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“De noite a fumaça é branca. De dia é preta”. Comunidade do Santa Maria denuncia prejuízos à saúde por empresa de lavagem hospitalar (com vídeo)

TATIANE MACENA, da Mangue Jornalismo
PRISCILA VIANA, supervisão

Bairro Santa Maria, conjunto Valadares, zona Sul de Aracaju. De manhã, de tarde e de noite, uma densa fumaça corta toda a comunidade. De longe, é possível enxergar o vapor produzido pela Yex, uma empresa que faz lavagem de material hospitalar. Moradoras e moradores da comunidade e do entorno vêm reclamando e denunciando problemas de saúde em razão dessa fumaça. Muitas crianças e mulheres, principalmente, clamam por socorro. A Yex jura que o vapor, liberado  24 horas por dia, não é tóxico, sendo resultado de um procedimento de lavagem que diminuiria o trabalho físico de funcionários e aumentaria a produtividade por meio de máquinas.

A Yex fica localizada nas proximidades da avenida principal do Santa Maria. Os vizinhos da empresa reclamam que, “depois que a fumaça começou”, até as tarefas diárias domésticas ficaram complicadas. Muitos moradores precisam até deixar suas casas. “Eu vou embora, pois isso aqui é muito ruim. As roupas, tudo fica tudo podre. Não tem como ficar dentro de casa. Na parte da manhã, logo cedinho é que você não aguenta mesmo. De noite, a fumaça é branca e de dia, preta. É muita fumaça. O nariz arde”, diz “Aline”*.

Além do incômodo nasal, moradoras e moradores da região relatam dor de cabeça, ânsia de vômito, falta de ar, reação alérgica e asma. “Dona Júlia”* afirma que passou a sofrer com problemas de saúde desde que a empresa de lavagem hospitalar começou a usar eucalipto em um procedimento. “Não estou mais aguentando. Os meus dois filhos têm asma e estão arriados. Comprei remédio e só hoje já gastei R$ 58,00 em uma amoxilina. Eles não estão comendo, vomitam tudo que o tentam comer, e isso tudo é por causa dessa fumaça dessa fábrica. Desde que esse vapor começou, tenho ido à urgência 24h, tomo remédio e nada”, conta dona Júlia.

População tem pedido socorro

“Rebeca”*, moradora da comunidade, decidiu gravar a emissão da fumaça. Ainda era 28 de janeiro. Ela fez o registro depois de se perguntar se estava lidando com algo temporário ou permanente. No começo, “eu não dei tanta importância, porque não sabia da gravidade da situação. Mas quando percebi que isso ia durar, comecei a registrar”, relembra. Ela não é a única a fazer isso. De acordo com os relatos, após o aumento das gravações feitas pela comunidade, a direção da empresa resolveu aumentar os muros, quem sabe, para tentar evitar que os registros de dentro da empresa pudessem ser feitos por casas mais altas.

Não demorou muito, moradoras e moradores criaram um grupo no aplicativo de mensagens WhatsApp para unir forças e discutir sobre a problemática ambiental e de saúde. Por meio da mesma plataforma, a população vem encaminhando vídeos feitos dias e em horários diferentes para a equipe da Mangue Jornalismo e para outras pessoas.

Em um dos registros, “Adriana”* se refere à fumaça como “companheira” de todas as refeições. “Bom dia. Hoje, dia 26 de fevereiro, continuamos aqui com essa bela fumaça em pleno meio-dia em ponto. Ela é a nossa companheira de almoço, de café da manhã e de janta. Estamos por aqui, né? Esperando a Yex obedecer a ordem de parar com esse fumacê”, ironiza Adriana.

Em outro vídeo gravado por “Carla*” é possível ver a fumaça se espalhando pela região. “Dia 11 de maio, dessa vez por outro ângulo. Olhe a fumaça lá. A comunidade está aqui. Tá vendo a fumaça aí por cima das casas? É assim o tempo todo. São quase 11 horas da manhã. Dizer que essa fumaça não está perto da comunidade? Tá sim. Olhe ela indo para as casas. A gente aqui se sente abandonado”, afirma Carla.

Relato de um profissional da saúde

“Antes dessa fumaça, as crianças adoeciam, o que é normal. Mas, agora está muito difícil viver ali e respirar toda essa fumaça. É um cheiro horrível, as crianças estão adoecendo e com frequência, são levadas ao posto e à urgência. Crianças que nunca tiveram problemas respiratórios agora têm. Já caminhei pela área e senti uma fumaça tão forte que não aguentei ficar lá, devido à dificuldade de respirar”, revelou para a Mangue Jornalismo um funcionário de Saúde que atende a comunidade e prefere não se identificar.

“Essa fumaça também chega às ruas próximas. As famílias que moram em casas alugadas estão procurando outra residência. Existem também aquelas famílias que não podem sair. Temos idosos, pessoas com problemas renais, crianças asmáticas, etc”, completa esse profissional de Saúde.

“Ana Clara*” conta que o problema de saúde de sua filha se intensificou por causa da exposição à fumaça. “Ela faz tratamento respiratório, o que inicialmente não teve a ver com a situação, mas veio se agravar. Minha filha usa aquela bombinha de respirar e eu estou tendo uma luta contra o tempo, pois fico dando a bombinha e ela inalando a fumaça. Eu dou remédio e ela inala a fumaça”, relata.

Várias reclamações sobre ameaça à saúde

“Estou com a minha filha doente mais uma vez. O dono da empresa diz que não prejudica ninguém. Não prejudica porque ele não dorme aqui e nem é morador daqui. Se ele morasse aqui e tivesse filho pequeno na situação que eu me encontro, ele saberia a dor do próximo.

Quando a gente conversa com ele, ele mostra um monte de papel, com autorização. O que não justifica nada, pois enquanto ele mostra papel, mostramos fatos. E contra fatos não há argumentos”, contrapõe “Tauane*”.

“Não adianta tomar medicação e continuar na fumaça, até porque a gente não tem para onde ir. Eu expliquei à médica a situação, ela ficou com medo. Tem muita gente que tem mais conhecimento do que eu e está com medo de se envolver. A médica me aconselhou e disse que eu fosse com calma, resolvesse da melhor forma possível, até porque eu não sei com quem estou lidando. Percebi que ela ficou com receio até de me dar diagnósticos”, disse a moradora “Milena*”, que levou seu filho ao posto de saúde da comunidade.

Milena chegou a falar com o proprietário da Yex sobre o prejuízo que a fumaça causava à saúde de seu filho. “Eu fui até ele e pedi pelo amor de Deus para que ele olhasse para a nossa situação. Ele me respondeu que eu estava precisando ocupar a mente com outras coisas e chegou a me oferecer um emprego. Ele ainda sugeriu que eu deixasse o meu filho na casa da avó para que ele passasse o dia fora de casa e não aspirasse muita fumaça”, relembra Milena.

“Eu me sinto humilhada de estar falando, falando e falando. Ele simplesmente tendo os fins lucrativos dele e a população aqui precisando de remédio. É isso, ele não está nem aí para a gente. Mas, apesar de tudo, quero que seja resolvido da melhor forma possível, até porque a fábrica está aí faz muitos anos e nunca precisou desse tipo de procedimento de prejudicar a população”, desabafa “Vivian*”.

“A empresa chegou primeiro, tem permissão ambiental e são 168 famílias que precisam desse emprego”, disse um dos funcionários da empresa Yex à Mangue Jornalismo. Sim, a empresa já atua na região faz anos, mas a fumaça começou faz alguns meses. Ademais, a população não quer que a empresa deixe de existir, mas que a fumaça cesse. Sobre a licença, trata-se de uma autorização de instalação que teria sido concedida pela Prefeitura de Aracaju, através da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema).

Órgãos competentes

A vereadora Professora Ângela Melo (PT) participou de audiência com promotores no Ministério Público Estadual (MPE). Ela esteve com moradores da comunidade e eles fizeram o relato sobre a fumaça produzida 24 horas por dia pela Yex. A vereadora tomou conhecimento do problema por meio de um perfil no Instagram, que narra esses acontecimentos do bairro Santa Maria.

O responsável pelo perfil no Instagram e que postou os vídeos da fumaça expelida pela empresa, marcou várias autoridades. “A Professora Ângela levou o problema para a Câmara. Em seguida, o efeito foi dominó. Os vereadores Cícero, Ricardo e Eduardo deram sua posição sobre esse problema que já está completando cinco meses”, conta um dos administradores do perfil. A vereadora Emília Corrêa (Patriota) informou que também procurou o Ministério Público.

O vereador Ricardo Marques (Cidadania) esteve na empresa para ver a situação e conversar com os moradores. “Já procurei a direção da lavanderia por duas vezes, mas a informação é que não tinha ninguém para me receber. Então a minha alternativa foi oficializar a Secretaria do Meio Ambiente de Aracaju, a Administração Estadual do Meio Ambiente e o Ministério Público”, escreveu o vereador em sua rede social.

O MPSE marcou audiência para amanhã, dia 24, para tratar do tema. Devem estar presentes três pessoas prejudicadas diretamente pela fumaça da Yex e funcionários da Sema. De acordo com a promotora de Justiça Ana Paula Meneses, o proprietário da Yex não vai participar dessa primeira audiência para que as vítimas não se sintam intimidadas. “Ainda vamos notificar o reclamado. Essa primeira audiência será com a Sema e as pessoas que estão reclamando do problema. Achamos melhor que ele (o dono da empresa) não esteja presente, pois estamos buscando compreender a situação e a presença dele poderia inibir as pessoas de falar”, disse.

Segundo a promotora, “existe uma licença de instalação (da lavanderia) e eles dizem que a emissão de fumaça está dentro dos padrões do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Estamos com dificuldade grande em resolver essa questão, mas solicitamos à Sema que faça uma auditoria”, disse Ana Paula.

Sem respostas para a Mangue Jornalismo

A Mangue Jornalismo questionou a Prefeitura de Aracaju, através da Sema, sobre o processo de licenciamento, incluindo as autorizações de instalação e operação, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Também, por três vezes, a Mangue Jornalismo procurou a direção da Yex e ela se recusou a dar entrevista. “Ele não vai entrar em contato com ninguém”. Essa foi a resposta recebida em todas as tentativas.

*Os nomes das pessoas entrevistadas são fictícios. Preservamos as respectivas identidades a pedido das próprias fontes, por questões de segurança.

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