ANA PAULA ROCHA, da Mangue Jornalismo
A Mangue Jornalismo investigou os nomes por trás das multas ambientais em Sergipe registradas no site do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) durante os quatro anos do governo Bolsonaro (PL).
O que descobrimos foi um trio de profissionais que se revezaram no topo da lista de maiores multas ambientais durante os últimos quatro anos: empresários, políticos e advogados sergipanos ou atuantes no estado.
Alguns dos autuados alcançaram centenas de milhares de reais em multas por terem supostamente descumprido leis ambientais. Dentre os principais motivos, estiveram a supressão de vegetação nativa da Mata Atlântica e Caatinga sem autorização, venda ou armazenamento de madeira – inclusive amazônica – não licitada e desrespeito a embargo de obras.
Todo o levantamento aqui apresentado foi feito por meio de informações públicas e cruzamento de dados. A aba “serviços” do site do Ibama permite acessar dados básicos sobre as multas ambientais no Brasil registradas no “Consulta de Autuações Ambientais e Embargos”.
No caso das empresas autuadas, o sistema mostra o nome e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Já quanto às pessoas físicas, o sistema só passou a mostrar o número do CPF dos infratores em março deste ano, após a agência de dados Fiquem Sabendo insistir, via Lei de Acesso à Informação (LAI), para que eles também ficassem disponíveis, já que são informações de interesse público.
Passando a motosserra na Mata Atlântica
Desde a saída de Bolsonaro da Presidência, uma série de informações sobre a sua desastrosa gestão tem vindo à tona. A dimensão ambiental de “passar a boiada” – e da motosserra – pelo Brasil é um dos pontos de destaque.
Poucos dias antes do fim de 2022, o Instituto Socioambiental (ISA) divulgou uma análise na qual estimou em 94% o aumento do desmatamento no Brasil durante o período de 2019 a 2022.
Em Sergipe, dados coletados pelo MapBiomas e divulgados em junho de 2023 registraram aumento total de 145% no desmatamento entre 2021 e 2022. Quanto à Mata Atlântica, essa alta coincide com um pico no número geral de autuações do Ibama em terras sergipanas no ano passado quando comparado com os três anos anteriores. Ainda assim, a destruição do bioma no estado foi preocupante desde o começo da gestão do ex-presidente.
O primeiro ano de governo Bolsonaro registrou a maior multa ambiental de pessoa jurídica em Sergipe de todo o período bolsonarista: R$ 434 mil por infrações que teriam sido cometidas na cidade de Santa Luzia do Itanhy, incluindo a destruição de área de Mata Atlântica. A empresa autuada foi a 2A Agropecuária, cuja atividade principal, segundo o Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral, é a “criação de bovinos para corte”.
Os sócios-administradores da 2A são Anderson Freitas de Vasconcelos Melo e Alexandre César Falcão de Sá. O primeiro é engenheiro agrônomo e possui outra anotação de multa ambiental em 2019, desta vez como pessoa física, no valor de R$ 65 mil por alegadamente ter derrubado sem autorização área de Mata Atlântica na cidade de Santa Rosa de Lima.
Já Falcão de Sá é também sócio-administrador da empresa Ramac Empreendimentos LTDA, com quem a Câmara Municipal de Aracaju fechou contrato em abril de 2022 para a locação de cinco carros destinados ao uso dos vereadores.
A Mangue Jornalismo tentou contato com a 2A Agropecuária por e-mail, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Corretor de imóveis, ex-prefeito e empresários
Superando a 2A Agropecuária, o corretor de imóveis Jorge Leal Correia é a pessoa física com a maior multa ambiental em Sergipe nos anos Bolsonaro. Ao todo, segundo os dados oficiais, ele deve R$ 645 mil à União por ter sido acusado de destruir 24,9 hectares de Mata Atlântica em 2019 e “impedir a regeneração natural de vegetação nativa do bioma Mata Atlântica em uma área de 93,3 hectares” em 2022.
Ambas infrações atribuídas a Correia ocorreram no município sergipano de Indiaroba e, juntas, equivalem a mais de 165 campos de futebol de área afetada. A Mangue Jornalismo tentou contato com o corretor de imóveis, mas não conseguimos localizá-lo.
Ainda em 2019, o ex-prefeito de Capela Ezequiel Ferreira Leite Neto foi autuado em R$ 82,5 mil por infrações cometidas na cidade que governou. Dois anos depois, o político recebeu multa de R$ 170 mil acusado de destruir área de Mata Atlântica em Nossa Senhora das Dores. Leite Neto foi condenado por improbidade administrativa em 2021. Tentamos contato com o ex-prefeito indagando-o sobre por que cometeu as infrações ambientais, mas não houve retorno.
A Usina Vassouras, com quase seis décadas de história, foi autuada em R$ 65 mil acusada de destruição de Mata Atlântica em 2019 na cidade de Nossa Senhora das Dores. O atual presidente da empresa, Ricardo Augusto Dantas Brandão, não respondeu ao nosso contato por e-mail.
O empresário Thiago de Santana Silva foi acusado de destruir 9,2 hectares de manguezal em Indiaroba – cidade que foi alvo especial da ação de infratores ambientais em Sergipe – e por isso foi multado em R$ 205 mil. Os manguezais são um dos ecossistemas que integram o bioma Mata Atlântica.
Thiago Silva é dono da empresa registrada como Fazenda 3 Marias Cultivo de Camarão, na zona rural de Indiaroba, e aparece como doador de R$ 15 mil para a campanha de 2022 do deputado federal sergipano Gustinho Ribeiro (Republicanos).
Genival Freire Silva Júnior, dono da GF Comércio e Transporte de Bovino, recebeu duas multas em 2022 que somam R$ 147 mil devido à “supressão e exploração da vegetação secundária em estágio médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica” em Indiaroba (Art. 43 da Lei 11.428/2006).
O assessor técnico da Assembleia Legislativa de Sergipe Carlos Alberto Figueiredo Araújo foi outro acusado de contribuiu com a destruição da Mata Atlântica no município de Indiaroba. Em 2020, Araújo recebeu multa de R$ 155 mil em razão de ser apontado como responsável pela destruição de 30,4 hectares de Mata Atlântica.
Apesar da multa, o órgão ambiental do Governo do Estado (Adema) concedeu a Carlos Alberto licença “para exercício da atividade de Carcinicultura”, conforme publicado na edição do Diário Oficial do Estado de Sergipe de 05 de abril de 2022.
O ex-vereador Francisco José Pinheiro da Silva, de Brejo Grande, e o vereador Genisson Fontes Vieira (PSD), de Lagarto, também foram multados em R$ 65 mil e R$ 110,2 mil, respectivamente. Genisson é sócio-administrador da empresa GF Comércio de Madeiras, que foi autuada duas vezes em 2022. O vereador não respondeu ao nosso contato.
Comércio de madeira sem licença válida
Também foram recorrentes as empresas sergipanas de comércio de madeira autuadas mais de uma vez segundo o Art. 47 do Decreto Nº 6.514/2008, que multa quem não possuir licença válida para “receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira serrada ou em tora, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal […]”.
Dentre elas, está a Madeira Moraes, empresa de Simone Souza Moraes, multada em pouco mais de R$ 255 mil em 2022; a Izabel Cunha Madeireira e Materiais de Construção, de propriedade de Maria Izabel Oliveira da Cunha, cuja dívida por multa ambiental com a União soma R$ 323,5 mil distribuídos em 2020 e 2022; e a JJ Comércio de Material de Construção, localizada em Estância e de propriedade de Joselita Silva Santos, cujas autuações em 2022 totalizam mais de R$ 280 mil.
A empresa Construtor Beijar Flor é um caso atípico, pois foi extinta voluntariamente menos de um mês após receber autuação de R$ 161,5 mil em abril de 2022 na cidade de Itabaiana. Seu sócio-administrador, Guilherme Henrique Alves Archanjo, teria pelo menos outros cinco CNPJs registrados em seu nome e relacionados ao comércio de madeira e materiais de construção. Guilherme não respondeu à tentativa da Mangue Jornalismo de contato por e-mail para explicar o porquê de ter encerrado a empresa sem pagar a dívida.
Também em Itabaiana, os sócios Marcos Antônio da Cunha e Maria Fernanda Nunes da Costa, donos da empresa Madeira Preço Bom, somam R$ 129,7 mil em dívidas com a União por infrações ambientais que teriam sido cometidas em 2022. No mesmo ano, a empresa registrou uma multa de R$ 26,8 mil em Brasília.
A Mardemarcos Comércio e Transportes, de Lagarto, tem que pagar R$ 124,7 mil referentes a três multas, sendo uma em 2019 e duas em 2022. O site da empresa não faz qualquer menção à origem da madeira que comercializa. Contatados pelo e-mail informado no site, os sócios Marcos Antônio Barreto Vieira e Marcos Fontes Vieira não retornaram até a publicação desta reportagem.
Advogados acusados de destruição do bioma caatinga
Nos registros de autuações do Ibama, constam como acusados de destruição do bioma caatinga em Sergipe os advogados Jazon Eduardo Andrade Ferreira, representante da OAB em Monte Alegre e autuado em R$ 89 mil; a advogada e vice-prefeita de Carira (DEM) Joilda Leal, com multa de R$ 40 mil; e o advogado e ex-governador do Amapá José Gilton Pinto Garcia, sócio-administrador da Agropecuária Pedra Azul, cuja multa foi de R$ 21 mil.
Ainda sobre a caatinga, existem autuações em nome de Dhon Lenon da Silva Francisco, sócio-administrador da Central dos Parafusos em Carira, mas cuja dívida de R$ 87 mil com a União teria sido por destruição de área de caatinga no município de Monte Alegre.
Também aparecem multas em nome de Antônio Carlos de Jesus, dono do Autoposto Seu Branco e autuado em R$ 120 mil na cidade de Tobias Barreto, e Manoel Messias de Oliveira, autuado cinco vezes em 2020 somando R$ 54,5 mil. Manoel faleceu em junho de 2022 enquanto era secretário de Controle Interno da Prefeitura de Porto da Folha, cidade da qual já havia sido vereador.
Além dos advogados acima mencionados, vale ressaltar também a autuação em 2022 dos funcionários públicos Francisco de Assis Grossi Araújo, engenheiro agrônomo da Emdagro, e José Alves de Oliveira, auditor fiscal aposentado, ambos multados em R$ 61 mil e acusados de “descumprir embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas”.
A Mangue Jornalismo contatou a Superintendência do Ibama em Sergipe, desde junho comandada por Cássio Murilo Costa dos Santos, para ouvir sobre quais ações específicas o órgão tem desenvolvido para combater infrações ambientais no estado e a reincidência deste tipo de conduta, bem como quais são os maiores desafios que enfrentam em suas atividades.
Por e-mail, o órgão informou que está “reestruturando o setor de comunicação, além disso, os nossos fiscais estão em atividade fiscalizatória na Amazônia, não sendo possível atender até a próxima semana” e solicitaram mais tempo para levantar dados e responder as questões formuladas.
A Mangue Jornalismo continua aberta e publicará os esclarecimentos de todos os autuados e do Ibama assim que os recebermos.