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Centro de Aracaju está em avançado processo de degradação e abandono. Ruínas de prédios históricos públicos e privados denunciam o ataque à memória

Não precisa fazer grande esforço para perceber o avançado processo de descaso, degradação e abandono do Centro de Aracaju. Em qualquer rua ou praça que se vá, o quadro é sempre o mesmo: casas fechadas e algumas em ruínas, monumentos destruídos em praças e ruas inteiras quase desertas, abandonadas.

Também chama a atenção o abandono e degradação de prédios públicos e privados de grande beleza arquitetônica e importância histórica, a começar pela sede da própria Prefeitura de Aracaju, o Palácio Inácio Barbosa, inaugurado na década de 1920 em homenagem ao fundador da cidade.

O palácio está abandonado há 18 anos, quando a sede da administração foi transferida para o Conjunto Costa e Silva. Um tapume mal colocado ao redor do prédio não esconde a violência oficial contra o patrimônio público. Pedaços se desprendem e o mato cresce na estrutura. Lá funciona um estranho estacionamento sem identificação.

Sede histórica da prefeitura do Centro virou estacionamento (Foto Cristian Góes)

Outro prédio público abandonado e em ruínas no Centro de Aracaju é o Museu do Homem Sergipano, localizado na rua Estância, 228, que pertence à Universidade Federal de Sergipe (UFS). No mês passado, a UFS concluiu uma nova licitação e devem ser investidos mais de R$ 3 milhões na reconstrução do museu.

Museu do Homem Sergipano, da UFS, sempre com promessa de reforma (Foto Cristian Góes)

Grande parte do prédio onde fica o Quartel Central da Polícia Militar de Sergipe também está em ruínas e cercado por tapumes. Antes de servir para a força pública militar, esse prédio, de 1914, era o Grupo Escolar Central Siqueira de Menezes. No ano 2000, o centenário prédio foi tombado como Patrimônio Material Cultural de Sergipe, mas isso não significou quase nada para sua manutenção.

Prédio de 1914 onde funcionava uma escola, hoje é a Polícia Militar: descaso (Foto Cristian Góes)

Também no Centro de Aracaju estão abandonados uma série de prédios públicos históricos, como o antigo Ministério da Fazendo em Aracaju, localizado na Praça Fausto Cardoso; o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), na Avenida Carlos Firpo; o Hotel Palace, construído em 1959; o prédio da antiga Alfândega, localizado na Praça General Valadão, onde funcionava o Centro Cultural Cidade de Aracaju.

Prédio do Ministério da Fazenda em Aracaju: completamente abandonado (Foto Cristian Góes)

Destruição do patrimônio arquitetônico privado

Não é apenas o patrimônio público que está em grave situação de abandono e destruição na região central da capital sergipana. Basta percorrer apenas algumas ruas para perceber a rápida descaracterização de casarões privados construídos nos anos 1940, 1950 e 1960.

Alguns imóveis estampam anúncios de “vende-se” ou “aluga-se” e devem perpetuar o esquecimento. Da noite para o dia, muitos prédio privados históricos somem e dão lugar a estacionamentos.

“Estive recentemente a caminhar pela Ivo do Prado, Rua Pacatuba e imediações, e observei um fato: uma quantidade enorme de imóveis comerciais vazios, o que não ocorria há poucos anos atrás. Residências belíssimas construídas em épocas longínquas, absolutamente abandonadas, dando lugar à sujeira, lixo e descaso”, relata Karinne Santiago Almeida, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/SE) em Sergipe, que assina um artigo ao final desta reportagem.

Casas antigas são transformadas em estacionamento. (Foto Cristian Góes)

Sobre a destruição de casas construídas no Centro de Aracaju para dar lugar a estacionamento ou construções consideradas “contemporâneas”, a arquiteta e urbanista Karinne Almeida avalia que trata-se de “falta de cultura patrimonial e urbana”. Para a presidente do CAU/SE, essas ações são “um crime contra a nossa identidade patrimonial e urbana, uma falência cultural, um indício de empobrecimento cultural material de uma localidade consolidada como o Centro de Aracaju”, afirma.

Karinne Almeida: “Falta cultura patrimonial e urbana” (Foto: Arquivo pessoal)

As construções da região central da capital sergipana têm uma identidade única, com ruas em formato quadrangular que se encontram com o Rio Sergipe. Essas características somam a arquitetura civil, religiosa e comercial erguidas seguindo os preceitos dos estilos arquitetônicos da época, principalmente eclético, art déco e modernista. Por isso, a presença destas estruturas, desvalorizadas e negligenciadas, representam não apenas a decadência física, mas também uma perda da rica herança arquitetônica da cidade.

As ruínas da histórica sede do Diário de Aracaju na “Rua da Frente” (Foto: Maiara Ellen)

Karinne Santiago, presidente da CAU/SE, também acredita que as políticas de proteção precisam ser revistas para que estes edifícios não signifiquem empecilhos de ocupações urbanas, pelo bem da sobrevivência.

Para a arquiteta e urbanista, essa revisão precisa acontecer não só em Aracaju, mas em vários centros urbanos que tenham legislações rígidas de adaptações às leis patrimoniais, com restrições estabelecidas pelos tombamentos e seus entornos, e que tornam vários bens com mais possibilidade de uso público do que privado.

É urgente uma política pública de preservação arquitetônica cultural em Aracaju (Foto: Cristian Góes)

Com essas transformações ocorrendo sem a intervenção e fiscalização dos órgãos responsáveis, há uma forte tendência à perda da essência habitacional e histórica da região, o que tem tornado o centro aracajuano um espaço extremamente comercializado, descaracterizado, desabitado e parcialmente esquecido.

“A realidade do abandono das edificações no centro de Aracaju provoca uma avalanche de pichações nos imóveis, propagandas ilegais com letreiros que escondem suas belas fachadas e, ao mesmo tempo, provocam uma sensação de cidade perdida no tempo”, denuncia Karinne Santiago.

Além do prejuízo estético apontado por Karinne, ainda existe o excesso de publicidade que não só esconde a identidade e o passado do centro, mas também sufoca quem circula pelo ambiente. Deixando o lugar caótico, cansativo e estressante. “Esses espaços representam um misto de amor por poucos e ódio por muitos, sendo um local onde muitos trabalham e poucos moram”, lamenta Karinne.

Placas de publicidade apagam completamente as fachadas originais (Foto: Cristian Góes)

O bom exemplo do Sindijus

Um bom exemplo de luta contra o esquecimento e o descaso com a memória cultural e arquitetônica em Aracaju vem do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário de Sergipe (Sindijus).

A direção do sindicato resolveu comprar um prédio na Avenida Ivo do Prado (Rua da Frente) e lá instalar sua sede. O imóvel faz parte de um conjunto de construções, situadas entre os bairros Centro e São José, influenciadas pela arquitetura modernista, que se misturam à história de Aracaju. No Plano Diretor, o imóvel é classificado como patrimônio cultural da cidade.

Nova sede do Sindijus é um exemplo a ser seguido (Foto: Comunicação Sindijus)

Projetada pelo engenheiro Cândido Machado Tavares e ambientada pelo arquiteto Calheiros na década de 1950, a Casa Hora Oliveira, datada de 1956 e concluída em 1960, demonstra a beleza daquela época. Inspirada na casa Souza Freire, o imóvel incorpora a essência do tempo e a amizade entre os proprietários.

A 4 Lados Arquitetura, empresa contratada pelo Sindijus para esse importante trabalho, apresentou um estudo para preservar o imóvel, mantendo sua integridade cultural e histórica.

Segundo Marcelo Ferreira, técnico judiciário aposentado responsável pela obra e coordenador de administração e finanças do Sindijus, os painéis de vidro transparentes no térreo preservam a vista dos pilotis, um elemento essencial do estilo arquitetônico da casa.

Marcelo relata que o sindicato tomou todos os cuidados para garantir a preservação do imóvel, desde as fachadas à estrutura e até mesmo as lousas que ficam na escadaria. “Mantivemos todo o piso de onde funciona hoje a recepção do sindicato, é tudo original dos anos 1950-1960”, detalha Marcelo.

Ele relata que as modificações foram feitas em diálogo com o que já existia no espaço. “Os elementos que foram adicionados até do ponto de vista da preservação ajudam e combinam com a arquitetura modernista”.

No entanto, para que a sede do Sindjus deixe de ser uma exceção e vire uma realidade mais efetiva, é necessário que as políticas públicas intensifiquem o estímulo à ocupação desses imóveis, promovendo o retorno à vida ao Centro para além da comercialização.

ATUALIZAÇÃO (Dia 11/03, às 10h30): A arquiteta e urbanista Deise Eleutério foi entrevistada pela reportagem da Mangue Jornalismo. Alegando que não recebeu destaque na divulgação do material nas nossas redes sociais, ela informou que não autorizava sua imagem e falas na reportagem. Assim, atendendo ao seu pedido, retiramos a sua participação.

ARTIGO: O abandono civil do centro de Aracaju

Karinne Santiago Almeida*


Aracaju, capital de Sergipe, tem 167 anos de fundação e já passou por inúmeras transformações sociais e urbanas. Antes disso, geograficamente surgiu como um povoado às margens do rio Sergipe, próxima da sua foz que deságua para o mar, sendo idealizada para ser uma cidade portuária. Porém, esse detalhe não ocorreu tão prosperamente como seu idealizador Inácio Joaquim Barbosa pensou.

Assim como Teresina, Aracaju nasce projetada em forma quadrangular num local onde as quadras desembocam no Rio Sergipe, diferentemente de muitas das cidades brasileiras, que nascem provenientes de suas condições topográficas, às vezes com relevos irregulares, acentuados e ruas tortuosas.

Nossa capital se ergue sobre solo pantanoso, porém plano. Por volta de 1865, Aracaju se firma realmente como capital, estruturada, iniciando um ciclo de desenvolvimento com alavancamento industrial a partir de 1884 e o surgimento da primeira fábrica de tecidos. Dois anos depois, nasce a imprensa oficial e outras benesses.

Continuando a rota de desenvolvimento, em 1900 há a pavimentação com pedras, além de obras de embelezamento e saneamento. Neste período houve o início de uma Aracaju com uma população de mais ou menos 21.000 habitantes (IBGE) e diversos exemplares da arquitetura civil, religiosa, oficial e comercial foram erguidos, seguindo os preceitos dos estilos arquitetônicos de suas épocas, principalmente eclético, art déco e modernista. Tudo isso fez com que a região do Centro de Aracaju tivesse todo um arcabouço de infraestrutura, serviços públicos e comércio bastante movimentado durante o dia.

Assim como diversos centros urbanos de cidades brasileiras, o de Aracaju representa um misto de amor por poucos, ódio por muitos, sendo um local onde muitos trabalham e poucos moram.

A realidade do abandono das edificações no Centro de Aracaju provoca uma avalanche de pichações aos imóveis, propagandas ilegais com letreiros que escondem suas belas fachadas e ao mesmo tempo provocam uma sensação de cidade perdida no tempo.

Estive recentemente a caminhar pela Ivo do Prado, rua Pacatuba e imediações e observei um fato interessante: a rua Pacatuba com uma quantidade enorme de imóveis comerciais vazios, o que não ocorria há poucos anos atrás, residências belíssimas construídas em épocas longínquas absolutamente abandonadas, dando lugar à sujeira, lixo e descaso.

Segundo Ling, do site Caos Planejado (2012), há uma falência que se repete nas principais metrópoles brasileiras: no centro do Rio de Janeiro, 39 edifícios já apresentam riscos de desabamento. Em Porto Alegre, sejam casarões na Duque de Caxias ou prédios altos na Praça XV, não faltam exemplos de construções abandonadas no Centro Histórico.

Fazendo uma análise fria da degradação espacial no centro de Aracaju, podemos e devemos analisar o tipo de consumidor do espaço habitado nas metrópoles: os clientes dos arquitetos e urbanistas, em sua maioria. Primeiro, analisemos este em relação à sua renda: moradores com rendas mais altas tendem a se afastar dos centros, moradores com rendas médias não enxergam o centro como uma possibilidade segura para moradia e moradores de baixas rendas não são vistos com bons olhos ocupando regiões comercialmente exploradas e geralmente não são incluídos neste tecido urbano, e sim excluídos ou expulsos.

Há ainda a busca por locais menos barulhentos e mais seguros. Os imóveis mais antigos possuem compartimentos pequenos em termos de áreas. As pessoas buscam cada vez mais locais com compartimentos maiores. Nas moradias, várias pessoas necessitam de subsídios espaciais para comportar um ou mais de um automóvel, e as casas do centro muitas vezes não possuem tal possibilidade.

Além disso, há um aumento dos custos de manutenção de imóveis antigos por conta da degradação do tempo. Em alguns casos, há dificuldades de adaptações tecnológicas em vários imóveis antigos, além do aumento das taxas de criminalidade no centro.

Outra questão bastante relevante neste processo é o fechamento de comércios e vida noturna, que faz com que muitas pessoas não queiram viver nestas áreas, além do uso e ocupação do solo restritivo para reformas em imóveis tombados e declarados de interesse cultural, que desanima muitas pessoas a tentar ocupar um imóvel que não possa ser modificado legalmente.

Além disso tudo, a falta de cultura patrimonial e urbana faz com que muitos proprietários simplesmente eliminem (derrubem) seus imóveis para dar lugar a estacionamentos ou a construções consideradas “contemporâneas”. Considero isso um crime contra a nossa identidade patrimonial e urbana, uma falência cultural, um indício de empobrecimento cultural material de uma localidade consolidada como o centro de Aracaju.

O que se conclui sobre essa realidade é que morar em locais como estes requer uma mudança de mentalidade do poder público, que não estimula tais ocupações quando não fomenta padrões de segurança, cultura e lazer para estas áreas durante a ocupação noturna. Há também o empresariado vinculado à especulação imobiliária que não enxerga nem valida áreas que não promovem um retorno de capital satisfatório para eles.

Políticas de proteção também precisam ser revistas para que estas não signifiquem empecilhos de ocupações urbanas pelo bem da sobrevivência não só em Aracaju, mas em tantos centros urbanos que têm legislações rígidas de adaptações às leis patrimoniais, com restrições estabelecidas pelos tombamentos e seus entornos, tornando vários bens com mais possibilidade de uso público do que privado. Isso faz com que o direito à propriedade sobre um bem se torne vulnerável e tais leis façam com que haja a falência gradual da ocupação residencial desses imóveis. Já houve a tentativa também de ocupação popular no Centro de Aracaju, reativando a bandeira do direito de propriedade a populações de baixa renda que também têm o direito à cidade.

Mas sou otimista e soluções precisam ser dadas, talvez incentivos fiscais com relação ao IPTU. Há também uma nova sociedade, que se revela preocupada com a mobilidade urbana e questões ambientais. As pessoas não querem trabalhar longe de suas moradas. Elas querem circular pela cidade a pé, de bicicleta, sentir o cheiro do ambiente.

A prefeitura e o governo do Estado estão investindo em ações culturais em algumas épocas, como no Natal e Festas Juninas, quando o centro ganha vida à noite. Porém, mais e mais políticas públicas precisam incentivar a ocupação desses imóveis para que a vida urbana de Aracaju retorne ao Centro, seu nascedouro, sua origem. Essa é uma conscientização que ainda precisa ser incentivada em Aracaju, com um amadurecimento social futuro.


*Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/SE). É arquiteta e urbanista graduada pela Universidade Tiradentes (2000) e especialista em Design de Produtos (2005) pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB).

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