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Aracaju é a 5ª capital do país com escolas públicas e privadas sem áreas verdes

Mais um estudo prova que Aracaju tem graves problemas ambientais e está longe de ser um lugar de qualidade de vida. Uma minuciosa pesquisa revelou que 51% das escolas públicas e privadas da cidade dos ex-cajus e ex-papagaios não têm área verde. Aracaju é a 5ª capital do país nessa condição, perdendo apenas para Salvador, São Luís, Fortaleza e Manaus.

Os dados estão no documento “O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras”, divulgado pelo Instituto Alana em parceria com o MapBiomas e a assessoria técnica da Fiquem Sabendo.

No geral, o estudo mostra que mais de 1/3 das escolas das capitais do país não possuem áreas verdes (37,4%). O levantamento aponta que a ausência de vegetação atinge 43,5% exatamente das unidades de educação infantil, expondo desigualdades no acesso à natureza e maior vulnerabilidade climática de comunidades pobres.

A análise abrangeu 20.635 escolas de educação infantil e ensino fundamental das capitais, considerando vegetação nos terrenos escolares, proximidade de praças e parques, localização em ilhas de calor e áreas de risco climático. A área é considerada verde quando se apresenta vegetada, ou seja, não pavimentada e edificada.

“Essa informação não surpreende, já que grande parte, se não a maioria, das capitais brasileiras não dispõem de áreas verdes em quantidade e distribuição adequada ao longo de seu território”, analisa Myrna Landim, professora titular aposentada/voluntária da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e coordenadora do Núcleo de Ecossistemas Costeiros (CNPq/UFS).

Entre os dados do estudo, destacam-se que 52,4% das escolas situadas em favelas não possuem áreas verdes e que 370,5 mil estudantes estão em unidades localizadas em áreas suscetíveis a enchentes e deslizamentos. Das escolas com área verde, 33% têm até 20% de área verde. Apenas 20,6% possuem mais de 30% de área verde.

Os resultados também evidenciam o impacto do racismo ambiental, uma vez que escolas com maior proporção de alunos negros enfrentam mais desafios relacionados à falta de áreas verdes e ao calor extremo.

Salvador lidera o ranking das capitais com maior percentual de escolas sem vegetação – com 87% das unidades escolares sem verde. Na sequência vem São Luís (55%) e Fortaleza (54%). Na 4ª e 5ª colocações, ambas com 51%, estão Manaus e Aracaju. Na outra ponta, Boa Vista tem a menor proporção de escolas sem vegetação, apenas 5%.

“Esse estudo é um espelho do racismo ambiental, da continuidade das desigualdades como projeto político e da negligência ambiental que temos no estado”, avalia Frances Andrade, bacharel em Engenharia Florestal (UFS) e mestre em Ciência Florestal (UFV).

“Esse resultado é preocupante, já que em zonas mais quentes, como no Nordeste, a arborização é particularmente mais importante para a qualidade ambiental das cidades, garantindo microclimas mais amenos. Infelizmente, a prefeitura da ‘capital da qualidade de vida’ parece ignorar esse fato, permitindo a destruição das poucas áreas de vegetação nativa. A falta de áreas verdes nas escolas parece ser apenas uma outra consequência dessa falta de consciência”, avaliou a professora Myrna Landim.

As escolas públicas têm mais área verde do que as privadas. Entre as públicas, 31% têm mais de 30% de área verde, percentual que cai para 9% nas particulares. A maioria das privadas (85,7%) não tem ou tem até 20% de área verde – ante 56,5% das públicas. No entanto, a proporção de escolas municipais sem área verde (22%) é maior do que a de estaduais sem área verde (17%).

“Embora o estudo não diferencie, nesse percentual, escolas públicas e privadas, é surpreendente a afirmação de que escolas particulares tenham ainda menos áreas verdes que as públicas, considerando que seria lógico supor que pais e mães com maior poder aquisitivo seriam capazes de perceber – e demandar – a necessidade de ambientes mais ‘verdes’ para a educação de seus filhos”, analisa a professora Myrna Landim.

Mapa do documento “O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras” (Instituto Alana/MapBiomas/Fiquem Sabendo).

Escolas sem área verde são uma tragédia na formação humana

“O contato com a natureza é crucial para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes em todas as suas dimensões – cognitiva, emocional, social, espiritual e física. O acesso a espaços verdes incentiva a atividade física, reduz o estresse e o risco de alergias, além de aumentar as habilidades cognitivas e favorecer o vínculo com a natureza”, apresentaram JP Amaral e Maria Isabel Amando de Barros, da coordenação executiva do estudo.

“Como crianças e adolescentes passam boa parte do dia nas escolas, esses espaços podem representar a diferença entre a possibilidade de vivenciar os benefícios de uma rotina rica em natureza ou a ausência dessa experiência, vital na infância. A presença de verde nas escolas se torna ainda mais importante em um contexto de acirramento dos efeitos das mudanças climáticas – inclusive para os próprios estabelecimentos de ensino”, traz o estudo.

Lembram JP Amaral e Maria Isabel Amando de Barros que, para muitas crianças, a escola representa o principal local de experiências relacionadas a brincar e aprender ao ar livre – atividades nem sempre possíveis em outros ambientes em seu cotidiano.

Nesse sentido, naturalizar, revegetar e promover o uso intencional de espaços ao ar livre pode contribuir para garantir às crianças e aos adolescentes oportunidades de brincar, aprender e criar vínculo com a natureza, de modo similar ao que acontece de maneira espontânea em quintais, terreiros, parques e aldeias, contribuindo para a produção de saberes e culturas infantis”, escrevem os coordenadores.

“No Brasil, mais de 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostos à vulnerabilidade climática. Estão desprotegidos em espaços que seriam seguros, comprometendo o seu bem-estar e desenvolvimento integral. Essa ausência de áreas verdes nas escolas, especialmente em regiões pobres, periféricas e majoritariamente negras, agrava essa situação”, avalia Frances Andrade, mestre em Ciência Florestal (UFS).

O estudo destaca que as escolas com pátios escolares ricos em áreas verdes também são espaços mais adaptados para enfrentar a crise climática– com mais sombra, biodiversidade e solo permeável – e mais capazes de favorecer estratégias que pensem o currículo escolar a partir do acesso e do vínculo com a natureza e seus benefícios para a saúde, a educação climática e a sustentabilidade.

“Infelizmente, temos ainda escolas com goteiras e com banheiros sem condições de uso. Nesse contexto, espaços verdes e arborizados não são, ou não deveriam ser, um luxo para poucos, mas condições mínimas para a qualidade ambiental de alunos, professores e funcionários, o que, é claro, tem consequências para o processo ensino-aprendizagem. Eles contribuem para a manutenção da temperatura em níveis aceitáveis e oferecem estímulos sensoriais que favorecem estados mentais mais tranquilos do que os que temos quando estamos em uma ‘selva de pedra’”, pontua a professora Myrna Landim.

Mangue trouxe exemplo de destruição de área verde em escola de Aracaju

Em abril de 2023, a Mangue Jornalismo publicou uma reportagem em que professoras, estudantes e pais de alunos da Escola Municipal de Educação Infantil Professora Áurea Melo Zamor, localizada no bairro São Conrado, zona Sul de Aracaju, imploravam ao prefeito Edvaldo Nogueira (PDT) que na reforma anunciada daquela unidade fosse preservada a área verde da escola, um espaço vital para a formação das crianças.

A reportagem teve o seguinte título: Carta de uma escola ao prefeito de Aracaju: “NÃO QUERO SER DEMOLIDA”. A luta de crianças e professoras contra a destruição da área verde, da história e dos sonhos.

Foram realizadas reuniões e manifestações, principalmente depois que se descobriu que o projeto era de destruir toda área verde da escola para levantar um prédio que a comunidade chamou de caixão de cimento. De nada adiantaram os clamores. Mesmo acionado, o Ministério Público Estadual e o Conselho Municipal de Educação não atuaram e a Prefeitura de Aracaju demoliu a escola, acabou com toda área verde e em seu lugar está sendo levantado, de fato, um caixão de cimento.

Sobre esse desdobramento trágico para a educação e o meio ambiente, a Mangue também noticiou na reportagem: Insensível aos apelos, prefeito manda demolir escola e destrói área verde. Crianças não conseguiram salvar cajueiro e muitas outras árvores, publicada em agosto do ano passado.

“Assassinaram mais de 15 árvores nativas plantadas na escola e que eram parte de um projeto de educação ambiental desde 2010”, lamenta a professora Sandra Beiju. Entre as maiores perdas para as crianças e professoras está a de um frondoso cajueiro com mais de 13 anos de muita sombra, beleza, flores, cheiros e frutos. Também foram arrancados pés de craibeira, umbaúba, abacateiro, seriguela, pés de acerola e uma bela palmeira Buriti. “Foram destruídos os lares de pequenos seres vivos numa área verde que era chamada de quintal da escola”, diz Sandra.

Em outra escola municipal, a Júlio Prado Vasconcelos, também na periferia, também no São Conrado, a prefeitura demoliu o prédio antigo e acabou com a área verde. “A escola já foi entregue e parece uma caixa de cimento vertical, não há espaço suficiente para a criança correr e brincar livremente, toda área da escola é cimentada e o pouco canteiro que tem serve para jardinagem, paisagismo e, pior, com palmeira plantada, uma concepção autoritária e violenta de escola”, denuncia a professora.

O cajueiro e as demais áreas verdes da escola ficaram só nas fotos (Foto Sandra Beiju)

Desde 1975, quando o empresário da construção civil João Alves Filho foi nomeado prefeito biônico de Aracaju pela ditadura civil-militar, a capital sofre violentos ataques ao meio ambiente. A antiga cidade de inúmeras áreas verdes viu avançar a lógica do cimento, do aterro, do concreto e do asfalto sobre esses espaços de respiros e vida.

A Mangue Jornalismo fez reportagem mostrando a relação direta entre a ditadura civil-militar, as empreiteiras, os poderes públicos e a destruição dos manguezais (Ditadura e empreiteiras agiram juntas na destruição de manguezais em Aracaju. Camaradagem público-privada persiste na supressão do ecossistema).

Essa lógica destrutiva, que a narrativa oficial e da imprensa transformou em ações de progresso e modernidade, não aconteceu apenas na Escola Áurea Zamor. Muitas unidades que precisavam de algumas reformas foram completamente demolidas, cobrindo de concreto área verde e acabando com a condição horizontalizada de unidades de educação infantil. E tudo isso, como denunciam professoras, sem consulta à comunidade e com o silêncio cúmplice de órgãos de controle e fiscalização.

“A legislação assegura à criança um ambiente saudável, o acesso à natureza, mas a capital comprova com seus projetos de escola que as crianças do ensino infantil, crianças pobres não têm direito à área verde, à natureza, a conviver e interagir com o meio ambiente. Aracaju não garante e ainda destroi onde existia área verde”, disse Sandra Beiju, que também é vice-presidenta do Sindicato dos Profissionais do Ensino do Município de Aracaju (Sindipema).

Estudo recomenda quatro ações para garantir área verde em escolas

O documento “O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras”, divulgado pelo Instituto Alana em parceria com o MapBiomas e assessoria técnica da Fiquem Sabendo, indica quatro recomendações específicas sobre áreas verdes em escolas:

? Remover o concreto dos espaços abertos disponíveis na escola para criar novas áreas verdes, priorizando espécies nativas, e manter as árvores e a vegetação já existentes no lote.

? Fomentar o plantio e o manejo de hortas, jardins e miniflorestas com os estudantes, a partir de técnicas e conhecimentos de comunidades tradicionais, como quilombolas e indígenas, fortalecendo a relação entre educação ambiental e educação para as relações étnico-raciais.

? Criar pátios escolares naturalizados, integrando-os ao sistema municipal de áreas verdes, abrindo-os aos finais de semana e garantindo que recebam manejo e manutenção, ampliando a oferta de áreas verdes para a população.

? Priorizar essas intervenções nas escolas e territórios onde há menos áreas verdes disponíveis à comunidade escolar e maior vulnerabilidade socioeconômica e ambiental.

Secretaria de Meio Ambiente de Aracaju afirma realizar ações em escolas

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Sema) informou ao contato da Mangue Jornalismo que realiza várias ações nas escolas públicas e particulares, sendo que uma delas é o plantio de mudas frutíferas por meio do Programa Nosso Pomar. Segundo a Sema, essa iniciativa associa o trabalho da equipe da Educação Ambiental da Prefeitura de Aracaju com práticas de arborização nas escolas.

Além disso, informa a Sema, são apresentadas esquetes teatrais (Ujacará e Reino Encantado) e promovidas palestras que englobam principalmente a Educação Básica de Aracaju, de forma integrada com os conteúdos abordados em sala de aula. Somente no ano de 2024, a secretaria garante que já foram realizadas 102 ações.

A nota também enviada para a Mangue, a Sema informa que também desenvolve atividades no Horto Municipal, localizado no Parque da Sementeira, na Unidade de Conservação Parque Natural Municipal do Poxim, em praças e em bairros da cidade. 

“Essas ações têm o objetivo principal de sensibilizar alunos de escolas públicas e particulares, incentivando práticas sustentáveis para a preservação do meio ambiente. A Sema tem o compromisso de levar para a sociedade os ensinamentos necessários”, destacou o secretário municipal de Meio Ambiente, Alan Lemos.

Para complementar, a Sema esclarece que “realiza ainda ações voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e a sua participação na defesa da qualidade do meio ambiente. Nesse sentido, são realizadas atividades por meio de programas e campanhas educativas, como as ações dos projetos Praia Limpa e Carro da Árvore”.



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