A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas convidadas possam expressar ideias e perspectivas que estimulem o interesse e o debate público sobre uma temática. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue (que estão na parte de transparência do site), entretanto ele não precisa representar necessariamente o ponto de vista da organização.

Aracaju, a capital de Sergipe, foi variadas vezes e por artistas plásticos diversos, retratada de forma afetiva em pinturas e murais espalhados pela cidade. Artistas naturais de Aracaju como Jordão de Oliveira (1900-1980) ou acolhidos como Rosa Faria (1917-1997), Álvaro Santos (1920-1063), J. Inácio (1911-2007), Florival Santos (1907-1999), Adauto Machado (1950-), entre outros, fizeram telas sobre sua gente, ruas, praças e festas. Dentre os pintores mais recentes, figura o nome do artista Cléber dos Santos Tintiliano (1980-).
Nascido em Propriá/SE, mas radicado em Aracaju por mais de 20 anos, Tintiliano pinta a cidade que lhe acolheu com exuberante carinho e muita dedicação. Atualmente, sua obra pode ser facilmente encontrada em diversos cantos da capital: em vias do centro, em residências, galerias, empresas, repartições públicas, ou mesmo em prédios de poderes do Estado, como no hall de entrada da Assembleia Legislativa.
Autodidata, consta que Tintiliano arriscou suas primeiras pinceladas incentivado pela avó, que fazia pinturas em cerâmica para vender aos turistas na festa de Bom Jesus dos Navegantes, em Propriá. (1) Sua pintura, de traços impressionistas, tem por principal temática, a paisagem do conjunto arquitetônico do centro histórico de Aracaju, mas também de outros espaços de valor turístico dessa cidade.
Da obra de Tintiliano, focaremos com mais atenção a série de gravuras em azulejos, que retratam monumentos e edificações da arquitetura civil e religiosa de Aracaju, em sua maioria, bens imóveis do patrimônio cultural da capital. De antemão, devemos destacar que além dessas gravuras azulejadas, algumas telas do artista, pintadas tanto à óleo ou à aquarela, tiveram os mesmo espaços e paisagens como temática.

As gravuras em azulejo, medindo simetricamente 20 cm tanto de largura e comprimento, formam um conjunto coerente de ilustrações e mostram ao espectador belos exemplares arquitetônicos, geralmente concentrados espacialmente no centro da cidade.
Por ordem, os bens imóveis do patrimônio pintados nas gravuras são: a Catedral Metropolitana no parque Teófilo Dantas; o Palácio Olímpio Campos na praça Fausto Cardoso; as fachadas dos mercados Antônio Franco e Thales Ferraz; o antigo Farol, nas imediações da avenida Murilo Dantas; o Mirante da 13 de julho; os Arcos da Orla da Atalaia; além de parte do centro de Aracaju, no trecho da avenida Otoniel Dória, avistadas a partir do Rio Sergipe, podendo notar algumas edificações como o Maria Feliciana e os mercados municipais. (2)
O olhar do artista, querendo inventariar tudo, é precioso nessas gravuras. Na primeira delas, a composição da pintura é composta por duas árvores justapostas que direciona o olhar do espectador para o centro da imagem, onde avista-se a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (Catedral Metropolitana), construída na segunda metade do século XIX e reformada no início do século XX, onde adquiriu as suas características em estilo neogótico. Esta igreja é um bem tombado pelo patrimônio estadual em decreto de 1985. Em primeiro plano, na frente da principal fachada da igreja, o pintor põe uma provável feirinha de artesanato, que é comum encontrar na praça para quem costuma visitar ou perambular pelas ruas do centro. As cores frias, pintadas na maioria em azul, verde e branco remetem ao bucólico e à saudade.
A segunda gravura apresenta diversos planos e objetos milimetricamente distribuídos na composição. Em um primeiro plano, um transeunte anda diante do obelisco dedicado ao advogado e político Fausto Cardoso (1864-1906). Em segundo plano, em cor alaranjada, o Coreto da praça e, ao centro, em terceiro plano, o Palácio Olímpio Campos, antiga sede do governo estadual (hoje museu), construído em 1863, remodelado no início do século XX e tombado em 1985. Ao fundo, na margem esquerda da pintura, observa-se a Catedral Metropolitana.
Na terceira gravura o destaque é o Mercado Antônio Franco. Este mercado, inaugurado em 1926 durante o mandato de Maurício Graccho Cardoso (1874-1950), aparece na pintura em cor laranja, rodeado por sombreiras distribuídas nas entradas das suas longas fachadas. Ao fundo, em destaque, é visto o obelisco com o relógio da construção. As sombreiras e as cadeiras apontam, durante o dia, para a grande movimentação e procura dos seus bares e restaurantes na oferta de rica culinária aos nativos e visitantes da cidade. As cores quentes em laranja, vermelho (das sombreiras) e amarelo (das cadeiras), transmitem ao espectador uma sensação de calor, que é constante naquele espaço da cidade.

No azulejo seguinte, o canto esquerdo da pintura recorta parte da fachada do mercado vizinho ao Antônio Franco. O Mercado Thales Ferraz, inaugurado em 1949 e atualmente dedicado ao artesanato local, é outra grande atração turística retratada afetivamente no olhar de Tintiliano. Colocado do ponto de vista de quem anda pela avenida Otoniel Dória, damos de frente para um enorme sobrado, na esquina da rua José do Prado Franco com a avenida Coelho e Neto. Tingido em cor rosa, essa construção contrasta em tamanho com o mercado, e é o foco da atenção principal do espectador. Simboliza as antigas construções do velho centro de Aracaju, pedindo urgentemente atenção na sua preservação. Em torno dos imóveis, borrões pintados sugerem os passantes da região.
A quinta, a sexta e a sétima cerâmicas pintadas, redirecionam o olhar afetivo para outros espaços da capital, em direção à zona sul. Uma é dedicada ao antigo Farol de Aracaju. Localizado numa das vias de acesso ao Conjunto Augusto Franco e inaugurado em 1888, o antigo Farol é um dos principais monumentos do patrimônio cultural da cidade, tombado por decreto em 1995. Colocado no centro da imagem, ele se impõe na paisagem moderna, cercada por edifícios, asfalto e carros. Os prédios à sua volta, são pintados em ligeiras pinceladas de azul, roxo e branco. Para sua torre e colunas de ferro, o artista preferiu cores claras e escuras, demonstrando a antiguidade do bem e a sua resistência no tempo. As outras gravuras são dedicadas ao Mirante da 13 de Julho e aos Arcos da Atalaia, dois importantes cartões postais de Aracaju. Nelas, transparece um frescor na rotina de quem vive nos seus arredores. O equilíbrio da composição e das cores, tanto na paisagem que cerca o Mirante e os Arcos, traz calmaria ao observador. Árvores, gramas, ciclistas, passantes do calçadão, os sombreiros dos banhistas, o mar ao longe e mesmo carros estacionados, equilibram a cena. É um idílio em tintas, feito cuidadosamente pelo pintor.

Na última cerâmica escolhida por este articulista, a paisagem é apresentada num ângulo afastado. É parte da cidade – ou melhor -, do centro, vista de longe. Estão presentes os mercados, alguns prédios, torres de comunicação, as águas do Rio Sergipe e, sobressaindo na figura, a vertiginosa construção do Edifício do Estado de Sergipe. Esta edificação, popularmente conhecida como Maria Feliciana, está entre um dos bens do patrimônio de Aracaju com importante interesse cultural. É um dos mais notórios cartões postais de Sergipe. Na pintura, ele reina imponente, causando um grande efeito na paisagem. A gravura em azulejo, disposta em poucas cores com equilíbrio calculado, é mais uma bela ilustração do amor devotado de Tintiliano à Aracaju.

Por fim, as pinturas de Cléber Tintiliano feitas em telas a óleo, aquarela ou pintadas em azulejos, são demonstrações do sincero carinho que este pintor propriaense passou a ter com a cidade que o acolheu. Artista de bom gosto, com técnicas impressionistas, ele mesmo e sua obra, são um patrimônio artístico vivo da cidade de Aracaju, A partir de suas pinturas, Tintiliano e Aracaju passaram a ter uma relação bastante cúmplice, afetiva.
Notas:
- Informações sobre o pintor foram colhidas na reportagem do portal da Prefeitura Municipal de Aracaju. In: https://www.aracaju.se.gov.br/assistencia_social/index.php?act=leitura&codigo=42946. Acesso em: 13 mar. 2025.
- As pinturas usadas para feitura do texto, foram observadas a partir do instagram do artista. In: CLÉBER TINTILIANO. Instagram: @tintiliano. Disponível em: https://www.instagram.com/tintiliano/. Acesso em 13 mar. 2025.
Referência
CARVALHO, Ana Conceição Sobral de; ROCHA, Rosina Fonseca (org.). Monumentos Sergipanos. Aracaju: Secult/Sercore, 2007.

Moisés Santos Souza é graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e professor na rede municipal de Lagarto/SE.