Apesar da existência de várias manifestações culturais que se constituem como patrimônio imaterial, o estado de Sergipe tem apenas um patrimônio imaterial local com registro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Trata-se do “Modo de fazer Renda Irlandesa tendo como referência este Ofício em Divina Pastora/SE”, que foi registrado em 28 de novembro de 2008 no Livro dos Saberes. Trata-se de um Patrimônio Cultural Brasileiro.
No cadastro de patrimônio imaterial do Iphan existem ainda expressões vinculadas ao estado de Sergipe, mas todas de abrangência regional ou nacional. Por exemplo, o ofício dos mestres de Capoeira, a roda de Capoeira, as matrizes tradicionais do Forró e o Repente são patrimônios imateriais nacionais. Também não são exclusivos de Sergipe o Caboclinho e a literatura de Cordel, consideradas bens regionais. A renda irlandesa de Divina Pastora é a única expressão cultural genuinamente sergipana registrada no Iphan.
Não há outras manifestações imateriais locais em Sergipe que também poderiam ser inscritas no Iphan? Sim, existem, mas não estão. É o caso da culinária sergipana, do barco de fogo de Estância, da Taieira e do São Gonçalo, da peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora Divina Pastora, da procissão de Nosso Senhor dos Passos de São Cristóvão e do Batalhão de Bacamarteiros de Carmópolis.
Esses seis patrimônios imateriais sergipanos já estão reconhecidos oficialmente pelo Governo do Estado, mas precisam ser inscritos para serem considerados Patrimônios Culturais Brasileiros. O que falta? Vontade política. O Governo de Sergipe sequer tem uma secretaria da Cultura. Quem faz esse papel é a Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (Funcap). A Mangue Jornalismo procurou a presidenta da fundação, Antônia Amorosa, para saber se havia alguma intenção da Funcap em formalizar pedidos de inclusão desses bens culturais imateriais de Sergipe junto ao Iphan. A resposta foi uma sugestão de procurar o Iphan.
Ser inscrito como um patrimônio imaterial no Iphan implica no estabelecimento de uma rede de suporte técnico e financeiro para salvaguardar essas importantes manifestações da cultura sergipana e brasileira. Para serem inscritos como patrimônio imaterial pelo Iphan, os bens culturais precisam provar que têm continuidade histórica, possuem relevância para a memória nacional e são referências culturais de grupos formadores da sociedade brasileira. Segundo o Iphan, a inscrição desses bens em um dos Livros de Registro é fruto da instauração e instrução do processo de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial.
A renda irlandesa em Divina Pastora
O modo de fazer renda irlandesa se constitui de saberes tradicionais que foram ressignificados pelas rendeiras do município de Divina Pastora, cidade que fica a 40 km de Aracaju. Trata-se de fazeres seculares que remontam à Europa do século XVII e são associados à própria condição feminina na sociedade brasileira, desde o período colonial até a atualidade, conforme consta no descritivo do Iphan sobre esse patrimônio.
A renda irlandesa de Divina Pastora é “uma renda de agulha que tem como suporte o lacê, cordão brilhoso que, preso a um debuxo ou risco de desenho sinuoso, deixa espaços vazios a serem preenchidos pelos pontos. Estes pontos são bordados compondo a trama da renda com motivos tradicionais e ícones da cultura brasileira, criados e recriados pelas rendeiras”, descreve o documento do Iphan.
O “saber-fazer” é a qualidade mais característica dessa produção, a qual é compartilhada pelas rendeiras sob a liderança de uma mestra, que traçam o risco definidor da peça e esse é apropriado coletivamente. “Fazer Renda Irlandesa é, portanto, uma atividade realizada em conjunto, o que permite conversar, trocar ideias sobre projetos, técnicas e pontos. Neste universo de sociabilidades, são reafirmados sentimentos de pertença e de identidade cultural, possibilitando a transmissão da técnica e o compartilhamento de saberes, valores e sentidos específicos”.
A cidade de Divina Pastora se tornou o principal polo da renda irlandesa em razão de condições históricas de produção vinculadas à tradição dos engenhos canavieiros, à abolição da escravatura e às mudanças econômicas que culminaram na apropriação popular do ofício de rendeira, restrito originalmente à aristocracia.
Veja um documentário público realizado pelo Iphan sobre o “Modo de fazer Renda Irlandesa tendo como referência este Ofício em Divina Pastora/SE”
Proteger o bem imaterial é uma obrigação legal
Está na Constituição Federal Brasileira (artigo 216) que “o poder público – com a colaboração da comunidade – promoverá e protegerá o Patrimônio Cultural Brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento”. No ano 2000 foi criado um instrumento para reconhecer e preservar os bens culturais imateriais (Decreto nº 3.551). Ali nasceu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), executado pelo Iphan.
Foi assim que o “Modo de fazer Renda Irlandesa tendo como referência este Ofício em Divina Pastora/SE” se tornou um patrimônio imaterial reconhecido formalmente, pelo Governo Federal, como Patrimônio Cultural do Brasil. Segundo documento do Iphan, “esses bens caracterizam-se pelas práticas e domínios da vida social apropriados por indivíduos e grupos sociais como importantes elementos de sua identidade”.
Os patrimônios imateriais do Brasil são “transmitidos de geração a geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, sua interação com a natureza e sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade. Contribuem, dessa forma, para promoção do respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”.
Os bens que são reconhecidos por meio do Registro recebem o título de Patrimônio Cultural do Brasil e são inscritos em um dos quatro Livros do registro a partir de sua classificação em uma das categorias de bens culturais presentes no Decreto 3.551/2000 – Celebrações, Lugares, Saberes e Formas de Expressão.
Bens imateriais reconhecidos pelo Governo de Sergipe
Apresentamos um resumo oficial sobre os bens culturais imateriais em Sergipe e que já foram reconhecidos pelo Governo do Estado.
CULINÁRIA SERGIPANA (Lei no 7.682, 17 de junho de 2013) | O Decreto no 27.720, de 24 de março de 2011, reconhece a queijada, o manauê, a bolachinha de goma, o doce de pimenta do reino, o pé-de-moleque de massa de puba, o beiju de tapioca, o amendoim verde cozido, o macasado e o saroio, como Patrimônio Imaterial de Sergipe e dá outras providências. A Lei no 7.682 torna o Amendoim Verde Cozido Património Imaterial do Estado de Sergipe e dá providências correlatas. |
BARCO DE FOGO DE ESTÂNCIA (Lei no 7.690 de 23 de julho de 2013) | O barco de fogo é uma alegoria pirotécnica ligada ao ciclo junino dos festejos populares com ocorrência exclusiva na cidade de Estância. Está associado a uma mistura de carpintaria, engenharia, artesanato, sensibilidade e criatividade, englobando a construção de uma estrutura em madeira cortadas em pedaços milimetricamente marcados para encaixes e apreogamentos. |
TAIEIRA E SÃO GONÇALO (Decreto no. 29.558 de 23 de outubro de 2013) | Manifestações da tradição africana em Sergipe, que se destacam pela continuidade histórica e importância sócio-religiosa, onde o sagrado e o profano se interligam num encontro do sincretismo Gege Nagô com o catolicismo cristão. O São Gonçalo, dança votiva, herança portuguesa na fé religiosa do santo mais louvado da cidade do Amarante. Apresenta no canto e na dança forte presença africana. A Taieira é dedicada a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário e traz a presença afro não só nos elementos da fé, através dos cultos afro desenvolvidos desde sua fundação por Mãe Bilina cultuando seus orixás, mas também cumprindo as “obrigações”, pois é um folguedo de intenção religiosa. |
PEREGRINAÇÃO AO SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DIVINA PASTORA (Decreto no 28.884, de 29 de setembro de 2014) | A peregrinação é um rio de pessoas, com romeiros, promesseiros, devotos, onde o maior afluente nasce especificamente no terceiro domingo de outubro no átrio da Igreja da Imaculada Conceição, na cidade de Riachuelo, e toma por completo a rodovia SE 160 até a esplanada do Santuário, no coração da cidade que tem o mesmo nome, Divina Pastora. O evento tem mais de meio século de existência e agrupa valores religiosos mesclados com aspectos culturais, antropológicos, sociológicos e étnicos. |
PROCISSÃO DE NOSSO SENHOR DOS PASSOS DE SÃO CRISTÓVÃO (Decreto no 29.977, de 06 de abril de 2015) | As procissões de Senhor dos Passos são realizadas aos sábados e domingos, após o carnaval. Os fiéis normalmente chegam sexta-feira, onde à noite reza-se o Ofício da Paixão de Jesus Cristo, seguido da missa. A festa religiosa é um grande encontro de fiéis que a mais de 100 anos mantém viva essa tradição e fé, sendo uma das maiores do Estado. |
BATALHÃO DE BACAMARTEIROS (Decreto no 30.281, de 29 de julho de 2016). | O grupo folclórico surgiu por volta de 1780 nos engenhos de cana do Vale Cotinguiba, onde os negros brincavam samba-de-roda e atiravam com bacamarte, arma artesanal fabricada pelos próprios negros. O batalhão de Bacamarteiros é a maior manifestação cultural do povoado Aguada, em Carmópolis. Até hoje todos os instrumentos musicais, os bacamartes e a pólvora são fabricados pelo próprio grupo. No mês de julho, os componentes do grupo fazem o ritual do pisa pólvora. O batalhão é a prova viva da herança africana deixada na região do Vale do Cotinguiba. |
CRISTIAN GÓES
Imagem: Arquivo do Iphan
Vídeo: Youtube do Iphan
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