O litoral sergipano, vital para a reprodução de tartarugas marinhas, enfrenta grave ameaça da poluição luminosa, que desorienta fêmeas na desova e filhotes rumo ao mar. Condomínios residenciais de luxo e empreendimentos turísticos e industriais são os principais responsáveis, agravando o impacto ambiental. Medidas de adequação luminosa são cobradas pelo Ministério Público Federal (MPF) em Sergipe, que já assinou empreendimentos e órgãos públicos.
O litoral sergipano, reconhecido por sua biodiversidade, abriga áreas essenciais para a reprodução das tartarugas marinhas. Na Barra dos Coqueiros, diversas espécies encontram condições ideais para a desova, mas enfrentam um obstáculo crescente: a poluição luminosa. O problema tem dificultado tanto a orientação das fêmeas no momento da desova quanto o retorno ao mar dos filhotes após a eclosão.
A intensa iluminação artificial gerada por condomínios de luxo, resorts e empreendimentos industriais, como a Usina Termoelétrica Porto de Sergipe I, confunde os instintos naturais das tartarugas. Essa luz excessiva desorienta as fêmeas adultas, que podem acabar desovando em locais inadequados comprometendo a sobrevivência dos filhotes. Ao invés de seguir para o mar, esses filhotes são atraídos para regiões urbanas, onde enfrentam maior risco de morte.
O crescimento desordenado e a falta de adequação às normas ambientais amplificam esses impactos. Especialistas alertam que a fotopoluição é uma das ameaças mais graves para as espécies que desovam no estado, contribuindo para o aumento da mortalidade e a redução de populações já ameaçadas de extinção.
O Projeto Tamar, junto ao Ibama e ICMBio, tem desempenhado papel essencial na mitigação dos impactos da fotopoluição na Barra dos Coqueiros. Monitorando a desova e o nascimento dos filhotes, essas instituições trabalham para reduzir os danos e conscientizar a população local sobre a importância da conservação das tartarugas.
Diante da gravidade do problema, a Secretaria de Meio Ambiente da Barra dos Coqueiros foi mobilizada por esses órgãos e acionou o Ministério Público Federal (MPF/SE) em Sergipe para intervir na questão. A iniciativa busca garantir que as tartarugas continuem encontrando no litoral sergipano um refúgio para sua reprodução.
“A iluminação artificial representa um desafio para a sobrevivência das tartarugas. Depois da provocação do Ibama e ICMBio, buscamos o Ministério Público para garantir que a desova e o retorno ao mar aconteçam de forma natural e segura”, afirma Edson dos Santos, secretário de Meio Ambiente da Barra dos Coqueiros.
Edson reforça que a Barra dos Coqueiros é o único município do estado a estabelecer uma distância mínima de 150 metros para a construção de empreendimentos em seus 29 quilômetros de costa. Essa medida, entretanto, não foi suficiente para garantir a reprodução segura e os ajustes são necessários para que a espécie seja protegida.
MPF/SE cobra adequações de empreendimentos
O MPF/SE vem convocando os responsáveis pelos empreendimentos na Barra dos Coqueiros para reuniões destinadas a discutir soluções. Condomínios, resorts e instalações industriais foram notificados a apresentar, em um prazo de 60 dias, projetos para redução da poluição luminosa em suas áreas.
A proposta é ajustar a iluminação, utilizando tecnologias que minimizem o impacto sobre o ecossistema local. Reuniões frequentes têm buscado um consenso sobre as medidas necessárias, com acompanhamento técnico de especialistas ambientais.
“Essa mobilização não é apenas uma questão legal, mas também moral. Preservar as tartarugas marinhas é uma responsabilidade coletiva que envolve todos os setores da sociedade”, enfatiza Ígor Miranda, procurador da República em atuação no MPF/SE. Em até 60 dias, os condomínios deverão apresentar um projeto luminotécnico revisado, alinhado às normas da ABNT 2024, incluindo georreferenciamento e obedecendo ao Guia de Licenciamento para tartarugas marinhas do Ibama/ICMBio.
O material será submetido para análise do ICMBio/Tamar. Além disso, os condomínios assumiram o compromisso de evitar a instalação de postes com luzes direcionadas à praia, abrangendo também a iluminação das residências, e de desligar as luzes das estruturas voltadas ao litoral após as 22h. Também será instalada uma placa informativa com horários de funcionamento, destacando o respeito à reprodução e desova das tartarugas.
Em relação à iluminação pública, foi estabelecido um compromisso com o Município da Barra dos Coqueiros para que, no prazo de 60 dias, contados a partir de 1º de fevereiro de 2025, seja apresentado um projeto de adequação das luzes instaladas diretamente em frente à praia, com destaque para a área da Praia do Jatobá.
Órgãos públicos devem fiscalizar acordo
De acordo com o procurador, os acordos em andamento sinalizam avanços na busca por soluções sustentáveis, mas ainda dependem do comprometimento efetivo de cada empreendimento. A Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) deve exigir dos empreendimentos que solicitem licenciamento ambiental a consulta prévia ao Centro Tamar para avaliação das medidas necessárias à preservação das tartarugas marinhas, especialmente sobre a iluminação.
“Os projetos luminotécnicos devem atender às diretrizes estabelecidas no Guia de Licenciamento Ambiental do Ibama/ICMBio, incluindo especificações técnicas como cor, potência, altura das luminárias e sua localização em relação à linha de preamar, priorizando a minimização do impacto ambiental”, reforça Ígor.
Além disso, conforme acordo ajustado entre todas as partes, a Adema deve também incluir como condicionantes para emissão e renovação de licenças prévias e operacionais, a anuência do Tamar quanto ao cumprimento dessas diretrizes. Também é sua responsabilidade promover a fiscalização das obrigações estabelecidas, bem como justificar, dentro do prazo legal, decisões relacionadas ao cancelamento de licenças e apresentar cópias de licenças previamente emitidas para análise.
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema) deve elaborar e implementar, no prazo de 60 dias, um projeto de adequação da iluminação pública nas áreas de praia e seus arredores, seguindo as orientações do ICMBio. Esse projeto deve prever a troca de lâmpadas brancas por fontes de espectro âmbar (2200 K), instalação de anteparos para evitar que a luz seja visível da praia e ajustes na altura e no posicionamento dos postes para reduzir impactos.
Adicionalmente, a Sema deve garantir que os projetos luminotécnicos revisados sejam submetidos ao Tamar para aprovação antes da implementação. Após a instalação, devem ser realizadas avaliações para confirmar que as medidas adotadas eliminaram ou minimizaram os impactos ambientais, ajustando ou suprimindo luminárias, se necessário.
Preservar é mais do que uma obrigação
A proteção das tartarugas marinhas não é apenas uma questão ambiental, mas também de responsabilidade com as futuras gerações. No litoral sergipano, a manutenção das condições naturais de desova é fundamental para preservar o ciclo de vida dessas espécies, essenciais para o equilíbrio dos oceanos.
Ígor destaca que o planejamento de novos empreendimentos deve considerar medidas preventivas para evitar problemas como a fotopoluição. Tecnologias mais sustentáveis e uma maior integração entre desenvolvimento e preservação são passos imprescindíveis.
A luta pela conservação na Barra dos Coqueiros serve de exemplo para outras regiões costeiras do Brasil. Com engajamento, fiscalização e educação, é possível garantir que as tartarugas marinhas continuem a cumprir seu papel vital nos ecossistemas marinhos.