Hoje, 9 de agosto, é o Dia Internacional dos Povos Indígenas e a Mangue Jornalismo conversou com a cantora, compositora e ativista sergipana Héloa. Faz 16 anos que ela recebeu o acolhimento do povo Kariri-Xocó e se reencontrou com sua ancestralidade. Héloa fala como esse reconhecimento tem sido decisivo na sua jornadas artística.
Héloa é cantora, compositora, ativista, uma multiartista sergipana e em retomada de ancestralidade indígena. Faz 16 anos que ela recebeu o acolhimento do povo Kariri-Xocó. O pajé e cacique Pawanã Crody e o Grupo Sabuká têm importância decisiva no seu processo de reconhecimento.
Nesse período de forte aliança, muitos são os feitos de Héloa, principalmente ao lado do Grupo Sabuká do povo Kariri-Xocó. As marcas e laços dessas relações estão presentes na jornada de Héloa, em seus álbuns, shows e clipes.
“Conhecer sobre a cultura indígena é conhecer sobre a nossa própria história, a história daqueles que já habitavam essas terras antes mesmo da invasão dos colonizadores”, disse Héloa em entrevista à Mangue Jornalismo.
Em sua trajetória, ela já conta com shows históricos em espaços culturais de grande importância para a cena brasileira, como Auditório Ibirapuera, Casa Natura, Casa de Francisca, Sesc São Paulo. Suas andanças atravessam os estados de Sergipe, Bahia, Pernambuco, entre outros.
Um dos trabalhos marcantes de Héloa é o clipe Manifesto, com a canção “Agô”. Nele, entoa-se um lamento e um pedido de socorro pela vida do Opará (nome indígena dado ao Rio São Francisco). O clipe rendeu destaques em festivais, a exemplo do “Demarcação Já” realizado de maneira virtual no canal do YouTube de Gilberto Gil, na pandemia, reunindo importantes nomes da luta pelo marco temporal.
Seu mais recente álbum é yIDé, que tem a produção musical de Carlinhos Brown e Yuri Queiroga e feats com Margareth Menezes, Mateus Aleluia, Lia de Itamaracá, Luiz Caldas, entre outros. Nesse trabalho, o Grupo Sabuká tem forte destaque em duas canções, com gravações registradas na própria aldeia, em meio a Caatinga brasileira, bioma essencial para a vida do povo Kariri-Xocó.
Além disso, em uma das faixas, Héloa convidou apenas as mulheres para celebrarem a força das águas na faixa “Odocyá”, que também tem a participação de Lia de Itamaracá. A partir daí, o grupo feminino se forma com nome Tidzy Sabuká (O canto da mulher da aldeia) que vem para expandir ainda mais a força da mulher indígena e seus saberes.
Para contribuir no registro e preservação do importante legado cultural do povo Kariri-Xocó, ainda em 2023, Héloa e o produtor musical Yuri Queiroga lançaram pelo selo Aláfia Cultural o primeiro EP Musical do Grupo Sabuká, de nome Sabedoria Ancestral, com cinco canções. O registro é uma homenagem a matriarca da família, a anciã Suynara, que faleceu em 2022, em meio a pandemia de coronavírus. O EP traz canções na língua materna do povo Kariri-Xocó, “Dzibukuá”, que está em retomada pelos anciãos e jovens da aldeia.
A Mangue conversou rapidamente com a Héloa sobre esse processo de reconhecimento e ação artística.
Mangue Jornalismo (MJ) – Como foi o processo de retomada de sua ancestralidade indígena e qual é a importância deste processo em sua vida, como ele tem reverberado também em sua arte?
Héloa (H) – O meu processo de retomada se deu ainda na infância, quando tive meu primeiro contato com o povo Kariri-Xocó ainda na escola, quando o Grupo Sabuká ia apresentar um pouco da história da etnia e do povo em um projeto de educação patrimonial realizado por eles e pelas escolas na capital aracajuana. Nossos encontros sempre eram regados de muita intensidade e reconhecimento. O atual pajé Pawanã, que naquela época era muito jovem e ainda não era pajé, criou uma relação de amizade comigo e sempre plantava em mim a semente da curiosidade de buscar mais sobre as minhas raízes. Ele sempre me dizia com muito afeto: você é uma das nossas. Foram muitos anos convivendo com a dúvida e curiosidade de descobrir mais sobre as minhas raízes indígenas.
MJ – Você esteve na aldeia do povo Kariri-Xocó?
H – A minha primeira ida à aldeia aconteceu quando eu já estava cursando Artes Visuais na Universidade Federal de Sergipe. Esse encontro foi arrebatador. Naquele momento eu senti algo muito forte e uma enorme sensação de pertencimento. Estar em solo sagrado me fez entender muito do que eu sentia no meu íntimo, principalmente no que se refere a relação com o Rio São Francisco, reconhecido com Opará pelos povos indígenas, e que está completamente ligado a história e nas memórias da minha família e de meus antepassados. A partir dali eu comecei a trilha um compromisso com essa descoberta e com a causa indígena.
MJ – Mas você mudou para São Paulo, fez outras experiências, mas acabou retornando.
H – Quando migrei para São Paulo e a partir da minha entrega no Candomblé, e entendendo a amplitude das matrizes ancestrais que permeiam a minha história, o desejo de vivenciar ainda mais a experiência em solo sagrado cresceu. Em 2017, eu comecei a viver vários processos ritualísticos na aldeia Kariri-Xocó e tudo passou a se transformar em canções e criações artísticas. Aí eu entendi a minha missão com a arte, através das narrativas decoloniais e engajamento com a luta dos povos indígenas. Foram discos, shows, DVD, entrevistas, revistas, prêmios e destaques que traziam um pouco do meu processo e abraço do povo Kariri-Xocó. Realizamos muito feitos e seguimos realizando, juntos e pensando o melhor para nossa comunidade indígena. E seguimos realizando.
MJ – Como o público recebeu a sua parceria com o Grupo Sabuka Kariri Xocó e o que ele representa para você?
H – O público abraça completamente e se sente instigado a compreender sobre as histórias de suas vidas e a verdadeira história dos povos indígenas e do Brasil, para nós Pindorama. Recebi muito carinho de quem acompanha e se inspira com a minha caminhada.
MJ – Quais são os próximos projetos?
H – Seguindo com o foco na Missão, eu e o Grupo Sabuká Kariri-Xocó, estaremos juntos na Virada Cultural de Belo Horizonte, celebrando o Agosto Indígena com um show intitulado Pindorama Vive que exalta os ritmos tradicionais do Povo Kariri-Xocó (Rojão e Toré), a caatinga e o Rio Opará. Trazendo o protagonismo indígena através da fala, do artesanato, do corpo, dos sons e de toda ritualística. Ainda esse ano estarei complemente imersa nas gravações da segunda edição da série de seis episódios de nome Originários, que foi contemplada pela Lei Paulo Gustavo e trará o contexto histórico, patrimonial, ambiental, cultural e político acerca das três aldeias que resistem em solo sergipano (Xocó, Fullcaxó e Kariri-Xocó) e suas diversas histórias de força, tradição e retomada. E antes do ano acabar, realizaremos a segunda edição do Xirê Toré – encontro de tradições, que teve uma primeira edição com casa cheia, no Museu da Gente Sergipana, falando sobre o protagonismo dos povos de terreiro e de aldeia e a luta contra o racismo.
MJ – Rojão e Toré são….
H – Rojão e Toré são cantos tradicionais desse povo que entoa a força das matas, dos espíritos da floresta, mas também um lamento e grito de luta pela vida e preservação do meio ambiente. Tais cantos são a expressão sagrada e ritualística dos Kariri-Xocó que acompanham os fazeres manuais, os ritos de nascimento, a morte e ressalta o respeito aos anciãos, a alegria das crianças (curumins), a importância das mulheres e dos guerreiros, elevando os protagonismos de todos que formam a comunidade aldeã.
MJ – Fale sobre o Agosto Indígena e de como artistas de modo geral podem ser parceiros dessa causa.
H – Agosto se celebra o Dia Internacional dos Povos Indígenas e a luta em defesa dos nossos biomas e tradições. Essa deve ser uma luta coletiva, focada no meio ambiente, na luta contra o racismo, o genocídio da população indígena. O engajamento nessa luta beneficia a todos e é de extrema relevância buscar exercer a escuta de indígenas de diversas etnias, buscar conhecer, descolonizar o pensamento, ouvir, ler, compartilhar vozes indígenas. Conhecer sobre a cultura indígena é conhecer sobre a nossa própria história, a história daqueles que já habitavam essas terras antes mesmo da invasão dos colonizadores e assim poder lutar por um país mais justo, que garante a luta pelos territórios e preservação das raízes ancestrais do nosso país.
Assista:
HÉLOA, OPARÁ E CHICO | Panorama #CulturaSP. “Opará” vem no ritmo das águas e da musicalidade afro-indígena. Com seu disco, Héloa reverencia seus antepassados ribeirinhos e a ligação do povo do sertão com o Rio São Francisco. A presença ilustre de Chico César enriquece o espetáculo com versos de seu repertório, lamentos, cirandas e aboios. Chico também honra as causas indígenas no Brasil com sua arte e fortalece o Nordeste profundo que existe em Héloa e dentro de si.;