CAMILA FARIAS, da Mangue Jornalismo
@camila_gabrielle
Na última sexta-feira, 19, a Mangue Jornalismo completou oficialmente um ano de existência. Ela é um produto do Centro de Estudos em Jornalismo e Cultura Cirigype, uma associação sem fins lucrativos que busca realizar um jornalismo de qualidade e independente em Sergipe.
Para marcar a data, foi realizada a Roda de Conversa da Mangue, que teve como tema “Jornalismo: independência ou morte”. O evento ocorreu no início da noite na sede do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado de Sergipe (Sindijus/SE).
O bonito espaço na antiga casa de Horácio Hora, na avenida Ivo do Prado, ficou lotado com a presença de estudantes de Jornalismo, servidores públicos, professores, militantes sociais, sindicais e políticos, a exemplo da vereadora Sônia Meire (Psol).
A Roda de Conversa da Mangue foi mediada pelo jornalista Paulo Marques, do conselho gestor da Mangue. Os debatedores foram os professores Carlos Franciscato e Michele Tavares, ambos da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aline Braga, do Conselho Diretor do Intervozes Brasil, e Cristiano Navarro, repórter na Mangue e assessor no Sindijus.
“Faz um ano que um pequeno grupo de jornalistas deu um salto na fé, crendo que era possível fazer em Sergipe reportagens de qualidade, pautando-se pelos direitos humanos, garantido a imposição da verdade, da transparência, da apuração, da ética, e, principalmente, sendo independente. Um ano e estamos aqui. Está dando certo”, disse Cristian Góes, um dos fundadores da Mangue.
Em um ano, o site da Mangue Jornalismo registrou mais de 31 mil visitantes únicos, a maioria de mulheres, e foram realizadas 305 publicações, sendo que algumas reportagens tiveram mais de 3,3 mil acessos. Destacaram-se matérias que tratavam dos direitos humanos e meio ambiente, contas públicas, cultura, direito à cidade, segurança, educação e saúde.
“Mas, atenção, a Mangue não é formada por um grupo de voluntários. Somos trabalhadores que precisam pagar as contas. Apesar de colocarmos todo nosso material gratuitamente para sociedade – e disso não abrimos mão – é preciso dizer que para produzir cada reportagem temos custos e eles são altos. Por isso, para manter nossa independência, precisamos muito do apoio financeiro de nossas leitoras e leitores”, esclareceu Cristian Góes.
“Estamos falando de uma mídia que é resistência, que publicou 305 matérias em um ano”, disse a professora de Jornalismo da UFS Michele Tavares. Ela destacou como é importante para Sergipe ter uma mídia independente e do nível que a Mangue Jornalismo está atingindo.
“As mídias independentes fazem parte do nosso repertório de aula e quando a Mangue surgiu, tivemos a chance de abordar um veículo de mídia independente nosso, aqui de Sergipe mesmo. Conteúdo este feito com transparência, informações verídicas e combate à desinformação. Hoje, dia 19, já é um dia de resistência e essa data é altamente significativa. Fico muito feliz em ter na academia a Mangue como referência”, disse Michele.
Carlos Franciscato, também professor de Jornalismo na UFS, disse que a Mangue representa resistência, ousadia e capacidade de indignação. “Fiquei feliz com a capacidade de nós, jornalistas sergipanos, não nos acomodarmos com o cenário negativo [da cobertura feita pela mídia tradicional]”, pontuou.
Franciscato ressaltou também alguns desafios importantes que a Mangue tem pela frente. “Queremos que o projeto melhore cada vez mais. Não temos que pensar no jornalista como um empregado, mas como sujeito autônomo do seu projeto e preparar os jovens jornalistas para bancarem seu projeto. Além disso, é preciso ampliar a aproximação com a sociedade”.
O professor destacou algumas mudanças que aconteceram ao longo dos anos, inclusive, da importância do jornalista desenvolver novas competências, propor inovações para a sociedade, assim como a necessidade da Mangue se autofinanciar.
Aline Braga, jornalista e mestra em Comunicação, destacou que o jornalismo é sinônimo de apuração e que por muitos anos diversas fontes e pautas foram silenciadas pela mídia convencional. Aline explica que houve, portanto, um privilégio do discurso hegemônico.
“Não é feito o debate das desigualdades ou do racismo estrutural. Por isso, pensar na Mangue, em Sergipe, mostra que podemos refazer o caminho e desfazer parte desse silenciamento. A Mangue traz uma necessidade de algo que é importante para a nossa vida: a conversa com a sociedade”, acredita Aline.
Cristiano Navarro lembrou que é jornalista há 24 anos e em sua jornada já enfrentou diversas dificuldades causadas pelo neoliberalismo. Ele é mestre em Cinema pela UFS, documentarista e pesquisador e já trabalhou no Le Monde Diplomatique Brasil, Brasil de Fato, InfoAmazônia, TeleSur, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e em outras organizações.
“O neoliberalismo priva direitos elementares como a aposentadoria, saúde e transporte. Isso não me envergonha, mas também não me envaidece, porque queria ter uma condição melhor como jornalista. Enfrentar essa situação aumentou minha identificação com minha origem: a classe trabalhadora. O neoliberalismo tem o hábito de transformar tudo em dinheiro. A Mangue, ao não se render, fez história”, disse Cristiano.
Novo produtos da Mangue para 2024
Antes do debate na Roda de Conversa, o coordenador da Mangue Jornalismo, Cristian Góes, informou que a organização vai apresentar ainda neste ano três novos produtos jornalísticos: um podcast, um livro e o especial da cobertura das eleições com foco no combate à desinformação.
“Estamos cuidando dos detalhes para que ainda no primeiro semestre deste ano a gente atenda parte de nossas leitoras e leitores e leve a qualidade da Mangue Jornalismo para o áudio, ou seja, vamos ter em breve A Mariscada, o podcast da Mangue. Em princípio, ele deve ser quinzenal, mas também devemos ter produções temáticas com uma série de episódios”, informou Cristian Góes.
O podcast A Mariscada, além de buscar ter a qualidade do jornalismo que vem sendo impresso cotidianamente pela Mangue, ainda deve ter outros diferenciais, como se movimentar para ter sustentabilidade e maior participação da audiência desde a pauta, produção até a apresentação dos episódios.
Os jornalistas Thiago Leão, Henrique Maynard e Tauã Ferreira estão liderando nesse momento o projeto de A Mariscada, o podcast da Mangue.
Um outro produto previsto para o ano de 2024 é a edição e publicação do livro sobre o golpe e a ditadura militar em Sergipe. A Mangue Jornalismo fez, desde setembro do ano passado, reportagens especiais sobre esse período de horror na história de Sergipe e que parte está no relatório final da Comissão Estadual da Verdade.
Todas as 19 reportagens publicadas estão sendo reunidas em um livro e nesse momento a Mangue Jornalismo busca meios financeiros para finalizar a diagramação e realizar impressão. O ano de 2024 marca 60 anos do golpe e da ditadura militar no Brasil e há pouco material impresso sobre ele em Sergipe.
“Nos próximos dias, vamos lançar uma vaquinha coletiva específica para imprimir esse livro sobre a ditadura em Sergipe. Será um marco importante nos 60 anos dessa tragédia brasileira e sergipana. O livro pode se tornar um modesto instrumento de luta pela memória e contra o esquecimento imposto às atuais e novas gerações”, explicou Cristian Góes.
Também para este ano toda equipe da Mangue Jornalismo vai se envolver na cobertura das eleições municipais. Além das coberturas temáticas, didáticas e propositivas, o foco da ação da Mangue será combater a desinformação. Esse trabalho de cobertura especial das eleições deve ter espaço privilegiado no site da Mangue, buscar parcerias com outras organizações de combate à desinformação e principalmente envolver a audiência.
“São desafios possíveis, mas desafios e a gente conta fundamentalmente com nossas leitoras e leitores que passam a ser nossas aliadas e aliados, com doações financeiras para a Mangue. Não tem outro jeito, a sociedade tem que participar, visto que vamos continuar assegurando nossa independência editorial”, pede Cristian.
Outras fotos da Roda de Conversa
Fotos Jomara Costa/Sindijus.