OSNAR GOMES DOS SANTOS, especial para Mangue Jornalismo
(osnar.gomes@hotmail.com)

A equipe missionária diocesana foi escalada para um histórico conflito de posseiros pobres do município de Pacatuba. Um chamado na madrugada alertou o bispo de Propriá sobre a situação de abandono dos agricultores da fazenda Santana dos Frades.
Em nome da opção pelos pobres, a diocese agiu para responder aos apelos que vinham de um punhado de trabalhadores rurais do litoral sergipano. Processos criminais, cenas de violência e até prisões antes de missa enredaram o envolvimento da diocese na história.
Avolumou-se a projeção internacional dos conflitos na região e dos reflexos religiosos nas lutas sociais em Sergipe. A BBC de Londres e redes de televisão alemã e francesa documentaram com planos gerais e detalhes os episódios de resistência em Sergipe.
O vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, foi alertado por lideranças políticas nacionais sobre os impasses no município de Pacatuba. Esquivel recebeu uma carta do poeta Pedro Tierra sobre a situação dos “menores que padecem”.
Em meio à luta, as comunidades de base ensinaram aos posseiros a história do seu povo. Poetas populares, muitos deles recém-alfabetizados, narraram a luta e a resistência com cânticos e poemas.
A alta hierarquia diocesana abriu espaço para que os cantores populares das CEBs traduzissem a seu modo cartas pastorais do bispo. Os boletins Encontro com as Comunidades ilustraram com gravuras as tramas. E foram acusados de “doutrinação marxista” por informantes da ditadura.
Uma unidade na ação marcou a atividade pastoral diocesana nos anos 1980. Em Santana, a diocese aprimorou o seu envolvimento nas lutas sociais e consolidou a sua conversão ao cristianismo da libertação.
Evidente que isso resultou em novas reações. A estrutura de roteiro típica de uma história de cerco não desapareceu: divisões entre trabalhadores, desconfiança generalizada, atmosfera de tensão e medo.
Foram lançadas operações que visaram desacreditar o clero envolvido e, até mesmo, cenas que quase provocaram desastres fatais. A espionagem continuou avassaladora, reforçando a onda de suspeição contra a diocese.
Este artigo tem o objetivo tratar de modo detalhado alguns destes episódios inéditos do cristianismo da libertação na Diocese de Propriá.
A luta dos posseiros em Santana dos Frades
Disse o bispo dom José Brandão de Castro:
Certa noite, bateram na porta de minha casa, lá pela 1h da madrugada. Assustado, perguntei: “- Quem é? O que vocês querem?” “- Temos que falar agora com o senhor”, responderam. Abri a porta e entrou um grupo de lavradores que me contaram [sic] que a terra deles estava sendo grilada. Foi o caso Santana dos Frades que começou com uma chamada à 1h da madrugada.[1]
Santana dos Frades é um povoado que fica no município de Pacatuba. Os moradores assim se identificam: “Somos uma raça negra que pega o nome de índio. Nós somos caboclos. Tudo de uma cor só. Estando sem camisa dentro de uma lagoa […], olhando para um, olhou para todos”.[2]
A assim chamada fazenda Santana tinha a posse dos frades carmelitas. Desde fins do século XIX, animais foram criados, casas construídas e foram plantados coqueiros, bananeiras e mangueiras.[3] Em 1911, os carmelitas negociaram as terras. Porém, não negociou a parte dos moradores que já tinham as suas plantações.
O que sobrou foi vendido para o comendador Manoel Gonçalves. Por 30 mil réis, o coronel se apossou das terras. Aos poucos, foi se apropriando de tudo, incluindo a parte não negociada.[4]
Segundo os testemunhos dos mais velhos: “O Coronel tomou conta [de tudo]. Nós ficamos nas unhas dele. Com ele, começou a história de arrendamento”.
Primeiro, as famílias de Santana tiveram que pagar renda. Depois, veio o eito. Conforme apontou o relato de um morador sobre o eito: “Todo mundo tinha que dar um dia por semana para a fazenda. Um dia todo para fazer o que a fazenda mandasse. Tudo de graça!”[5] Ao longo dos anos, houve um histórico de reações desses moradores contra os abusos.

Outra mudança do poderio das terras de Santana veio no ano de 1979 com o retalhamento do latifúndio.
De acordo com o sociólogo Rosemiro Magno da Silva, naquele ano, foi vendida uma fatia com 6.060 hectares à Superintendência da Agricultura e Produção (SUDAP), a fim de transformar a terra em projeto de colonização, com base na política de desenvolvimento rural integrado do Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste (Polonordeste).[6]
Agora, um detalhe importante observado na pesquisa de Magno:
Quando os técnicos da POLONORDESTE foram examinar a propriedade para comprá-la, recusaram-se a negociar a parte referente à fazenda Santana, pois perceberam que aquela área era suscetível a conflitos pela posse de terra, posto que constataram a existência de várias famílias de posseiros residindo na propriedade.[7]
Diferente dos técnicos da Polonordeste, um dos diretores da Seragro Serigy disse publicamente que comprava a terra e a briga.[8]
De acordo com Rosemiro: “No mesmo ano, a SERAGRO SERIGY […] comprou […] um pedaço com 4.991,25 ha […] desmembrado da área da fazenda […] Santana dos Frades”.[9] Foi firmado o seguinte acordo na escritura de venda da gleba comprada pela Seragro:
[…] estarão sob sua responsabilidade quaisquer indenizações que vier a ser pretendida pelos trabalhadores existentes e que tenham sido por ela contratados e devidamente fichados, e que responderá por qualquer direito real que por ventura qualquer pessoa venha requerer sobre a área vendida, com exceção dos atuais moradores que ali residem, cujas ações, reivindicações e pretensões por ventura existentes ou que venham existir serão dirimidas a cargo sob a responsabilidade exclusiva da compradora SERAGRO SERIGY AGROINDUSTRIAL LTDA.[10]
As mensagens apontam claramente que aquela área inspirava cuidados, em razão do seu histórico de conflitos.
Pouco antes da venda, o conhecido doutor Roberto Peixoto, parente de Manoel Gonçalves, cercou as terras de Santana dos Frades e soltou o gado na roça. Na madrugada, os posseiros de Santana foram pedir ajuda ao bispo de Propriá, que os orientou a procurar à Fetase. Uma nova reação começou a ser operada.
A atmosfera tensa em Santana dos Frades remontava os séculos e era produto de uma sucessão de lutas pela terra apropriada, contra o arrendamento e contra o eito. Esse clima de tensão permanente dava deixas do que estava por vir.
Com o cerco montado por Roberto Peixoto, os trabalhadores de Santana resolveram unir forças para reagir. Sete trabalhadores rurais foram a Aracaju procurar o Ministério do Trabalho.
Ao regressar da viagem, os trabalhadores relataram ter sofrido pressão de um administrador da fazenda chamado João Fortaleza. Mas não se intimidaram. Voltaram a Aracaju e, depois de muitas negativas, receberam finalmente uma mensagem positiva.
Ouviram um conselho do Delegado Regional do Trabalho: procurem o bispo de Propriá.[11] Foi assim que os sete posseiros bateram na porta da Igreja.
Das 300 famílias residentes, apenas sete quiseram entrar no conflito pelas terras. Com o tempo, o número saltou para 93. Segundo relato de um posseiro, o povo foi se animando quando a diocese e a Fetase tomaram conta do caso.
Disse um posseiro: “foram vendo que a cerca não era para o bem da pobreza, mas para o bem do gado do doutor.”[12] Não tardou para o pessoal de Santana ser proibido de plantar coqueiros.
Diante disso, vender cocos, a principal fonte de renda de muitos, virou crime. A Seragro assumiu todo o processo judicial após comprar a propriedade. Disse um posseiro ao saber da venda das terras para a empresa: “O Dr. Roberto vendeu a fazenda à [Seragro] Serigy […]. Disse que a Seragro comprou a fazenda, a questão e tudo […]. O doutor […] não cumpriu a lei. Ele bem sabia que pelo direito era oferecer primeiro a nós”.[13]
As 93 famílias resistiram acampando nas matas. Depois de alguns dias, resolveram continuar a trabalhar na tiragem de cocos para venda. As forças policiais, então, foram chamadas para reprimi-los.
A juíza de Neópolis, Gicélia Torres, autorizou a repressão policial. Com duas metralhadoras nas mãos, oito fuzis, dois rifles e treze revólveres calibre trinta e oito, as forças policiais vieram prontas para pôr fim à ousadia dos posseiros.[14]
Contudo, encontraram a união dos trabalhadores que se recusaram a assinar as documentações judiciais que os impediriam de trabalhar por lá.
A Seragro preparou um processo contra compradores, vendedores e transportadores de cocos dos posseiros.[15] O padre Miguel Derideau e o agente de pastoral Fábio Alves dos Santos, que davam apoio aos posseiros, foram processados.[16]
A equipe missionária em Santana dos Frades
Os membros da equipe missionária revezavam suas idas à fazenda. Novamente, acompanharam in loco um conflito de terras no Estado. O bispo comentou sobre o envolvimento da Igreja nessas questões:
A Igreja entra nesses conflitos consciente de que […] está cumprindo a sua missão, de ir […] em apoio daqueles que estão precisando de […] auxílio e de ajuda. A Igreja não tem como objetivo fazer reforma agrária, nem mesmo entrar em conflitos; mas ela toma parte nesses conflitos muitas vezes e ultimamente essa participação tem sido muito grande, devido a sua filosofia segundo a qual […], a terra foi feita para todos […].[17]
A equipe missionária tomava a iniciativa de se envolver em Santana. Contaram com o apoio do bispo, que, notadamente, reforçava a ruptura com a antiga postura paternalista.
Numa entrevista, o bispo disse que, especialmente depois da fundação da CPT, passou-se a acreditar sinceramente que o autor principal da questão agrária há de ser o homem do campo. O bispo acreditava que uma crença contrária a essa levaria a sua diocese a percorrer, novamente, o caminho do paternalismo.[18]
É nisso que reside o cerne do cristianismo da libertação: o pobre deixa de ser objeto da caridade religiosa e passa a ser entendido como sujeito da sua própria libertação.
Nota-se que a linha político-eclesial diocesana procurou fazer da instituição uma aliada das classes subalternas em suas lutas, recusando a tradicional posição intermediária.
A participação da diocese em Santana chamou a atenção de muitos. Nesse início dos anos 1980, as oposições à diocese se solidificaram. Contudo, o apoio vindo de diversos setores sociais e políticos também ganhou mais solidez.
No meio dos novos conflitos, a diocese resolveu convocar uma missa de desagravo ao bispo e à sua equipe missionária, em decorrência das perseguições que se multiplicavam.

Correria, desmaios, prisões e espancamento antecederam missa de desagravo
Abaixo, notas na imprensa sobre a missa de desagravo realizada em Propriá:
A Coordenação Diocesana de Pastoral, em face dos últimos atentados verificados contra esta Diocese, convocou os cristãos para uma Missa de Irmandade, no dia 17 de agosto de 1980, festa da Assunção de Nossa Senhora.[19]
Foi uma bonança!… Mas nem queiram imaginar. Essa bonança foi precedida de uma terrível tempestade.[20]
No domingo, dia 17, por ordem do governador Augusto Franco, 100 policiais, armados de metralhadoras, sitiaram Propriá para barrar uma procissão de 5000 trabalhadores rurais que caminhavam para a missa de desagravo a dom José.[21]
O clima da cidade era de guerra e, quem não soubesse o que estaria acontecendo, pensaria que Propriá havia sido invadida por terríveis inimigos da Pátria […]. Jamais poderia imaginar que se tratava de uma concentração religiosa, de velhos, senhoras e crianças humildes que iriam a uma missa prestar solidariedade a um membro da Igreja.[22]
Uma missa foi marcada para o domingo de 17 de agosto de 1980, na cidade de Propriá. Não era uma missa qualquer. Nem poderia ser. A coordenação diocesana de pastoral sabia disso. A missa era um ato de desagravo ao bispo dom José Brandão de Castro e à sua equipe missionária.
Todos eles, o bispo e sua equipe missionária, ameaçados em suas funções pelas oligarquias da região e sistematicamente monitorados pela comunidade de informações da ditadura. Já havia alguns anos que uma missa celebrada nos espaços da diocese não era apenas uma missa. Era o ônus a ser pago pela mudança radical em sua linha político-eclesial.
À época da missa, a diocese conglomerava 25 municípios, totalizando 230 mil habitantes.[23] Naquele momento, a instituição se tornou uma denunciante-mor dos megaprojetos modernizantes postos em prática nos mais variados municípios espalhados pelo território diocesano. Por isso, fez inimizades marcantes com empresas governamentais e com os seus entusiastas.
Entre um e dois meses antes da missa do dia 17, a diocese de Propriá lançou uma nota pública que descrevia algumas das muitas violências sofridas pelo bispo e por sacerdotes da instituição.
O texto ganhou as páginas dos jornais, inclusive da imprensa de âmbito nacional.[24] Segundo o exposto na nota, os sucessivos atos de violência contavam com a participação de prefeitos, políticos, latifundiários, oficiais de justiça, polícia e juízes de direito.
Um dos juízes citados foi o conhecido Francisco de Mello Novais. Juiz da Comarca de Porto da Folha. A sua influência política e o estilo autoritário lhe garantiram o apelido de “rei do sertão”. A diocese mantinha uma relação de animosidade com Francisco Novais desde o ano de 1978, quando o acusaram de tentar agredir, junto com Élcio Britto, o padre Nestor Mathieu.
A diocese também denunciou em diversas ocasiões dois policiais civis conhecidos como Saia Justa e Tatuzinho. Eles foram acusados de se comportar como capangas da Coco Serigy e de responder por diversos crimes na Justiça. O nome verdadeiro de Saia Justa era Walter Lopes. Foi morto numa troca de tiros contra um elemento foragido da Justiça, no famoso episódio do Hotel Casarão, ano de 1984, na cidade de Aracaju.
A falta de providências das autoridades para efetivar a punição dos autores dos atos de violência foi denunciada pela diocese.[25] A diocese denunciou cada caso e, também, deu a eles visibilidade nacional. Os tempos de bom comportamento tinham se encerrado. A missa de desagravo expôs as inúmeras perseguições.
Segundo o padre Isaías do Nascimento, uma missa de desagravo é uma “celebração eucarística em ação de graças a Deus, pelo dom da vida, em repúdio e pela conversão de uma pessoa, ou de várias, que causaram danos a um ato, objeto, ou pessoa sagrados”.[26]
Essa era a segunda missa de desagravo organizada pela diocese de Propriá.[27] A missa de desagravo foi um meio capaz de amplificar as denúncias sobre os recentes acontecimentos que ameaçavam o pastoreio do bispo de Propriá e dos missionários espalhados pelos 25 municípios acoplados à diocese.
Segundo um informe da coordenação de pastoral, a divulgação da missa foi ampla e uma procissão pela tarde foi acertada para antes da celebração.
Os celebrantes vinham das mais variadas regionais da Igreja Católica no país. Eram eles bispos, frades e padres. Nomes de peso do catolicismo progressista nacional.
Os bispos presentes eram: dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, dom Edmilson Cruz, bispo auxiliar de Fortaleza[28], dom Francisco Austregésilo, bispo de Afogados de Ingazeira[29], dom Tiago Postma, bispo de Garanhuns, dom Antônio Fragoso, bispo de Crateús, e dom José Maria Pires, arcebispo de João Pessoa.[30]
Além dos bispos, participaram como celebrantes o padre Virgílio Uchoa, subsecretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), padre Francisco, representando a diocese de Goiás, frei Marcelino Cantalice, frei Juvenal e frei Bonfim, franciscanos da Província do Nordeste, e o padre Cícero, da diocese de Estância.
No início da tarde, caminhões com lavradores, trabalhadores rurais carregando faixas, carros lotados de lideranças populares e animadores das centenas de comunidades de base espalhadas pelo Nordeste foram chegando.
Porém, um pomposo esquema de segurança montado pela polícia os aguardava. Por volta das três da tarde, a polícia militar procurou fechar todas as entradas da cidade, alegando que fazia uma “operação de rotina” do Departamento de Trânsito de Sergipe (Detran), que enviava soldados às cidades do interior para “fiscalizar motoristas e apreender veículos irregulares”.[31]
Não foi o que se viu. Só veículos que se dirigiam à concentração religiosa passaram pelo crivo rígido da fiscalização.[32]
Segundo uma matéria detalhada, publicada pelo Jornal de Sergipe, a polícia militar enviou “cinco Volkswagen, três camburões e um ônibus especial, cheio de policiais”.[33]
Chegavam armados com metralhadoras, revólveres e cassetetes. Faziam crer que os verdadeiros objetivos da “operação de rotina” eram o de dificultar a chegada dos fiéis, enfraquecer a procissão e arruinar a missa.
Instaurava-se uma situação absurda: as forças coercitivas do Estado foram mobilizadas para uma ação beligerante que começava numa procissão e se encerrava numa missa!
A primeira ofensiva foi a de intimidar, nas entradas da cidade, as pessoas que chegavam para a celebração, ainda pela tarde.
Mas a segunda ofensiva não ficou apenas na intimidação. Na descrição de relatório do Secretariado de Pastoral: “À moda de sequestro, com armas em punho, a polícia prendeu cinco posseiros […] que foram levados para a cadeia local”.[34]
Eram os posseiros de Santana que estavam sendo presos. Considerados “ladrões de cocos” pela Justiça. Presos porque a Seragro agia para impedir a comercialização dos cocos que, segundo ela, eram seus.
A juíza de Direito de Neópolis, Gicélia Torres, entendeu a questão da mesma forma que a Seragro.[35] Chamou a atenção de alguns o fato de os mandados de prisão terem se efetuado justamente no dia da missa de desagravo, em plena cidade de Propriá.
O Secretário de Segurança Pública, Pedro Barreto de Andrade, justificou da seguinte forma: “para se prender ladrões não existe dia nem hora”.[36]
Enquanto os pequenos agricultores de Santana eram detidos, carros com romeiros eram presos em entradas da cidade. Gente de todos os cantos – vinda de Porto da Folha, Brejo Grande, São Miguel, Cacimbas – era paralisada pela operação das forças policiais.
As ordens expedidas pela justiça eram levadas a cabo de modo implacável. O pânico começava a se instaurar. A prisão de um dos líderes de Santana, Clodoaldo Santos, provocou o terror dos que esperavam pela missa.
A cena era tétrica. Algemado, uma arma apontada na cabeça, pressionado a entrar no Fiat do delegado Clécio Lins Batista. A trilha sonora da cena era distorcida pelo choro de seu filho, que assistia à socialização de socos e pontapés contra o seu pai.
O menino implorava, sem efeito, para os policiais o soltarem.[37] Sua camisa de botões acolhia as lágrimas. Clodoaldo assistia ao sofrimento da família. Parecia ser o destino de um jovem e pobre agricultor de 28 anos que resolveu liderar uma disputa de terras.

Entre solavancos, um teimoso jornalista perguntou a Clodoaldo o motivo de estar sendo levado à prisão. A resposta elucida a surpresa do mesmo diante do fato: “Sei não! Vim para a missa de Dom José e este pessoal me colocou no carro com essas algemas”.[38]

As cenas da prisão eram grosseiras. Nem todos conseguiram assisti-las incólumes. Foi assim com a mãe de Clodoaldo, a dona Geraldina. Ao presenciar a prisão do seu filho, desmaiou nos braços do marido.[39]

Tão ávidos estavam os policiais para cumprir as ordens vindas da toga de Gicélia Torres que acabaram prendendo por engano até agricultores de Santana que não constavam na lista de prisão. O pânico se instaurava.

Correria nas ruas de Propriá e carros barrados. Não tardou para que forças políticas da oposição, convidadas para a celebração, usassem dos seus atributos legais, a fim de acalmar os ânimos e pressionar as autoridades policiais a rever sua ação.
Parecia algo sensato a se fazer. Mas não passou de uma infeliz ingenuidade. Quem pagou caro por ela foi o novo deputado estadual do PMDB, com 17 dias de mandato na Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), Nelson Araújo dos Santos.
Em sua tentativa desesperada de intervir para que fosse liberada uma das principais entradas de Propriá, Nelson Araújo teve uma trágica lição. Apanhou na frente de todos. Sem clemência, deixando atônitos aqueles que presenciavam a bestialidade do ato.
Não era apenas a desmoralização de um deputado. Era a desmoralização de todo o legislativo sergipano, disse um parlamentar.[40] A imunidade parlamentar de que gozava estava sendo esmurrada pelas mãos de policiais e sargentos.
Para estes, entretanto, parecia não bastar os socos e pontapés. A humilhação precisava ser maior. Algemaram Nelson na porta de uma viatura. Ainda apanhando, mesmo algemado e amarrado.
Uma prática tão comum de violência policial dirigida contra os subalternos era agora conhecida cruamente por um deputado. Tratava-se de mais um famoso episódio de “generalização da repressão”.
Nelson Araújo a sentiu na pele. Nas palavras de um morador de Santana: “O deputado Nelson Araújo andou caçando um jeito de dar um fim nessas coisas e fez foi apanhar da polícia. Apanhou, coitado, que ficou desconsolado”.[41]
Foi este o destino do deputado naquele dia: espancado e amarrado na porta de um Volkswagen da polícia.

Por pouco outro deputado do PMDB, Jackson Barreto, não passou pela mesma truculência. Um dos momentos foi quando carros “chapa branca” – um Fiat, uma Brasília e um Passat preto – circulavam na Avenida Pedro Abreu Lima para buscar os posseiros de Santana.

Noutro momento, foi no trevo da entrada da cidade. Por lá, Jackson tentava impedir a apreensão de carros, caminhões e ônibus que levavam trabalhadores rurais para a celebração.
Jackson conseguiu salvar faixas de protesto. Algumas delas diziam “Ação Católica de Monte Alegre Unidos na Fé. Trazemos nossa solidariedade a Dom Brandão” e “Com Cristo venceremos com Amor”.[42] Pareciam faixas subversivas?

Porém, a violência não chegou até Jackson da mesma forma com que chegou a Nelson Araújo. Jackson era deputado federal, e não tinha apenas 17 dias de mandato. Era uma figura política conhecida pelas forças policiais.[43]
Mesmo cercado por eles, conseguiu driblá-los, não apenas fazendo uso da sua famosa retórica[44], mas disparando em direção ao carro de um correspondente do Jornal do Brasil, que o tirou dali.[45]
Difícil saber se a quente temperatura de Propriá estava mais baixa que a quentura do temperamento dos policiais. Talvez sim para o comandante da polícia militar, Albuquerque Feijó. Este jogou toda a responsabilidade no incidente aos “desvios de temperamento de alguns policiais”.[46]
Depois de passar por agoniantes trinta minutos preso e amarrado numa viatura policial, acompanhado pelo ritmo frenético das pauladas de cassetetes, Nelson Araújo foi, enfim, libertado.
Foi graças à intervenção de André Lucas, Delegado de Acidentes, que reconheceu o parlamentar.[47] Apesar dos pesares, Nelson e Jackson deram uma importante contribuição para a liberação dos veículos travados numa das entradas da cidade.
Contudo, o mais importante gesto veio dos próprios fiéis que desciam dos seus veículos e se dirigiram à cidade andando; assim mesmo, a pé, de dois a três quilômetros.[48]
Era uma clara demonstração de que havia medo, pânico e horror, mas que nada daquilo impediria a disposição de uma massa de fiéis em selar o seu apoio e prestar a sua solidariedade ao bispo dom José Brandão, à sua aviltada equipe missionária e aos pobres do baixo São Francisco.
Dom Antônio Fragoso, junto do padre Etienne e do frei Enoque, foi até a cidade acolher os que chegavam. Nas ruas, Fragoso gritava: “Corram para a Catedral!”. Dom Brandão e dom Austragésilo, que também era advogado, se dirigiram até a delegacia de polícia para se inteirar sobre a situação dos presos.
Poucas respostas obtiveram. Voltando da cadeia, dom Austragésilo se dirigiu a uma das entradas da cidade para liberar carros, acompanhado do estudante de teologia Manoel Luiz.
Enquanto isso, dom Hélder, dom José Maria Pires, dom Tiago e dom Edmilson Cruz ficaram dentro do Seminário São Geraldo acolhendo quem ia chegando e concedendo entrevista.[49]

O jornalista Diógenes Brayner e o fotógrafo Luiz Carlos registraram a consternação dos bispos convidados para celebrar a missa. Os prelados estavam presos no Seminário tomando conhecimento da onda de terror que varria a cidade. O cancelamento da missa foi cogitado.[50]
Mas, em seguida, tal possibilidade foi rejeitada. Eram milhares de pessoas dispostas a enfrentar os mais diversos obstáculos para a celebração de desagravo. Ir àquela missa ganhava um sentido de resistência.
No início da noite, cerca de cinco mil pessoas se dirigiam ao Seminário e, em seguida, partiam para a procissão. Já eram sete da noite. A escuridão da violência aos poucos cedia lugar ao brilho dos cânticos e das faixas. Algumas delas diziam: “Trabalhadores aprovam o compromisso da Igreja com o povo”, “Povo unido é o braço de Deus”, “Estamos unidos ao nosso pastor”, “A terra pros camponeses e não pros bois”, “Os lavradores sem terra unidos a dom José”, “Coragem Dom José, Coragem Missionários, Coragem Povo de Deus” etc.[51]

Saindo do Seminário São Geraldo em direção à Catedral, carregando faixas e guiados pelas imagens de Nossa Senhora de Fátima, Santo Antônio e São José, os pobres cantavam: “Eu confio em Nosso Senhor. Com fé, esperança e amor”. À frente da procissão, os celebrantes.
O clima parecia mais arejado e iluminado. Porém, a tensão reapareceu quando uma Kombi da firma Preussag, misteriosamente desgovernada, partiu para cima da multidão. Deu a entender que tinha dois alvos: dom José Brandão e dom Hélder Câmara.[52]
O desfecho da ação só não foi trágico graças aos alardes de dom Austragésilo. Colocou-se na frente da Kombi, fez um sonoro estardalhaço, gritando: “Você é louco? Você é louco?”[53]
Passado o susto, a procissão continuou. A saga até chegar à Catedral se encerrou depois de tantos atos sinistros. A diocese de Propriá sentia, mais uma vez, o peso das consequências do que entendia ser a sua missão.
A missa estava pronta para ser celebrada na catedral de Propriá. A partir daí, tudo correu sem maiores gravidades.
Dias depois do episódio, o deputado José Carlos Teixeira trouxe de Brasília a seguinte informação: para o Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, as divergências entre a diocese e o governo era um dos mais graves e únicos casos de conflito entre Igreja e Governo no momento.[54]

O encontro entre a BBC de Londres e a diocese de Propriá
Os conflitos sociais no baixo São Francisco ganharam projeção internacional. Primeiro foi um programa de televisão da Alemanha que destacou, em cadeia nacional, a situação social da região do baixo São Francisco. Em seguida, foi uma emissora francesa a realizar um trabalho sobre a luta dos índios Xocó.[55]
Um relatório confidencial do Serviço Nacional de Informações (SNI) comentou sobre o trabalho francês. Segundo o relatório, a emissora francesa fez um filme intitulado “Terra dos Xocós”.
No que tange o filme, o órgão de espionagem defendeu que este causou grande repercussão entre a população local, especialmente da cidade de Propriá, e que seria reprisado por toda a região.
Os informantes argumentaram que frei Enoque o exibia na casa paroquial. Além disso, o relatório do SNI defendeu que o filme mostrava aberrações cometidas pela família Britto contra os índios.
O SNI pontuou que o prefeito de Propriá, Antônio Britto, solicitou ao Departamento de Polícia Federal a apreensão do mesmo, pela falta de certificado da Divisão de Censura e Diversões Públicas. Por isso, o prefeito classificava o filme como clandestino e “um abuso e desrespeito às famílias tradicionais da Região”.[56]
Depois dos trabalhos da televisão alemã e francesa, as lutas no norte de Sergipe chamaram a atenção de um programa de televisão britânico.Tratava-se de Everyman, uma conhecida série de documentários, de trinta e cinco minutos, produzida pelo Departamento de Assuntos Religiosos da BBC de Londres.
A série era conhecida por produzir documentários em diversas partes do mundo. Foi a única unidade de filmagem ocidental a captar a reação de júbilo do papa João Paulo II em sua diocese na Cracóvia.
Everyman também gozava de prestígio internacional. Algo reconhecido pela própria comunidade de informações da ditadura, que procurou apurar a passagem da BBC no Brasil.[57] A equipe vinda do estrangeiro chegou a Sergipe em setembro de 1980.
Agentes de Polícia Federal, a mando do SNI, procuraram obter informações sobre as finalidades da equipe da BBC no Brasil. Receberam respostas do produtor do documentário Colin Camaron e da pesquisadora e jornalista Patrícia Frances Steeples.
O objetivo, segundo informaram aos agentes, era o de “pesquisar as condições sociais e religiosas do povo brasileiro, para uma futura filmagem, em 16 mm, nas regiões escolhidas, para a BBC-Televisão”.[58]
Vale lembrar que um folheto da Everyman também destacou que a visita do papa ao Brasil seria um ótimo ensejo para a realização do documentário sobre a situação social e religiosa no país.
Além da diocese de Propriá, o folheto da BBC informou que seriam realizadas filmagens também na arquidiocese de São Paulo e de João Pessoa. Porém, acabou que a centralidade das filmagens ficou mesmo em Sergipe.
Ao chegar a Propriá, em setembro de 1980, a equipe da BBC entrevistou dom Brandão. Acompanhada do bispo, a equipe foi a Pacatuba para conhecer a fazenda Santana dos Frades. Chegando lá, entrevistou moradores locais e realizou as primeiras filmagens.
A equipe da BBC procurou levantar depoimentos das múltiplas partes envolvidas no conflito em Santana. Por isso, entrevistou o superintendente da Polícia Civil, o coronel João Barreto Mota, e o gerente da fazenda, José Augusto dos Santos.
Acompanhados de Barreto Mota, os jornalistas conseguiram entrevistar os posseiros presos na missa de desagravo.[59] Esse fato chamou a atenção da Divisão de Segurança e Informações do Ministério de Relações Exteriores (DSI/MRE).
Os agentes de informação do órgão citado comentaram: “Impressionou favoravelmente o fato de a equipe […] ter sido autorizada a conversar livremente com os presos e deles colher palavras de protesto sem intervenção de autoridade policial”.[60]
A Polícia Federal sempre esteve atenta à presença da equipe de jornalistas e intérpretes da BBC no baixo São Francisco. Numa troca de informações entre duas agências do SNI, afirmou-se que a divisão da Polícia Federal de Sergipe, ao tomar conhecimento da presença da BBC no Estado, entrou em contato com o seu escalão superior, em Brasília, “recebendo instruções específicas para o caso”.[61]
Em seguida, foi dito que quatro agentes e um delegado ficariam com a função de estabelecer contato com os estrangeiros em Propriá. Após uma conversação informal com os jornalistas, os agentes perceberam que tudo estava em ordem.
Só restava a autorização do Ministério de Relações Exteriores (MRE) para a realização das filmagens anunciadas. Algo que veio a acontecer em seguida.[62] Porém, pode-se questionar a versão dos agentes que diz ter sido tranquilo o diálogo com os jornalistas.
Outro documento confidencial do DSI/MRE frisou que Colin Camaron, o produtor do documentário, informou à divisão do MRE dos constrangimentos de que foi vítima, em Sergipe, na noite do dia 05 e na madrugada do dia 06, em razão de dois policiais à paisana que se identificaram como representantes do Departamento de Polícia Federal do Estado.
O documento afirma que o jornalista deixou transparecer estar bastante temeroso de prosseguir os seus trabalhos naquele local.[63]

Equipe da BBC presenciou armadilha contra o clero em Santana dos Frades
Apesar dos temores, as filmagens da BBC continuaram. Não tardou para acontecer um grave incidente, denunciado pela diocese como um atentado contra a vida do bispo. O incidente ocorreu no dia 14 de setembro. Uma nota da Fetase foi divulgada publicamente. Sobre o ocorrido, foi dito que:
Logo depois da passagem dos carros que transportavam o bispo e a equipe da BBC [sete jornalistas e dois intérpretes], cinco elementos do povoado Fazenda Nova, todos eles ligados a Serigy, obstruíram um bueiro da estrada pública. O trabalho foi feito de tal maneira que um motorista não advertido previamente sofreria um acidente de proporções imprevisíveis.
O bispo e os jornalistas, porém, não foram vítimas da ação criminosa, porque moradores da Fazenda Nova os alertaram para o perigo.
Soube-se também que os autores de tal ação haviam participado, no dia anterior, de uma reunião com o Sr. José Augusto dos Santos, Diretor-Técnico da Serigy, no povoado Fazenda Nova, onde se tratou das represálias a serem tomadas contra os posseiros de Santana dos Frades.[64]
Um dos elementos da fazenda Nova admitiu ser um dos autores da escavação do bueiro. O intuito da cilada era o de provar que os padres estavam levando coco em carros pequenos. Sobre o ocorrido, o produtor da BBC disse ter realmente ficado com medo quando foi avisado que uma armadilha os aguardava.
Comentou o jornalista: “Olha, realmente foi lamentável este último acontecimento. No meu modo de pensar este ‘atentado’ foi uma demonstração de raiva do povo da fazenda [Nova] ao Dom Brandão […]”.[65]
Por sua vez, na apuração da Secretaria de Segurança Pública e Serviço Estadual de Informações de Sergipe, o que ocorreu foi o seguinte:
[…] os moradores do povoado “Fazenda Nova”, com a finalidade de evitar que os posseiros da fazenda “Santana dos Frades” transportassem ilegalmente os cocos daquela fazenda, danificaram um bueiro que dava acesso de passagem à população existente entre a fazenda e o referido povoado. Não sabendo do ocorrido, o Bispo de Propriá, juntamente com os Jornalistas da BBC de Londres que o acompanhavam, ignorando o risco, ao se aproximarem do bueiro obstruído, presumiram que haviam tramado um acidente contra a pessoa do Bispo e demais acompanhantes, só vindo a perceber do mal entendido dias depois, após manter contato com moradores da Fazenda Nova, que esclareceram o fato, vindo a ter conhecimento que realmente ninguém tramava um atentado contra sua vida e demais Jornalistas. No mesmo dia, o referido Bispo juntamente com seus acompanhantes foram [sic] vistos no local onde presumiram haver sofrido um atentado […].[66]
Portanto, aquele setor de segurança concluiu não ter havido atentado contra o bispo.
De todo modo, o acidente seria inevitável se não fossem os avisos de alguns dos moradores da fazenda Nova que não concordaram com a escavação maldosa do bueiro.
A fazenda Nova era vizinha da fazenda Santana. A maioria dos seus moradores se opunha à luta dos posseiros de Santana.
Fica a pergunta: o que motivava trabalhadores rurais da Fazenda Nova, tão pobres quanto os da fazenda Santana, terem tamanha ojeriza ao clero de Propriá e à luta empreendida pelos posseiros de Santana? São muitas as hipóteses.
A empresa Serigy soube bem manter a divisão entre os trabalhadores rurais de Pacatuba. Parecia operar em torno da velha estratégia do “dividir para conquistar”. Tinha o apoio da Justiça, que construía a imagem de que os trabalhadores de Santana eram “ladrões de coco”.
A empresa agroindustrial organizou os pequenos agricultores que não eram receptivos à ideia de lutar pela posse das terras de Santana. Além disso, promoveu reuniões a fim de exortá-los contra padres, agentes de pastoral da diocese de Propriá e o que chamavam de “minoria insatisfeita”, formada pelos agricultores que reclamavam a posse daquelas terras.[67]
Como demonstrou a pesquisa de Rosemiro, a empresa também ofereceu vantagens aos que recusavam apoiar os posseiros de Santana.[68]
Porém, a notável influência do poder econômico na questão não parece explicar por completo a formação de um bloco unificado de pequenos agricultores, apelidados de “contras”, que deixavam claro o seu alinhamento com o antigo proprietário das terras.
Entoavam: “Viva o Dr. Roberto, ele foi nosso Pai”.[69] É preciso considerar que, entre esses moradores, existia a crença de que a luta pelas terras de Santana era uma injustiça contra Roberto Peixoto, o antigo proprietário.
Ademais, gozando de algumas regalias, os moradores da fazenda Nova argumentavam que os posseiros de Santana, orientados por padres, os impediam de trabalhar e transitar pela fazenda.[70]
A estranheza e ojeriza contra o clero era reforçada por aparelhos midiáticos da região, que fabricavam uma imagem negativa dos missionários diocesanos. Estes foram chamados de “parasitas”, “anarquistas”, “agentes da miséria”; descritos como “padres cabeludos, sem batina, usando óculos ray-ban e calças Lee”.[71] Essa confluência de fatores consolidou por muito tempo a divisão na luta pela terra no município de Pacatuba.
Apesar de todos os incidentes, a BBC continuou o seu trabalho de filmagens e produziu um rico documentário que ganhou o título de Coconut Samba (“Samba de Coco”). Foi ao ar em novembro daquele ano de 1980 na televisão britânica.
Ainda em Sergipe, a equipe da BBC também visitou o Alto da Rolinha, com o interesse em apurar a situação dos trabalhadores rurais de Betume e as suas lutas por terra e indenização. Assim que saíram do Estado, os jornalistas pegaram voo em direção a São Paulo, a fim de realizar filmagens sobre a pastoral operária da arquidiocese paulista.[72]
Oposição acusou padres de usar a violência revolucionária em Santana dos Frades
Ocorreram diversos episódios de resistência em Santana dos Frades antes de o governador Augusto Franco reconhecer que os posseiros não eram invasores de terras e autorizar ao INCRA a sua desapropriação.
Havia a denúncia de que membros da equipe missionária diocesana, em muitos daqueles episódios, levavam para os posseiros de Santana armas de fogo, a fim de que a resistência fosse armada.[73] As denúncias procuravam apontar o uso da violência revolucionária como tática empreendida por posseiros e padres.
O vereador emedebista João Alves da Silva, líder do prefeito na Câmara dos Vereadores, chegou a defender que havia infiltrados entre os posseiros, “pessoas treinadas em guerrilha, com o objetivo de insuflar o povo para invasões de terras e outras coisas mais”.
Segundo o jornal Diário de Aracaju, o vereador acusou veementemente os posseiros de “aventureiros e invasores de terras”.[74]
É difícil saber se o vereador acreditava mesmo na existência de uma união sinistra entre posseiros e padres que visava iniciar um processo revolucionário no litoral sergipano.
Diocese de Propriá foi apontada como adepta de um “perigoso” movimento político internacional
Denúncias menos exageradas e melhor trabalhadas acusavam o clero de utilizar outra tática nas lutas sociais: a tática da não-violência. Uma longa matéria da revista Visão chamou a atenção da comunidade de informações.
A matéria advogou que a Igreja Católica, silenciosamente, espalhava pelo país um movimento “pararreligioso”, batizado de “Movimento da Não-Violência”. E que este movimento já estava implantado em doze estados brasileiros. Sergipe era um deles.
O objetivo do movimento seria, dentre outras coisas, o de “mudar as pessoas por um processo de conscientização” e “desobedecer as ordens que podem destruir”.[75]
Internacionalmente, a “grande estrela” do movimento seria o argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do prêmio Nobel da Paz. No Brasil, os bispos dom Hélder, dom Arns e dom José Maria Pires eram alguns dos nomes que apareciam como adeptos do movimento.
Segundo a matéria da revista Visão, o “Movimento da Não-Violência” existia na cidade sergipana de Propriá. O Ministério da Aeronáutica (CISA) e a Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI/MJ) foram dois dos órgãos de inteligência que tomaram nota do assunto.
Novamente, a troca de informações dos serviços de inteligência da ditadura apontava para um suposto perigo vindo da Igreja. Vale lembrar que esse tom alarmista era um produto da Ideologia da Segurança Nacional, pautada pela caça obsessiva do “inimigo interno”.
Importante mencionar que Adolfo Pérez Esquivel, acusado de ser o pai do “Movimento da Não-Violência”, foi informado pelo poeta Pedro Tierra sobre a luta dos posseiros em Santana dos Frades. Segundo relatos, em sua passagem pelo Brasil, Esquivel acompanhou de perto a disputa de terras no litoral sergipano.[76]
Os poetas populares animaram a luta em Santana dos Frades
Os episódios que antecederam à vitória dos posseiros em Santana dos Frades tiveram, de fato, uma forte influência do clero progressista. Em cada novo episódio envolvendo posseiros, os poetas populares das comunidades de base narravam, através de seus versos simples, as histórias que os enredava.
Cânticos populares procuraram conscientizar politicamente. Considerando que muitos daqueles posseiros não eram alfabetizados, as rimas das cantorias os ajudavam a conhecer os seus direitos e a história da comunidade que faziam parte.
Através dos cordéis, charges dos boletins diocesanos e dos cantos populares produzidos pelos poetas das CEBs, os posseiros conseguiam compreender o sentido da sua luta e a certeza de que estavam agindo conforme a lei.
Muitos dos poetas eram trabalhadores rurais recém-alfabetizados.[77] Através dos versos do poeta popular Jorge Pereira Lima, os posseiros de Santana ouviam dizer que “o mundo só será melhor quando o menor que padece acreditar no menor”.[78]
Pelos versos de Luísa de França, poetisa popular, ouviam o Hino à Resistência.Um poema fortemente influenciado pelo estilo de comunicação das CEBs. Hino à Resistência narrou o episódio de luta dos posseiros nas matas da fazenda Santana, dando a essa luta um sentido profético.[79]
Outros poemas e cânticos tiveram a intenção de conscientizar e denunciar iniquidades, a exemplo de títulos como estes: É tempo de votar; Irmão, cadê nossa terra; A chegada do boi; A Cristo Libertador.
Os cânticos e poemas, juntos das gravuras dos cordéis e dos boletins Encontro com as Comunidades, estabeleciam um tipo de comunicação acessível.
Algo que foi compreendido pelos cantores e poetas populares que animavam as CEBs. Prova isso as produções do poeta popular Luiz Caetano. Ele criava “versões populares” de cartas pastorais e outros textos que vinham da alta hierarquia da diocese.

Vale notar que as versões populares não eram traduções mecânicas da cultura da elite da Igreja para as bases. Havia uma “deformação” do conteúdo no processo de tradução e transmissão. Isso quer dizer o seguinte: aquelas “versões populares” tinham uma originalidade.[80]
Muitas vezes, davam um tom mais radical às passagens das cartas pastorais, além de utilizar figuras de linguagem para fugir do hermetismo tão presente na linguagem dos padres e bispos católicos. Não queriam ser apenas uma tradução fidedigna das cartas, mas uma leitura dos subalternos sobre elas.
Foi com essa preocupação, aprendida nas CEBs, que Luiz Caetano traduziu a carta pastoral Nos Caminhos de Puebla.[81] Esta foi uma importante carta pastoral da diocese em sua reafirmação da opção pelos pobres.[82]
Informantes da ditadura acusaram os boletins diocesanos de ter cunho subversivo e de “doutrinação marxista-leninista”
A comunicação diocesana suscitou fortes suspeitas da comunidade de informações. O esforço diocesano em dar espaço às bases da Igreja em seus veículos de informação foi visto com preocupação.
Àquela altura, o boletim Encontro com as Comunidades virou alvo predileto da suspeição. A visão paranoica dos títeres da espionagem admitia que as publicações do boletim tinham mensagens claras e eram acessíveis às camadas populares. Porém, consideraram a série de publicações “de cunho subversivo e de doutrinação marxista-leninista”.[83]
Em razão da abertura política, os órgãos da repressão acharam por bem não censurar nenhuma das publicações, mesmo que admitindo haver nelas uma inspiração subversiva.
Sobre o boletim diocesano, um dos documentos confidenciais chegou a levantar uma hipótese apontada pelos seus próprios autores como aparentemente absurda:
Até então, na Bahia, admitia-se que os comunistas vinham desenvolvendo um processo de infiltração na Igreja. Hoje, somos levados a pensar, embora pareça absurdo, na possibilidade de estar ocorrendo o inverso. A Igreja procura, conscientemente, recrutar na esquerda, militantes capazes de desenvolver, com fanatismo, um “Trabalho pastoral junto à massa”.[84]
O ataque de nervos de Niconor e a coragem de Bernadete e Aparecida
Pouco adiantou a suspeição da ditadura. A diocese continuou estimulando tais publicações. E elas surtiam efeito. Davam sentido às lutas e criavam um clima de união e perseverança, mesmo diante das adversidades. E foram muitas.
Havia uma grande pressão sobre os posseiros em Santana. Nem todos mantiveram firmes a sua sanidade. Um deles, Nicanor, marido da única professora do povoado, sofreu testemunhando derrubadas de coqueiros, bananeiras e cercas.

Durante uma romaria em solidariedade aos posseiros, Niconor teve um ataque de nervos. O seu psicológico foi severamente afetado pelas tensões que rondavam a fazenda.[85] Adversidades como a de Nicanor foram registradas em versos e prosas; assim como o início das reviravoltas a favor daqueles agricultores.
A atitude altamente arriscada das jovens Bernadete e Aparecida foi celebrada como um importante passo para a reviravolta. As moças se jogaram nas rodas de um trator que avançava sobre uma cerca montada por posseiros.
O motorista que dirigia o veículo ouviu de posseiros: “Você mata as moças, mas morre também”.[86] O ronco do trator não foi mais ouvido. O motorista recuou. Segundo relatos, rezas e orações antecederam o impulso das jovens.

Embora fosse um gesto de desespero, aquele ato foi interpretado por posseiros e agentes de pastoral como profético, um ato de coragem-denúncia de quem não tinha mais nada a perder.[87] Assim foi registrado num cântico:
Duas jovens deita na rodage
A Jesus rogando e pedindo
Esta é a hora deu me acabar
Me socorra Cordeiro Divino
Mais eu morro mostrando a verdade
A estes injusticeiros
A Santana dos Frades é nossa
Nós posseiros é que é os herdeiros.[88]
Crianças e mulheres tomaram armas de jagunços
Num depoimento recente, o agente de pastoral Raimundo Eliete falou sobre a importância das mulheres e das crianças na tática de autodefesa em Santana.[89] Mulheres e crianças estiveram presentes até mesmo no marcante episódio em que moradores avançaram para cima dos jagunços a fim de capturar as suas armas.
As crianças se aproveitavam da distração de alguns deles. E as mulheres conseguiam subtrair as armas enquanto os jagunços corriam da multidão.
As armas capturadas receberam os flashes da câmera fotográfica do padre Nestor Mathieu. As fotos das armas enfileiradas foram amplamente divulgadas, cumprindo a função de denunciar a violência cotidiana que os posseiros tinham de lidar.

Foi assim que se espalhou pelos jornais a imagem das vinte e oito espingardas, um rifle e dezoito facões; das cartucheiras cheias e das três ou quatro caixas de bombas.[90]
O cristianismo da libertação em Santana dos Frades
Entre adversidades e reviravoltas, a saga na fazenda cravou mais uma vitória das classes subalternas em sua luta pela terra no Estado. Em depoimentos, aqueles posseiros nunca deixaram de reconhecer a importante influência exercida pela Igreja, pela equipe missionária e pelas comunidades de base nos episódios de resistência.

A alfabetização de posseiros nas CEBs, a liberdade para que estes interpretassem as cartas pastorais a seu modo; a animação com cânticos e poesias que não deixavam a luta esmorecer; o auxílio jurídico e com pequenas despesas. Todos esses elementos impulsionaram aquela luta.
Foi dito até que, após a vitória dos posseiros de Santana, muitos dos moradores da fazenda Nova deram os braços a torcer. Deixaram a cizânia de lado, com a intenção de também procurar os seus direitos pela terra.[91]
É importante frisar que a luta dos posseiros não foi uma cruzada religiosa, mas uma luta de forte inspiração religiosa. Essa luta nunca negou a participação de instâncias seculares e até mesmo de outras alas do clero.
Lideranças políticas, sindicatos de trabalhadores rurais, entidades estrangeiras, os novos partidos de esquerda, a procuradoria-geral da República e até o clero mais conservador de outras dioceses sergipanas tiveram a sua importância na resolução do conflito.[92]
Contudo, não se pode negar que o cristianismo da libertação forneceu a principal base de apoio e inspiração àquelas pessoas. A diocese, também atrelada ao cristianismo da libertação, abraçou a causa dos posseiros e deu o seu beneplácito à luta.
Por sua vez, o secretário de Segurança Pública, Pedro Barreto de Andrade, acusou a instituição de ser a única culpada pelos conflitos. A sua acusação desconsiderava a autonomia dos posseiros de Santana diante das asseverações vindas da diocese.
Como já mencionado neste artigo, por vezes, os posseiros realizaram leituras mais radicais e narraram as suas histórias através de cânticos e poemas produzidos, sobretudo, por outros trabalhadores rurais nas CEBs, com total autonomia.
Contestando as acusações contra a sua equipe missionária, dom Brandão afirmou que o secretário desconhecia a capacidade de ação do povo. De fato, a fala do então secretário cai no velho esquematismo da manipulação das elites clericais sobre as classes subalternas.
É fato que a opção pelos pobres diocesana ajudou a alterar novamente as relações de poder no Estado. Mas, vale reiterar, não é correto imaginar que aqueles posseiros eram meras massas de manobra nas mãos de um complô clerical. A própria luta dos posseiros começou antes mesmo da presença da diocese. Com esta, por sua vez, a luta foi reforçada e ganhou um novo impulso.
Diante disso, a suspeição sobre a diocese aumentou consideravelmente. De modo definitivo, o clero diocesano se tornou alvo de uma ditadura que, embora agonizando, continuava a alimentar a sua busca por “inimigos internos”.
A diocese chegou aos anos 1980 no campo mais radical do catolicismo. Porém, o inverno começou a chegar para os progressistas. Internamente, o ambiente favorável às ideias do clero mais avançado começou a ruir. O papado de João Paulo II devolveu o protagonismo religioso latino-americano aos conservadores.
Em Sergipe, o clero mais ligado ao establishment ganhou maior visibilidade e poder. Da arquidiocese de Aracaju, o arcebispo dom Luciano Cabral Duarte fortalecia uma agenda de reação católica ao que muitos dos detratores da Teologia da Libertação chamavam de “politização da fé”.
A opção pelos pobres passou a ser questionada com mais dureza; vista, por vezes, como uma inversão de poderes ameaçadora à hierarquia católica. Além disso, em meados dos anos 1980, o bispo de Propriá descobriu uma adversidade mais poderosa do que as censuras que se erguiam contra ele: soube que a sua memória estava sendo acometida pelo mal de Alzheimer.
O caminho para a saída de dom Brandão começou a ser pavimentado. A contagem regressiva para o desmonte do clero progressista se acelerou. Dom Luciano teria ou não influenciado nessa contagem? É sobre isso que falaremos no próximo artigo.

Osnar Gomes dos Santos é doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Defendeu a tese: “Os sinais da conversão: o movimento do cristianismo da libertação na diocese de Propriá-SE (1960-1991)”. O texto na íntegra pode ser baixado aqui. Osnar possui Mestrado em História pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde integrou o Laboratório Interdisciplinar de Estudo das Religiões (LIER/UFAL). Possui Graduação em História pela Universidade Tiradentes (2012) e Pós-Graduação em História do Brasil pela Faculdade Pio Décimo (2014). Atualmente, é professor efetivo da Rede Pública do Estado da Bahia.
[1] Cf. [Entrevista] Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá, Mensageiro de Santo Antônio, 04 de abril de 1984, p. 11. Entrevista concedida a Luciano Bernardi.
[2] Cf. SANTOS, Fábio. Começo de Mundo Novo: sofrimento, luta e vitória dos posseiros de Santana dos Frades (Sergipe). Petrópolis: Vozes, 1990, p. 15.
[3] Cf. “Aos amigos e às entidades que apoiam a luta dos posseiros de Santana dos Frades”. In: Encontro com as Comunidades, fevereiro de 1980, p. 13.
[4] Cf. SANTOS, Fábio. Ob. Cit., 1990, p. 17.
[5] Ibidem.
[6] Cf. SILVA, Rosemiro. A luta dos posseiros de Santana dos Frades. São Cristóvão: UFS, 2002, p. 49.
[7] Ibidem, p. 50.
[8] Ibidem, p. 51. Porém, algum tempo depois, José Augusto dos Santos, então diretor-técnico da empresa, admitiu que o grupo Vieira Sampaio, da Serigy, desistiria do negócio se soubesse que a questão era tão complicada. Cf. “Agricultores denunciam os padres de distribuírem armas para os posseiros”. In: Jornal de Sergipe, 23 de setembro de 1980, p. 7.
[9] Cf. SILVA, Rosemiro. Ob. Cit., p. 50.
[10] Ibidem, p. 51.
[11] Cf. SANTOS, Fábio. Ob. Cit., p. 27.
[12] Ibidem.
[13] Ibidem, p. 31.
[14] Ibidem, p. 32.
[15] Ibidem, p. 33-34.
[16] Ver o relatório do Secretariado diocesano de pastoral: “Santana dos Frades – Pacatuba – Sergipe”, agosto de 1980. O relatório contém as perguntas que foram feitas pelo escrivão da Delegacia de Polícia Interestadual (Polinter) ao padre Derideau e ao irmão marista Fábio Alves dos Santos.
[17] Cf. SILVA, Rosemiro. Ob. Cit., 113.
[18] Ibidem, p. 115.
[19] Cf. SECRETARIADO DIOCESANO DE PASTORAL. Relato dos Acontecimentos ocorridos em Propriá-SE, no dia 17 de agosto de 1980, p. 1.
[20] Cf. “Palavra de Nosso Bispo”. In: Encontro com as Comunidades, agosto de 1980, p. 3.
[21] Cf. “Cerco a Propriá”, in: Revista Veja, 27 de agosto de 1980, p. 28.
[22] Cf. “Violência policial agita Propriá”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[23] Ver: DEPOIMENTO de dom José Brandão de Castro na CPI das enchentes. Uma visão do Baixo São Francisco Hoje. 10 de setembro de 1981, p. 4.
[24] Cf. “Franco manda apurar invasão de Igreja”. In: Folha de São Paulo, 19 de julho de 1980, p. 5.
[25] Cf. “Esclarecimentos que se fazem necessário”. In: Encontro com as Comunidades, junho e julho de 1980, p. 12.
[26] Cf. NASCIMENTO FILHO, Isaías. Dom Brandão – um pastor com cheiro de ovelhas. Belo Horizonte: O Lutador, 2017., p. 173.
[27] A primeira foi a missa de desagravo ao bispo e seu agente de pastoral Fábio Alves dos Santos, em razão do episódio da invasão da catedral pelos membros da família Britto. Este episódio foi tratado no capítulo anterior. Cf. ANDRADE, José. “Disputa de terras ameaça até tradições de Propriá”. In: O Estado de São Paulo, 10 de dezembro de 1978. Ver também: “Bispos do Nordeste desagravam dom Brandão”. In: Jornal de Sergipe, 05 de dezembro de 1978.
[28] Dom Edmilson representou dom Aloísio Lorscheider, cardeal e arcebispo de Fortaleza.
[29] Representante da CPT – Regional Nordeste II (CPT-RE II).
[30] Presidente do RE II e representante da CNBB para a missa.
[31] Cf. “Violência policial agita Propriá”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[xxxii] Ibidem; para maiores detalhes, ver: SECRETARIADO DIOCESANO DE PASTORAL. Relato dos Acontecimentos ocorridos em Propriá-SE, no dia 17 de agosto de 1980, p. 2.
[xxxiii] Cf. “Violência policial agita Propriá”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[xxxiv] Cf. SECRETARIADO DIOCESANO DE PASTORAL. Relato dos Acontecimentos ocorridos em Propriá-SE, no dia 17 de agosto de 1980, p. 2.
[xxxv] Além de Clodoaldo, foram presos Amarílio Bispo, Laurentino Cruz, Moacir dos Santos, José Américo Santos e Geraldo Pedro dos Santos. Este último era presidente do Sindicato dos Agricultores de Pacatuba. Cf. SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA. Mandado de prisão de Moacir dos Santos expedido pela juíza Gicélia de Araújo Torres a 07 de agosto de 1980; SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA. Mandado de prisão de José Américo dos Santos expedido pela juíza Gicélia de Araújo Torres a 07 de agosto de 1980; SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA. Mandado de prisão de Laurentino da Cruz expedido pela juíza Gicélia de Araújo Torres a 07 de agosto de 1980.
[xxxvi] Cf. “Pedro Barreto recebeu queixa sobre agressão”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[xxxvii] Cf. “Violência policial agita Propriá”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[xxxviii] Ibidem.
[xxxix] Cf. “Geraldina desmaia nos braços do marido ao assistir a prisão do filho”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[xl] Guido Azevedo, deputado pelo Partido Popular (PP), asseverou em sessão na Alese, um dia após o ocorrido: “É uma indignidade que se acomete contra todo o Legislativo”. Deputados da oposição também se solidarizaram com Nelson Araújo. Alguns desses condenaram a agressão sofrida por Araújo, porém minimizavam a responsabilidade do governo, a exemplo de Francisco Paixão e Luciano Prado. Houve casos, entretanto, de situacionistas que foram acusados de não assinar nota da Alese em solidariedade a Nelson. Esse foi o caso do deputado Arthur de Oliveira Reis. No Senado Federal, os representantes sergipanos Lourival Baptista e Passos Porto acusavam o bispo e sua equipe missionária pela desordem no baixo São Francisco. Cf. “Senador acha bispo culpado”. In: Jornal do Brasil, 22 de agosto de 1980; “Ecos da brutalidade policial”. In: Diário de Aracaju, 21 de agosto de 1980; “Deputado explica agressão”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980, p. 2-3. Ver também o debate realizado pelo Jornal de Sergipe com deputados situacionistas, oposicionistas e membros do clero diocesano, em: “Problema do Baixo São Francisco só chega ao fim com Reforma Agrária”. In: Jornal de Sergipe, 24 e 25 de agosto de 1980, p. 8.
[xli] Cf. SANTOS, Fábio. Ob. Cit., p. 35.
[xlii] BRASIL. Diário do Congresso Nacional. Jackson Barreto de Lima – Violências policiais em Sergipe, Brasília, 1980. Câmara dos Deputados.
[xliii] Cf. DOSSIÊ de Jackson Barreto de Lima. Aracaju, [19–]. Arquivo do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), nº P642/05. In: Acervo da Comissão Estadual da Verdade Paulo Barbosa de Araújo (CEV).
[xliv] Jackson Barreto segurava uma faixa de apoio a dom Brandão no momento em que o comandante da PM tentou arrebatá-la. Jackson reagiu com os dizeres: “[…] respeite o Congresso Nacional, coronel, pois eu sou um dos seus integrantes”. Em seguida, Jackson continuou tentando se esquivar dos policiais que insistiam em tirar-lhe a faixa que segurava. Até que, próximo de um correspondente do Jornal do Brasil, o deputado emedebista argumentou que a imprensa estava presente “para documentar a cena de violência que o senhor vai praticar contra o Congresso, na pessoa de um dos seus membros”. Cf. “Deputado preso e espancado ao apoiar bispo em Sergipe”. In: A Tarde, 19 de agosto de 1980.
[xlv] BRASIL. Diário do Congresso Nacional. Jackson Barreto de Lima – Violências policiais em Sergipe, Brasília, 1980. Câmara dos Deputados.
[xlvi] Cf. “Feijó culpa os desvios de temperamentos”. In: Tribuna de Aracaju, 21 de agosto de 1980. A queixa do comandante, porém, foi exitosa. Os policiais que participaram da agressão contra o deputado Nelson Araújo foram punidos. O soldado acusado de espancar o deputado, Edvaldo Barbosa dos Santos, foi expulso da corporação. O terceiro sargento, que algemou o deputado na viatura policial, Josenildo Santana, ficou detido por 30 dias no quartel. O segundo sargento, Miguel Pereira Neto, também foi preso por, na condição de comandante da operação, permitir a violência contra Nelson Araújo. Cf. “PM pune militares que espancaram o deputado”. In: Diário de Aracaju, 21 de agosto de 1980; “Governador manda punir policiais que agrediram um deputado em Propriá”. In: A Tarde, 21 de agosto de 1980. Ainda que houvesse a punição, deputados da Alese, o secretariado diocesano, associações de trabalhadores e o próprio Nelson Araújo entendiam que punir apenas os soldados era uma forma de fazê-los de “bodes expiatórios”, a fim de limpar a responsabilidade do governo Augusto Franco e dos comandos policiais. Ver: SECRETARIADO DIOCESANO DE PASTORAL. Relato dos Acontecimentos ocorridos em Propriá-SE, no dia 17 de agosto de 1980, p. 6; “Caso Propriá: Governador recebe protesto da CONTAG”. In: Tribuna de Aracaju, 21 de agosto de 1980.
[xlvii] Essa informação consta na matéria “Outra vez a polícia na berlinda”. In: Diário de Aracaju, 20 de agosto de 1980.
[xlviii] Cf. SECRETARIADO DIOCESANO DE PASTORAL. Relato dos Acontecimentos ocorridos em Propriá-SE, no dia 17 de agosto de 1980, p. 2; Cf. “A difícil missão de um bispo hoje”. [Entrevista] Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá, Santuário de Aparecida, 23 de novembro de 1980, p. 6.
[xlix] Cf. SECRETARIADO DIOCESANO DE PASTORAL. Relato dos Acontecimentos ocorridos em Propriá-SE, no dia 17 de agosto de 1980, p. 2-3; “Problema do Baixo São Francisco só chega ao fim com Reforma Agrária”. In: Jornal de Sergipe, 24 e 25 de agosto de 1980, p. 8.
[l] Cf. “Bispos unidos contra a violência”. [Entrevista] Dom Helder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, e Dom José Maria Pires, Arcebispo de João Pessoa, Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[li] Cf. “Violência policial agita Propriá”. In: Jornal de Sergipe, 19 de agosto de 1980.
[lii] Segundo dom Brandão, a Kombi queria a ele e a dom Helder. Cf. “A difícil missão de um bispo hoje”. [Entrevista] Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá, Santuário de Aparecida, 23 de novembro de 1980, p. 6.
[liii] SECRETARIADO DIOCESANO DE PASTORAL. Relato dos Acontecimentos ocorridos em Propriá-SE, no dia 17 de agosto de 1980, p. 3.
[liv] Cf. “Ministro da Justiça está preocupado com violência em Sergipe”. In: Jornal de Sergipe, 23 de agosto de 1980. Os posseiros presos na missa de desagravo foram soltos um mês depois.
[lv] Cf. “Londres vai filmar miséria no Baixo S. Francisco”. Tribuna de Aracaju, 03 de setembro de 1980.
[lvi] Cf. COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE “PAULO BARBOSA DE ARAÚJO”. Doc. ASV_ACE_3764_82, 6f.
[lvii] Cf. ARQUIVO NACIONAL. Doc. nº br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ppp_80000957_d0001de0001. – 1980; 24 de setembro de 1980, 22f.
[lviii] Ibidem.
[lix] Ibidem.
[lx] Cf. ARQUIVO NACIONAL. Doc. nº br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_81016119_d0001de0001. – 1981; 1981, 18f.
[lxi] Cf. ARQUIVO NACIONAL. Doc. nº br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ppp_80000957_d0001de0001. – 1980; 24 de setembro de 1980, 22f.
[lxii] Cf. ARQUIVO NACIONAL. Doc. nº br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_81016119_d0001de0001. – 1981; 1981, 18f.
[lxiii] A embaixada britânica foi comunicada que as autoridades seriam notificadas e que seriam tomadas as providências cabíveis. Ibidem.
[lxiv] Cf. “Nota da Fetase”. In: Encontro com as Comunidades, setembro e outubro de 1980, p. 17.
[lxv] Cf. “Jornalista da BBC admitiu atentado em Santana”. In: Jornal de Sergipe, 18 de setembro de 1980.
[lxvi] Cf. DOSSIÊ de dom José Brandão de Castro. Aracaju, [19–]. Arquivo do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), nº P770/05. In: Acervo da Comissão Estadual da Verdade Paulo Barbosa de Araújo (CEV).
[lxvii] Cf. “Agricultores denunciam os padres de distribuírem armas para os posseiros”. In: Jornal de Sergipe, 23 de setembro de 1980, p. 6-7.
[lxviii] Sobre as vantagens oferecidas pela Seragro, conferir: SILVA, Rosemiro. Ob. Cit., 2002, p. 99-100.
[lxix] Cf. “Agricultores denunciam os padres de distribuírem armas para os posseiros”. In: Jornal de Sergipe, 23 de setembro de 1980, p. 6-7. Sobre os “contras”, ver: RELATÓRIO. Avaliação da caminhada feita em Santana dos anos de 1970 a 08/82 – com a ajuda de Beatriz Costa da Equipe “Nova”, sem data. Sobre a oposição de fazendeiros e pequenos agricultores da Fazenda Nova aos padres da diocese, ver: RELATÓRIO. Ocorrências em Santana dos Frades, 18 de setembro de 1980.
[lxx] Cf. “Agricultores denunciam os padres […]”. In: Jornal de Sergipe, 23 de setembro de 1980, p. 6-7.
[lxxi] Cf. MACEDO, Nertan. “Os Miracapillos de Propriá”. In: Correio de Propriá, 05 de novembro de 1980; “Parasitas e Anarquistas”. In: Correio de Propriá, 08 de fevereiro (não se sabe o ano da matéria).
[lxxii] Cf. “Jornalista da BBC […]”. In: Jornal de Sergipe, 18 de setembro de 1980.
[lxxiii] “Agricultores denunciam os padres […]”. In: Jornal de Sergipe, 23 de setembro de 1980, p. 6-7.
[lxxiv] João Alves da Silva chegou a apontar que, em Santana, havia pessoas treinadas em guerrilha. Cf. “João Alves [da Silva] diz existir guerrilheiros infiltrados entre os posseiros da Fazenda Santana”. In: Diário de Aracaju, 26 de março de 1981, p. 2.
[lxxv] Cf. COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE “PAULO BARBOSA DE ARAÚJO”. Doc. BR_AN_BSB_VAZ_022_079, 30f.
[lxxvi] Ver a carta enviada por Pedro Tierra a Adolfo Pérez Esquivel: SILVA, Hamilton Pereira [Pedro Tierra]. [Carta] março de 1981, Goiânia [para] Adolfo Pérez Esquivel. Carta aberta ao Prêmio Nobel da Paz. In: Relatório do 1º Encontro da Pastoral da Juventude da Diocese de Propriá.
[lxxvii] As CEBs faziam o trabalho de alfabetização. Conferir documento: DIOCESE DE PROPRIÁ. Educação, uma prática de liberdade – Santana dos Frades, sem data, 14f. O documento aborda uma série de assuntos que dizem respeito à alfabetização dos trabalhadores de Santana. O documento discute os métodos de ensino de leitura e de cálculo, as dificuldades com a língua e outros pontos relativos ao processo de transmissão do conhecimento.
[lxxviii] Dom Hélder disse a dom Brandão que, quando esteve em Roma, cantou a parte citada do cântico de Jorge Pereira Lima para o papa Paulo VI. Ouviu do papa: “Que belo! Que belo!”. Cf. NASCIMENTO FILHO, Isaías. Ob. Cit., p. 115-116. Jorge Pereira Lima é agricultor do sertão sergipano.
[lxxix] O Hino à Resistência foi escrito em 19 de outubro de 1980. Este e outros poemas podem ser encontrados na Pasta “Poesia de Cordel de Diversos Autores”, localizada no acervo do Centro dom José Brandão de Castro (CDJBC).
[lxxx] Sobre esta questão, ver o conceito de “circularidade da cultura” de Carlo Ginzburg. Cf. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 11.
[lxxxi] Jorge Pereira Lima também produziu uma versão popular da carta pastoral. Ou seja, a carta pastoral esteve aberta a variadas leituras e interpretações. Cf. LIMA, Jorge. Versão Popular da Carta Pastoral de Dom José Brandão de Castro Nos Caminhos de Puebla, 08 de agosto de 1979. A versão de Luiz Caetano pode ser encontrada na pasta “Poesia de Cordel de Diversos Autores”, localizada no CDJBC.
[lxxxii] Cf. CASTRO, dom José Brandão de. Carta Pastoral Nos Caminhos de Puebla, 13 de junho de 1979, 27f.
[lxxxiii] Cf. ARQUIVO NACIONAL. Doc. nº br_rjanrio_tt_0_mcp_pro_1619_d0001de0001. – 1979; 1979, 116f. Ver também: ARQUIVO NACIONAL. Doc. nº BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_81002435_d0001de0001. – 1981; 1981, 69f. Neste documento, há uma informação do SNI, datada de 12 de dezembro de 1978, sobre a Casa da Juventude de Propriá (CA-JU) e sobre o Encontro com as Comunidades. O documento diz que a diocese de Propriá procura agitar a sua área de influência, indo desde a tentativa de levante de posseiros até a hostilização direta contra empresas governamentais – direta ou indiretamente – ligadas à questão da terra, como a Codevasf e a EMATERSE (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Sergipe).
[lxxxiv] Cf. ARQUIVO NACIONAL. Doc. nº br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ppp_81002285_d0001de0001. – 1981; 1981, 19f.
[lxxxv] O jornal Diário de Aracaju informou que Nicanor foi levado às pressas ao Hospital Psiquiátrico. Depois de um tempo internado, Nicanor se recuperou. Cf. “Notas Soltas”. In: Diário de Aracaju, 10 de março de 1981, p. 2. Ver também: SANTOS, Fábio. Ob. Cit., 1990, p. 42.
[lxxxvi] Cf. Ibidem.
[lxxxvii] Ibidem, p. 41-43. Ver também a carta enviada por Pedro Tierra a Adolfo Pérez Esquivel. A carta-poema de Tierra deu maiores detalhes sobre a atitude de Bernadete e Aparecida. In: Relatório do 1º Encontro da Pastoral da Juventude da Diocese de Propriá.
[lxxxviii] Cf. SANTOS, Fábio. Ob. Cit., 1990, p. 45.
[lxxxix] Conferir depoimento de Raimundo Eliete para a Comissão Estadual da Verdade de Sergipe, em: SANTANA dos Frades. 1 vídeo (14min58seg). Publicado pelo canal Comissão Estadual da Verdade de Sergipe. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5IK4OwVzyTE>. Acesso em 21 de fevereiro de 2022. A entrevista foi realizada no dia 20 de setembro de 2017. Publicada no canal no dia 29 de outubro de 2018.
[xc] Ibidem, p. 44. Ver também: “As armas usadas contra a Besta Fera”. In: Encontro com as Comunidades, novembro de 1981, p. 10.
[xci] O INCRA comprou uma área da fazenda para abrigar trinta e duas famílias que, inicialmente, eram contra a luta de Santana. Sobre elas, disse um posseiro: “Hoje elas estão lá e até já começaram a participar da nossa caminhada. Já fazemos juntos as nossas festas dos santos e nossas brincadeiras”. Cf. SANTOS, Fábio. Ob. Cit., p. 51.
[xcii] O Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) eram dois dos novos partidos de esquerda que apoiaram a luta dos posseiros. Lideranças do Partido Popular (PP), como Guido Azevedo, também apoiaram a causa. A comunidade de informações apontou o apoio aos posseiros vindo de elementos ligados ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O procurador-geral da República, Evaldo Campos, e o arcebispo de Aracaju, dom Luciano, também apoiaram a luta dos posseiros. Cf. COMISSÃO ESTADUAL DA VERDADE “PAULO BARBOSA DE ARAÚJO”. Doc. ASV_ACE_3303_82, 27f.