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A “renúncia” de Dom João Costa, arcebispo de Aracaju. Uma reflexão e uma proposta

ROMERO VENÂNCIO, especial para Mangue Jornalismo

“Um teólogo está interessado no conteúdo preciso da realidade da fé em todos os tempos, seja ele bom ou mal”, Edward Schillebeeckx. In: “Por uma Igreja mais humana”

A Nunciatura Apostólica no Brasil anunciou, na última quarta-feira, 19 de julho, que o Papa Francisco acolheu o pedido de renúncia apresentado por Dom João José Costa ao governo pastoral da Arquidiocese de Aracaju, em Sergipe. Frade carmelita, Dom João José Costa estava na arquidiocese sergipana desde 2015, vindo da Diocese de Iguatu-CE, quando foi apresentado como arcebispo coadjutor e bispo titular desde 2017.

Na mesma quarta, dia 19, o mesmo Dom João Costa concedeu uma entrevista na rádio Rio FM, de Aracaju, para Fábio Henrique e Marco Aurélio onde afirmou categoricamente que não renunciou e que foi obrigado a fazer tal ato.

Com isto, estamos diante de um real problema que a Igreja Católica Romana resolve de cima para baixo, como sempre resolveu até os dias atuais, apesar dos apelos e postura do Papa Francisco. Obviamente não se trata apenas de uma decisão eclesiástica dentre tantas na história da Igreja. Esse fato ocorrido com Dom João Costa na Arquidiocese de Aracaju merece uma reflexão para além das notas oficiais.

Acabo de ler o livro do teólogo holandês Edward Schillebeechx intitulado: “Por uma Igreja mais humana”, editora Paulinas, 1989. A edição original em italiano é de 1985. O título é sintomático e no seu conteúdo trata dos “ministérios na Igreja” (Católica Romana). A posição do teólogo é um clamor diante da falta de participação interna na Igreja daqueles e daquelas que realmente fazem a Igreja ser Igreja no mundo. A obra faz uma longa história dos ministérios na Igreja desde as comunidades de Jesus passando pela primeira Igreja, a patrística, o período escolástico medieval até o mundo moderno europeu.

O teólogo holandês trata sempre numa perspectiva de como a Igreja foi se fechando cada vez mais e de como o poder ficou absolutamente centralizado nas mãos dos cardeais e Papas. Histórico conhecido na historiografia da Igreja. Nada de novo de um ponto de vista histórico-social. A novidade pode ser vista na leitura teológica bem fundamentada e crítica vindo da pena de um teólogo de renome internacional à época.

Uma “renúncia” nada evangélica

Fiz essa breve incursão e citação para situar bem o problema da “renúncia” do Arcebispo de Aracaju e de como a Igreja Católica tem dificuldades em termos participativos e colaborativos quando o assunto é poder. Mesmo depois de todo o esforço da teologia do Concílio Vaticano II que chegou a falar e fundamentar a “Colegialidade na Igreja”.

O fato da nota da nunciatura juntamente com a confirmação da Arquidiocese de Aracaju dizerem uma coisa e o próprio bispo (agora Emérito) afirmar outra completamente diferente, deveria fazer pensar a todos católicos e católicas. Os rumores da doença de Dom João e sua fraca administração podem perfeitamente ser possível, mas a maneira como foi resolvida a questão ainda assusta e não é nada evangélica. O cuidado humano nas coisas da Igreja tão bem descrita nos “Atos dos Apóstolos” faltou por estas bandas.

Os três equívocos de Dom João

Na nossa avaliação, Dom João cometeu três equívocos em seu curto período à frente da Arquidiocese de Aracaju. Primeiro, o Bispo foi se afastando de uma pequena parcela do clero comprometido com o Evangelho, com os pobres e digna no seu ministério e se aproximou demais, tornando-se refém de uma grande parte do mesmo clero que vivem correndo atrás de poder, bajuladora de oligarcas locais e medíocre teologicamente, sendo muito mais preocupada com delírios fundamentalistas do que com uma pastoral encanada na vida do povo.

Segundo equívoco. Dom João abandonou um laicato ativo, moderno e preocupado com a situação dos mais abandonados em Sergipe. Faltou sensibilidade ao Arcebispo para entender os que trabalham com os pobres na Arquidiocese e os que lutam pelas causas populares.

Por fim, ele se fechou numa administração burocrática e sacramentalista. No fim de tudo, o senhor Bispo ficou só. As notas formais em seu “apoio” são aquelas previsíveis, mas que não têm alma alguma. Dom João não entendeu a situação beligerante interna por que passa a Igreja e que está espalhada nas redes digitais e na vida pública da Igreja. Pagou o preço por isto. Paciência.

Os católicos sergipanos são chamados a colaborar com a democracia na Igreja

Uma proposta. Para que haja mais humanidade na Igreja é preciso que haja mais participação. Todo poder absoluto é solidão absoluta. O projeto cristão não é de solidão, mas de profunda vivência comunitária desde a práxis de Jesus de Nazaré.

Sendo assim, penso que o Conselho de Leigas e Leigos (Conal Arquidiocesano) e a as pastorais sociais da Arquidiocese de Aracaju poderiam chamar uma “plenária diocesana de pastoral do laicato” para avaliar fraternalmente a gestão de Dom João Costa e elaborar uma carta pastoral num espírito de abertura e diálogo para ser entregue ao próximo Arcebispo indicado pelo Vaticano.

Os católicos sergipanos poderiam colaborar mais com a democracia interna na Igreja local. Acredito que evitaria alguns problemas de ordem pastoral, pessoal e administrativo. E poderíamos sonhar com uma real sinodalidade na Igreja como projeta o Papa Francisco. Utopia? sonho impossível? talvez. Mas é preciso expressar as coisas que, aparentemente, não tem jeito.


Romero Venâncio é graduado em Teologia pelo Instituto de Teologia do Recife (ITER), em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em Sociologia pela mesma universidade e doutorado Interinstitucional em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professor de Filosofia na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

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Uma resposta

  1. Muito sério o fato citado na matéria. Não sabia do ocorrido. Concordo com a proposta do professor Romero referenciada ao CONAL. Nos anos 90 este Conselho foi tão atuante e presente em lutas sociais. A democracia participativa precisa ser instigada em todas as instituições e espaços sociais.

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