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Com duas mulheres à frente de uma grande produção, a primeira série indígena de Sergipe, Originários, conta com a direção da multiartista afroindígena Héloa e da produtora executiva Danielle Hinch, que pretendem, durante este ano de 2025, percorrer os territórios das etnias Xocó, Kariri-Xocó e Fullkaxó, ouvindo lideranças, histórias de luta, de tradição, repleto de musicalidade, cores e belezas desses povos que vivem à margem do Rio São Francisco, conhecido pelos povos indígenas como Opará.
A série está sendo realizada com recursos da Lei Paulo Gustavo, a partir do Edital de Chamamento Público No 06/2023 – Tarcísio Duarte, para apoio a produção de obras audiovisual, e traz, em seis de episódios, histórias e narrativas contadas a partir da ótica dos povos originários e das aldeias que resistem em solo sergipano. Confira a entrevista realizada com as diretoras da iniciativa.
Mangue Jornalismo (MJ) – Originários é a primeira série indígena sergipana. De onde surgiu a ideia para a criação? Como vocês pensaram em elaborar o conceito juntas?
Héloa – A ideia surgiu do desejo de juntar nossas experiências na área do audiovisual para elevar o protagonismo indígena em suas diversas atuações. Eu sou mulher, artista afro indígena que há mais de 20 anos vivo a retomada com minha ancestralidade indígena, e todo esse processo sempre foi guiado e orientado pelo povo Kariri-Xocó que me reconheceu e me acolheu em seu território. Já são muitos os feitos em minha carreira musical, ao lado de grandes nomes da representatividade indígena, mas eu tinha um forte desejo de também evidenciar essas histórias no audiovisual. Compartilhei isso com Danie que, em sua trajetória, também busca e pesquisa compreender ainda mais as histórias dos povos originários no Brasil. Nosso encontro surgiu com esse propósito e o programa Originários teve a sua primeira edição ainda na pandemia, de maneira remota, entrevistando indígenas de 8 etnias do Brasil.
Danielle – O Originários está se transformando numa marca que se desdobra em vários produtos, desde seu nascimento em 2020, em um especial produzido na época, de forma inovadora, no formato online, que a circunstância apresentou: a pandemia. O produto ficou maravilhoso, tivemos bons feedbacks e ali nascia a marca e nossa parceria. Resolvemos desenvolver a ideia, e então convidamos um redator e começamos o desenvolvimento. Fizemos algumas versões e algumas temáticas, como a que estamos produzindo, focada nas etnias sergipanas. É um material desenvolvido a seis mãos a partir das pesquisas, estudos e nossas vivências com esses povos.
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MJ Como se deu o processo de escolha das comunidades indígenas a serem entrevistadas, e escolha também da equipe técnica que compõe o projeto?
Danielle – Desde seu início em 2020, ele tomou vários formatos e focos diferentes para cada produto que está no papel, que já foi desenvolvido ou que está em desenvolvimento. Nessa série resolvemos dar esse olhar especial aos povos originários do nosso estado, trazer essa história, construção dos aldeamentos que se entrelaçam diretamente com as nossas histórias. Ir a fundo nas referências do nosso estado, que traz nome de cacique, referências da nossa história onde tantos nomes de cidades, ruas, são de origem indígena. Sobre a equipe técnica, fomos cautelosas na sua formação, firmando a participação de profissionais de arte e do audiovisual que sejam indígenas, mulheres, pretos, LGBTs no sentido de ser bastante inclusiva. Estamos também com uma equipe técnica de audiovisual com profissionais sergipanos de peso, que trazem histórias profissionais que demonstram habilidades para o que desejamos.
Héloa – A gente quis poder mostrar a diversidade das etnias que resistem e que foram fundamentais para a construção do Estado Sergipano. Então, a princípio, a gente foca na etnia Xocó, a primeira etnia remanescente e reconhecida no Estado, e essa ideia de diversidade a gente também traz pra nossa equipe, que é composta majoritariamente por mulheres na direção, eu e Danie, e também na equipe criativa.
MJ – Vocês já trabalharam juntas em outra ocasião? Como vocês se conheceram e por que decidiram trabalhar juntas neste grande projeto?
Héloa – Nós trabalhamos juntas, na primeira vez, na ocasião de Originários, e eu estendi o convite a Danie para a gente poder somar as nossas trajetórias no audiovisual. Eu venho de uma trajetória no audiovisual também da área documental, mas também muito ligada ao meu trabalho com a música. A Danie traz uma perspectiva mais institucional e também de pesquisa, de tradução. A partir dessa da Lei Paulo Gustavo e a aprovação do nosso projeto, a gente vai poder ampliar em seis episódios essa nossa experiência, poder trazer o olhar sensível de cada uma para esse projeto.
Danielle – Fizemos um dos primeiros programas no Brasil, nesse formato on-line, em plena pandemia, com um bate-papo maravilhoso entre Héloa e indígenas de 7 etnias espalhadas pelo país. O resultado ficou maravilhoso, ficamos muito felizes com o feedback e resolvemos crescer e criar outros produtos. Nascia a marca “Originários”. Daí mergulhamos, junto com nosso redator Robson Bento, em várias versões e formatos.
MJ – De que forma a temática indígena aparece e reverbera na vida de vocês?
Héloa – Bom, a temática indígena reverbera na minha vida a partir de uma perspectiva da minha vivência de retomada. Eu sou uma mulher de matriz indígena, mas também de matriz africana, fundida, essa matriz afro indígena, como eu costumo me reconhecer. A partir dessa retomada eu tive a oportunidade de conhecer diversas etnias no Brasil e parentes de vários lugares, e perceber o quão rica a história do nosso país é a partir da ótica indígena. A aldeia, assim como eu, mantém a chama, a força viva de se reconhecer povos indígenas no Brasil.
Daniele– A temática indígena está dentre os assuntos que mais busco desenvolver nos meus produtos audiovisuais. Além do programa “Originários” de 2020, tenho um documentário premiado em festivais de cinema que também aborda o povo indígena, o “Conexão entre mundos”, com Direção de Wagner Mazzega – nosso Diretor de Fotografia – onde sou Diretora Assistente e Produtora Executiva. Esses produtos já estão disponíveis no YouTube e vocês podem assistir.
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MJ – Além da série Originários, há outros projetos para serem lançados ainda este ano?
Héloa – Além da série, eu estou envolvida com muitos projetos, que inclusive seguem fortalecendo a luta dos povos indígenas, tanto aqui em Sergipe, como pelo Brasil afora, um próximo álbum que vem a caminho. São muitos projetos já sendo produzidos e pensados. Eu como artista, mas também gestora, empresária, à frente da Aláfia cultural, venho buscado fontes e formas de financiamento dessas ideias que são muitas vezes coletivas, com grandes pessoas, grandes artistas também, grandes representações e grandes forças culturais do nosso Brasil para poder seguir contando essa história no máximo de linguagens possíveis. Então, em breve, vêm novidades no âmbito da música, do audiovisual, no âmbito cultural, festival e as tantas esferas que eu acordo.
Danielle – Lancei agora no início do ano um curta-metragem chamado “Secas Tristes” que aborda o assunto sensível de abuso sexual parental, nele dirijo coletivamente com mais duas pessoas, produzo e faço a direção de arte. Outros projetos estão em desenvolvimento com meus roteiristas e equipe, mas são todos para o ano que vem. O “Originários” é um grande projeto nas nossas vidas e nesse momento estou dando total atenção a ele.
MJ – Há algum spoiler que vocês podem dar em relação à série? Já tem data de lançamento? Contem um pouco para nós.
Danielle – Nessa série iremos ter como fio condutor a história e busca de Héloa por esse lugar que também te pertence, como descendente de indígena. As suas memórias e dores se misturam com as memórias e dores desses povos, numa construção que poderemos ver, sentir e entender que todos nós somos Serigy. Ainda não temos data de lançamento, o produto é grande e só finalizará em 2026. Até lá estamos focadas nessa construção.
Héloa – O que podemos dizer é que Originários têm esse compromisso de trazer essa força da diversidade indígena em Sergipe e também da nossa caatinga, dos nossos biomas, que contemplam a força e a cultura do nosso povo, que é completamente baseada na força da caatinga e da força do rio Opará, mais conhecido por todos pelo rio São Francisco. Então vai ser uma série com muitas belezas naturais, mas também com muitas narrativas, muitas trocas. Eu ali como condutora também, junto com esses povos, me colocando mais uma vez como aprendiz e vivendo essa experiência de retomada pessoal, mas de retomada coletiva de todos esses povos que estão retomando seus costumes, suas línguas, retomando as suas terras, os seus territórios. Então, retomar vai ser o grande verbo, o grande norte de Originários que mira num projeto contínuo, pois a gente entende que ainda tem muito mais a ser contado e a gente segue aqui feliz em poder ter a possibilidade de ter Originários contando mais um pedaço, mas com foco em nosso estado tão grandioso.