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Atletas de Sergipe lutam contra o descaso do poder público com o esporte. Sem acesso aos patrocínios, alguns campeões precisam pedir ajuda no semáforo

CAMILA FARIAS, da Mangue Jornalismo
@camila_gabrielle

Raquel de Alcântara pratica karatê há 12 anos. Lucivânia dos Santos é atleta de parabadminton e está representando o Brasil no Chile. Laryssa Souza Andrade é atleta de jiu-jitsu e quer representar o Brasil no campeonato internacional da modalidade. Jonas Soares pratica atletismo faz 10 anos.

Elas e ele têm em comum o amor pelo esporte e um acúmulo de medalhas. Mesmo assim, ainda seguem lutando pela obtenção de patrocínio para continuar a prática esportiva de alta performance.

Raquel, que atualmente recebe só R$ 400,00 do Bolsa Atleta da Universidade Federal de Sergipe (UFS), explicou que em 2022 representou a Seleção Brasileira de Karatê no campeonato pan-americano na Cidade do México e foram gastos em torno de R$ 9 mil arrecadados através de vaquinhas online, por ela e por seus pais.

“Com toda certeza é desanimador não ter o incentivo necessário para a participação em determinados campeonatos, além de dificultar ou até mesmo impossibilitar a participação.  O ano passado fiquei fora da final do brasileiro por falta de dinheiro e isso sem dúvida poderia ter sido evitado com o investimento certo, até porque é uma profissão que nem outra qualquer e isso deveria ser valorizado”, comenta Raquel.

Além disso, Raquel destacou que “ser atleta em Sergipe é lutar constantemente para manter não só os gastos em competições, mas também sustentar uma rotina de treino, suplementação e acompanhamentos que são extremamente necessários para elevar a performance.”

Sim, o atleta não tem gastos somente com a participação em competições. Ele precisa ser acompanhado por profissionais de saúde, educadores físicos e ter suplementação alimentar.

Raquel: “fiquei fora da final do brasileiro por falta de dinheiro” (Foto: Arquivo da atleta)

Lucivânia dos Santos conheceu o padabadmiton por meio do projeto de extensão paradesportivo da UFS. Em 2015, ao identificar outras pessoas com deficiência praticando o esporte com independência, ela decidiu aceitar o desafio. “Antes, eu era totalmente dependente e sentia muitas dores, mas o esporte me deu independência e aos poucos fui melhorando”, explica.

Atualmente, Lucivânia está no Chile representando o Brasil na modalidade. Para essa competição, ela foi com tudo pago pelo Governo Federal, mas explicou que na maioria das vezes, para participar de outros campeonatos, é necessário tirar dinheiro do próprio bolso.

“Até eu conseguir ganhar o Brasileiro, ninguém me ajudava. Depois que veio a bolsa nacional. Eu fazia empréstimo para participar das competições. Eu me sentia muito mal com isso, porque eu estava levando o nome do estado e não tinha nenhum reconhecimento do governo. Se eu não virasse, eu não ia”, destaca. Depois da bolsa, comecei a alavancar”, pontua Lucivânia.

Ela recebe uma bolsa de R$ 400,00 da UFS e até pouco tempo também ganhava da Prefeitura de São Cristóvão, só que o prazo encerrou e ela tentará novamente no próximo ano.

Lucivânia explica que tem amigos que recebem incentivo financeiro e outros não. “Isso traz uma diferença imensa, porque quem não recebe, não consegue participar dos campeonatos, ou precisa ficar escolhendo em qual participar. Além disso, tenho um parceiro de esporte que está pensando em desistir por falta de auxílio”, aponta.

Lucivânia (segunda da esquerda para direita) com a seleção brasileira (Foto: Observatório do Esporte em Sergipe)

Laryssa Souza, atleta de jiu-jitsu faixa azul há mais de três anos, acumula medalhas na modalidade: bronze no Campeonato Brasileiro de 2023, levou duas medalhas de ouro no Salvador Fall Open e ouro no Brasil Cup. Mesmo assim, a atleta explicou que não recebe nenhum investimento por parte do poder público.

Entre os dias 19 a 27 de janeiro de 2024, Laryssa quer competir no Campeonato Europeu, em Paris. Para isso, criou uma vaquinha online, que está disponível em sua rede social, para tentar arrecadar R$ 10 mil e realizou algumas ações de venda no semáforo com a finalidade de conseguir dinheiro para conseguir participar da competição. Colabore com a atleta AQUI.

Segundo ela, ao procurar o Governo do Estado para solicitar apoio na aquisição das passagens aéreas para o campeonato, a resposta foi negativa.

Ela explica que todas as competições que participou são com seu dinheiro ou com algum patrocínio privado. “O esporte é a minha vida, é o meu trabalho. O Estado tem que valorizar mais os atletas que saem do seu próprio estado para representar em competições e infelizmente não somos valorizados”.

Jonas Soares, que pratica corrida, explicou que recebia auxílio da Prefeitura de Japoatã, no valor de um salário-mínimo, mas a verba não foi renovada. “Há vários atletas necessitando de apoio. Muitas vezes já paguei inscrição, transporte, hospedagem, alimentação e no fim você pode ter prejuízo, nem foi uma ou duas vezes”, explica Jonas.

Laryssa: “O esporte é a minha vida, é o meu trabalho” (Foto: Arquivo da atleta)

É urgente o aumento de bolsas atletas estaduais e mais contrações

A atleta de karatê, Raquel, explica que “uma bolsa atleta estadual e a contratação desses atletas que competem representando o estado já mudaria bastante coisa quando se trata de oportunidade”.

Jonas, que pratica corrida, aponta que é essencial que haja reconhecimento pelas entidades, “porque dificilmente eles dão suporte necessário para um atleta. Hoje o esporte é minha principal fonte de renda! É muito importante ter um apoio ou patrocínio, porque vai proporcionar uma tranquilidade econômica, mas temos pouco incentivo”.

A participação e formação de atletas, para além do ponto de vista social, contribui para elevar o nome do estado de Sergipe nacionalmente.

Raquel, do karatê, explica que “são anos de dedicação e suor para apresentar um trabalho digno que merece ser reconhecido e incentivado como qualquer outro para que continue sendo realizado, elevando o nome do estado de Sergipe no cenário Nacional”, conclui.

Lucivânia pontua que o esporte transformou sua vida. “Eu não sei o que eu seria sem o esporte, sou independente por isso. Hoje, faço tudo praticamente só. Mesmo que a pessoa não faça esporte para ser um atleta, ele ajuda na sua transformação como pessoa”, finaliza.

O que existe, desde 2005, é o programa Bolsa Atleta do Governo Federal, criado no Governo Lula. O público alvo são atletas de alto desempenho com bons resultados em competições nacionais e internacionais. O objetivo do programa é que os atletas consigam se dedicar de modo exclusivo.

Em 2023, o programa abriu, a nível nacional, R$ 82 milhões em bolsas para pessoas a partir dos 14 anos.

Segundo publicação do Governo Federal, atualmente, o Bolsa Atleta contempla 6.419 atletas, divididos nas categorias Base (292), Estudantil (241), Nacional (4.794), Internacional (847) e Olímpica/Paraolímpica (245). Os repasses mensais variam entre R$ 370,00 e R$ 3.100,00 de acordo com a categoria.

Jonas: “o esporte é minha principal fonte de renda” (Foto: Arquivo do atleta)

Governo de Sergipe diz que se planeja ofertar bolsas em 2024

Em nota, o Governo de Sergipe informou que continua investindo em programas que incentivam o esporte, como o “Seleções” e “Sergipe no Pódio”.

O programa Seleções paga R$ 50 mil para que as federações sergipanas invistam na formação dos times, com a aquisição de material esportivo, pagamento de técnicos, participação em intercâmbios e capacitação de professores.

No caso do Sergipe no Pódio, a gestão estadual oferece até R$ 20 mil em passagens aéreas para que as federações olímpicas oportunizem a participação dos atletas sergipanos em competições esportivas nacionais e internacionais.

O Seleções, atualmente, de acordo com a nota, atende as federações sergipanas de handebol, futsal e basquete, que cumpriram os requisitos presentes em edital.

O Sergipe no Pódio, além de atender aos requisitos presentes em edital, as federações olímpicas contempladas podem utilizar até R$ 20 mil na compra de passagens aéreas. Não há repasse financeiro às federações, o benefício é concedido apenas na compra das passagens aéreas dos atletas.

A nota informou que desde o início do ano, o Governo de Sergipe investiu mais de R$ 600 mil em passagens aéreas e mais de R$ 450 mil em transporte terrestre para que os atletas sergipanos possam participar das competições.

Para 2024, o Governo de Sergipe, segundo a nota, prepara o lançamento do programa Bolsa Atleta Estadual, que oferecerá auxílio financeiro aos atletas do estado.

Sobre a solicitação de auxílio por parte de atletas que atuam de forma independente, em nota, a assessoria disse que ” o atleta sergipano convocado para participar de uma competição esportiva nacional ou internacional pode solicitar esse apoio da gestão estadual através de ofício protocolado na Secretaria de Estado do Esporte e Lazer, que adota critérios para a concessão de benefícios, baseados no Sistema Nacional do Desporto”.

Porém, o caso da Laryssa traz algumas ressalvas sobre essa contribuição, já que a atleta afirma que não conseguiu as passagens por parte do Governo Estadual e atualmente precisa fazer vaquinha online e pedir contribuições no semáforo.


Mangue Jornalismo entra em contato com prefeituras e recebe poucas respostas

A nível municipal, a Mangue Jornalismo entrou em contato com mais de 25 prefeituras sergipanas para compreender se havia algum tipo de bolsa ou auxílio para os atletas locais.

Porém, obtivemos poucas respostas, sobretudo, negativas. A Prefeitura de Aracaju informou que não conta com bolsa atleta municipal, mas que pretende implementá-la no próximo ano.

As prefeituras de Ribeirópolis, Cedro de São João, Macambira, Maruim, Tobias Barreto e Nossa Senhora da Glória informaram não possuir bolsa atleta também.

A Prefeitura de São Cristóvão conta atualmente com a Bolsa Atleta, partindo de verba municipal, regulamentada pelo Decreto nº 158/2019 com foco no atendimento a atletas e paratletas de desportos de rendimento em modalidades individuais e coletivas reconhecidas pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB).

Ao todo são 16 bolsas distribuídas em três categorias de atletas em São Cristóvão. Porém, a bolsa tem um período e no caso de Lucivânia, foi encerrada. Ela terá que aguardar a abertura do próximo edital para tentar concorrer novamente.

Desde 2019, a Prefeitura de Itabaiana informou que conta com o programa Auxílio Esporte, voltado para atletas de alto rendimento, em modalidades olímpicas e paraolímpicas, que representem o município de alguma forma.

O auxílio é aplicado para o custeio de transporte, alimentação, hospedagem e pagamento da taxa de inscrição para participação. Esse ano, a prefeitura informou que concedeu dez auxílios.

A Prefeitura de Pirambu afirmou que não conta com bolsa atleta, mas sim, uma bolsa estudantil e que auxilia alguns atletas quando solicitado. Não foi informado o número de pessoas atendidas.

A Prefeitura de Canindé de São Francisco informou que não há bolsa atleta, mas sim, um projeto chamado “Craques do futuro”, que atualmente é voltado ao futebol e atende crianças, sendo voltado predominantemente ao público masculino. Não atende outras modalidades esportivas.

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