao governador. Apenas uma cadeira foi destinada para a representação de entidade não-governamental.

A lei que criou esse conselho diz que ele tem por finalidade propor “diretrizes, editando normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”. O Cema também deve “decidir, em grau de recurso, como última instância administrativa, sobre licenciamento ambiental, demais atos administrativos e as penalidades administrativas impostas pelos órgãos executores da Política Estadual de Meio Ambiente”.

Aracaju é uma das últimas capitais brasileiras em arborização

Os dados do Censo IBGE também revelaram a arborização nas cidades e nesse quesito a capital de Sergipe é uma das piores do país em árvores em vias públicas. Das 26 cidades, Aracaju ficou na 22ª colocação, com índice de apenas 44,3%. Só relembrando, a média nacional é de 66,56%. Não é possível qualquer cidade ser considerada como qualidade de vida com alto índice de destruição do meio ambiente.

Esse quadro também já tinha sido objeto de reportagem da Mangue Jornalismo. Um dos reflexos do ataque público e particular ao meio ambiente é que em Aracaju só tem 4,6% de áreas ambientais protegidas por lei ou que deveriam ser protegidas, o que significa apenas 7 mil hectares (ha), sendo 6,6 mil ha da Área de Proteção Permanente de Manguezais; 212 ha da Área de Proteção Ambiental Morro do Urubu; 4 ha do Parque Tramandaí; e os 170 ha do Parque do Rio Poxim.

Em entrevista para a Mangue, a professora Laura Jane, do Departamento de Ciências Florestais da UFS, lembrou que o Código de Proteção Ambiental de Aracaju é de 1992 e que não foi atualizado. “O fato é que Aracaju esqueceu o seu papel junto ao meio ambiente, basta dizer que somos a última capital a criar uma secretaria do Meio Ambiente, que só vem nascer em 2013”, informa a professora.

Ela lembra que Aracaju não sofre apenas com a ausência de um plano diretor atualizado, mas de vários mecanismos de planejamento. “A cidade tinha muitas áreas nativas verdes, muitas árvores, mas elas vêm sendo suprimidas para favorecer a uma política de carros e pouca mobilidade para quem é pedestre e ciclista”, disse Jane.

A professora Myrna Landim, coordenadora do Núcleo de Ecossistemas Costeiros (CNPq/UFS), aponta graves problemas em Aracaju como aterro de lagoas, saneamento básico insuficiente e canais de maré que viram em canais de esgoto. Do ponto de vista da biodiversidade, ela lembra de Áreas de Proteção Permanente (APP) desprotegidas, degradação e supressão dos ecossistemas nativos, diminuição da biodiversidade nativa, unidades de conservação insuficientes e erosão das praias.

Landim pede a revisão dos mapas e mapeamentos apresentados pela Prefeitura de Aracaju, principalmente os referentes às Áreas de Interesse Ambiental (AIA). “É preciso que a autorização para a ‘ocupação e adensamento populacional’ seja condicionada à revisão do zoneamento e à efetiva implantação dos serviços de infraestrutura urbana básica, de modo a coibir a destruição de áreas de preservação ambiental e a contaminação do lençol freático e corpos d´água adjacentes”, defende.

A Mangue Jornalismo recuperou e contou a história ocorrida nos primeiros dias de dezembro de 2019, quando a Prefeitura de Aracaju levou máquinas e parte da imprensa para a avenida Hermes Fontes. Tudo não passava de uma festa para o então prefeito Edvaldo Nogueira, empresários e mídia. Para o meio ambiente, aquilo era um enterro.

Sem ter ocorrido nenhum debate público anterior e sem maiores questionamentos, muito pelo contrário, as árvores do canteiro central da avenida Hermes Fontes, um sopro de verde e sombra para pedestres, ciclistas e motoristas na quente Aracaju, começaram a ser derrubadas. Foram arrancadas 256 árvores para alargar a avenida e fazer um corredor de ônibus. O valor inicial da obra foi de quase R$ 21 milhões (R$ 20.598.535,03) em convênio com o Governo Federal.

O então prefeito prometeu que seriam plantadas 550 novas árvores na avenida ou nas proximidades. Até hoje, nada. O Ministério Público Estadual abriu um procedimento e até hoje, nada. Ficou por isso mesmo, sem árvores.

Na avenida, a sensação é de deserto e de um calor insuportável. Não há como se proteger do sol e da chuva. O trânsito é infernal em pistas estreitas. Pedestres precisam arriscar a vida nas poucas faixas. Os riscos são enormes ao atravessar a avenida. Sem nenhum espaço, ciclistas se espremem entre carros e ônibus. Sem mais nem menos, esta é a realidade hoje.

Além dessa calamidade, segundo um levantamento criterioso da Agência Pública, a cidade de Aracaju é uma das 17 capitais brasileiras que não possuem planos municipais de enfrentamento às mudanças climáticas. Ou seja, não existe um estudo completo e planejamento organizado em Aracaju para minimizar e enfrentar tragédias causadas pelos extremos climáticos. Na capital de Sergipe, quase 8 mil pessoas vivem em áreas de risco.

Prefeitura de Aracaju diz que já “doou 3 mil mudas”

No site da Prefeitura de Aracaju, a nova administração da capital festeja publicitariamente como ações em 100 dias uma visita em reserva extrativista e a tímida doação de “mais de 3 mil mudas, entre espécies arbóreas e medicinais, e promoveu ações de plantio em praças e avenidas de seis bairros da capital, anseio antigo da população”. Não há informação nítida sobre esses seis bairros.

“Um ponto que já incorporamos como prioridade é o fortalecimento da arborização nos bairros, trazendo mais qualidade de vida, sombra e equilíbrio térmico para as comunidades”, explicou a secretária municipal do Meio Ambiente, Emília Golzio. A secretaria informa que teria sido realizado plantio de mudas na Praça do Maracatu, no Santos Dumont, um equipamento público que foi inaugurado sem nenhuma árvore.

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