As últimas semanas foram de grandes vitórias no Congresso Nacional da chamada Bancada da Bala, que tem o nome oficial de Frente Parlamentar da Segurança Pública. Os deputados federais e senadores aprovaram uma série de projetos que podem ampliar um quadro geral de violência.
Na Câmara dos Deputados, foi aprovada a anistia e regularização de armas de fogo sem registro. Outro projeto de lei aprovado permite que pessoas investigadas ou condenadas, por exemplo, por agressão doméstica e outros crimes permaneçam com o direito ao porte e posse de arma de fogo.
Ainda na Câmara, foi aprovada a castração química de pessoas condenadas por estupro de vulnerável e outros crimes relacionados à pedofilia. Nesse caso, votaram favoráveis os deputados federais por Sergipe Ícaro de Valmir (PL), Delegada Katarina (PSD), Rodrigo Valadares (União) e Yandra Moura (União). O deputado João Daniel (PT) se absteve. Fábio Reis (PSD) e Gustinho Ribeiro (Republicanos) não estavam na votação.
No Senado, foi rejeitada uma emenda à reforma tributária que inseria armas de fogo e munições no rol dos itens do Imposto Seletivo. Se fosse aprovada, armas e munições poderiam ter impostos mais altos por apresentar risco de dano à saúde coletiva. “Muitos projetos refletem uma abordagem populista, onde o discurso sobre segurança pública é utilizado para atrair visibilidade e atenção pública, sem, contudo, atacar os problemas reais de insegurança no país”, avaliou a gerente do Instituto Sou da Paz, Nathalie Drumond, para o site Congresso em foco.
Projeto anistia portadores de armas sem registro ou com registro vencido
O principal projeto aprovado que contém grande parte das alterações é de número 9433/2017. Seu texto original mexe no Estatuto do Desarmamento apenas para alterar o destino das armas apreendidas pelas forças de segurança: ao invés de serem destruídas, poderiam ser doadas às forças armadas ou auxiliares caso se interessassem após a conclusão do processo penal.
Ao passar pela Comissão de Segurança Pública da Câmara, o texto recebeu múltiplas emendas interferindo em outros aspectos do Estatuto do Desarmamento. Uma dessas alterações foi retirar a necessidade do solicitante de porte e posse de arma de justificar essa necessidade. O projeto também expandiu para cinco anos o prazo para reavaliação técnica e psicológica. Além de mudar os requisitos para a aquisição de armas, o projeto concedeu anistia aos portadores de armas sem registro ou com registro vencido, que em um ano após a publicação da lei poderão regulamentar a situação, sem sequer precisarem das notas fiscais. O texto foi aprovado de forma simbólica, quando os líderes partidários votam em nome dos membros de suas bancadas. A matéria teve aval do governo, mas sem o compromisso de sanção presidencial. Agora segue ao Senado para revisão final.
Pessoas suspeitas ou condenadas podem ter porte e posse de armas
Outra ação da Bancada da Bala na Câmara usando o Projeto 9433/2017 foi permitir que pessoas investigadas por agressão doméstica permaneçam com o direito ao porte e posse de armas, bem como quem esteja sendo processado por furto ou mesmo por tentativa de golpe de Estado.
“Tem uma lista de crimes que, antes, uma pessoa com inquérito não poderia registrar arma. A partir de agora, poderá registrar. Entendemos que mais armas circulando é mais violência contra nosso povo”, disse o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).
De acordo com o texto, além de continuar fornecendo certidões negativas de antecedentes criminais, o interessado não deve ter sido condenado com trânsito em julgado nem estar sujeito a medidas protetivas, como aquelas relacionadas à violência doméstica (que exigem manutenção de distância da vítima).
O texto também foi aprovado de modo simbólico com voto favorável do PT, que considerou o relatório final menos agressivo do que a versão aprovada na Comissão de Segurança Pública. Por outro lado, não há compromisso de sanção presidencial.
Votaram de forma contrária o PSOL e o PSB. “Apesar das mudanças, que traduzem um esforço para conciliação do Plenário, nós consideramos que essas flexibilizações vêm sempre no sentido de ampliar a mobilidade de armas na sociedade”, argumentou a deputada Lídice da Mata (PSB-BA). O texto retornará ao Senado para a análise final.
Câmara aprova castração química de pessoas condenadas por estupro
Um outro exemplo de atuação da Bancada da Bala para o recrudescimento da lei penal e redução no controle de armas, e que teve aprovação na Câmara dos Deputados, foi a castração química para pessoas condenadas por estupro de vulnerável e outros crimes relacionados à pedofilia, inserida de última hora no Projeto de Lei 2976/2020.
O texto original previa a elaboração de um cadastro de pessoas condenadas aos crimes relacionados à prática de pedofilia, listados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), implementando um sistema semelhante à lista nacional de agressores sexuais, adotada nos Estados Unidos.
Entretanto, pouco antes da votação, o deputado Ricardo Salles (Novo-SP) incluiu uma emenda para que as condenações também resultassem na obrigatoriedade da castração química, a ser realizada utilizando inibidores de libido.
A mudança repentina criou atrito entre deputados e foram aprovados dois mecanismos distintos: o cadastro de pedófilos foi aprovado de forma unânime, enquanto que a castração química passou, mas com orientação contrária do governo, PSB e Federação PSOL-Rede. A relatora do PL 2976/2000 foi a deputada Delegada Katarina (PSD-SE). O parecer dela foi pela rejeição da emenda porque não fez parte do acordo constituído no plenário. Ainda assim, a inclusão foi aprovada por 267 parlamentares. Outros 85 se posicionaram contrários ao texto e 14 se abstiveram. A matéria foi para o Senado.
Especialista no assunto, Nathalie Drumond, do Instituto Sou da Paz, alerta que “pesquisas e dados mostram que o endurecimento das punições raramente inibe a prática de crimes. O combate efetivo ao abuso sexual de crianças e adolescentes passa pela prevenção, com a criação de redes de proteção à infância, acesso à informação e educação para conscientizar crianças, adolescentes e famílias sobre assédio e abuso sexual”, apontou.
Na tribuna, a deputada Lídice da Mata disse que a castração química não vai contribuir para a proteção de crianças e adolescentes, uma vez que os pedófilos podem utilizar de outros meios, inclusive virtuais para praticar violência sexual contra crianças e adolescentes.
“O estupro hoje se dá de diversas maneiras. Há estupro até virtual. Portanto, resolver a questão peniana, como alguns dizem aqui, não resolve a cabeça do estuprador ou a sua capacidade de ferir uma criança. Quando, no entanto, uma criança é estuprada e fica grávida do estuprador, a maioria deles defende que a criança seja obrigada a ser mãe”, disse a deputada se referindo à tentativa de parlamentares de votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/2012, que proíbe o aborto legal no Brasil.
A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) também ocupou a tribuna e classificou a medida como uma farsa, hipocrisia e populismo penal. “A política pública precisa resolver concretamente o problema da violência sexual contra crianças que é uma epidemia, um drama no Brasil. Isso passa primeiro por prevenção”, disse. Ela afirmou que “primeiro é preciso impedir que as meninas e crianças sejam estupradas, com educação sexual nas escolas, prevenção, campanhas e, depois, a responsabilização do agressor. O estupro, a violência sexual tem relação com o poder e não adianta castrar um homem porque ele vai seguir sendo um agressor, violentando essas crianças de outra forma. O que está acontecendo aqui é uma farsa”, criticou a deputada.
DEPUTADOS FEDERAIS POR SERGIPE QUE PARTICIPARAM DA VOTAÇÃO
Senado rejeita emenda que poderia aumentar impostos de armas e munição
No Senado, dos três senadores por Sergipe, apenas o senador Alessandro Vieira (MDB) votou contra uma emenda à reforma tributária que inseria as armas de fogo e as munições no rol dos itens do Imposto Seletivo, que será utilizado no novo sistema para produtos que possam apresentar risco de dano à saúde coletiva e/ou ao meio ambiente. Na prática, se a emenda fosse aprovada, armas e munições poderiam ter impostos mais altos.
O senador Rogério Carvalho (PT) votou em favor da emenda e Laércio Oliveira (PP) faltou à votação. Ao todo, foram 33 votos a favor, 32 contra e 14 abstenções. Seriam necessários 41 favoráveis para a incorporação.
A emenda recebeu orientação favorável do PT, PSB, PDT, MDB e PSD. Do outro lado, PP, União, PL e Republicanos votaram contra, e receberam o apoio do senador Alessandro Vieira, que solicitou ao seu partido que fosse liberado de acompanhar a orientação da bancada.
Para a Mangue Jornalismo, o senador Alessandro Vieira disse que “não se trata de imposto maior ou menor para armas e munições. A votação foi sobre incidência do Imposto Seletivo sobre estes produtos, o que entendo ser tecnicamente inadequado”.
Com relação a armas e munições, o senador afirmou que sua posição “é clara e pública desde 2019. Entendo a posse ou porte como direito individual de qualquer cidadão que preencha os requisitos legais, os quais devem ser duros e amplamente fiscalizados. No mesmo sentido, sempre tenho o cuidado de esclarecer que este direito individual não corresponde a nenhuma política de Segurança Pública, que é dever do estado através de profissionais bem treinados”.
Com informações:
Congresso em foco, Agência Câmara dos Deputados e Agência Senado