JOSÉ FIRMO, especial para Mangue Jornalismo
(@firmo_robalo)
Do ponto de vista histórico e geográfico, Aracaju “nasceu” de Nossa Senhora do Socorro. Ou seja, a Resolução 413, de 17 de março de 1855, transformou a Vila de Nossa Senhora do Socorro da Cotinguiba, cujo território não era apenas o atual, em Aracaju.
Do ponto de vista econômico e social, Aracaju “nasceu” por interesse dos poderosos produtores de cana, destronando a então capital, San-Cristovam, que era uma cidade com condições urbanas estáveis, sendo implantada uma Aracaju no meio do nada, dentro de uma área totalmente inapropriada.
O dispêndio, o prejuízo social, financeiro e ambiental foram muito grandes. Da reação contra a mudança da capital do estado de São Cristóvão para Aracaju, quase não se tem registro, exceto o conhecido caso de João Nepomuceno Borges, também conhecido como João Bebe-Água.
Ignácio Barbosa e as leis provinciais estavam a serviços da fidalguia daquela época.
Do resumo introdutório acima, o que mudou nos 169 anos de Aracaju? Eu diria que praticamente nada mudou.
Assim como em 1855, os atuais donos de Aracaju não somos os mais de 600 mil habitantes de hoje. Aracaju tem pouquíssimos donos, os quais dominam as estruturas de poder e o rol de normas usadas para facilitar esse domínio.
A dinâmica urbana de Aracaju sofre forte interferência do mercado imobiliário. A agressão à flora e à fauna é cotidiana e vem com ares de legalidade.
O espalhamento da cidade em direção ao litoral sul – o pouco que resta de flora e fauna ainda preservadas – se dá de forma veloz e violenta.
Os últimos mandatários de Aracaju, de ambos os poderes, não revisam o Plano Diretor e demais regras urbanas; não licitam e não organizam o sistema de transporte coletivo e a mobilidade no geral; não atendem com equipamentos urbanos básicos várias comunidades e ainda assim não sentem vergonha de olhar na cara e de falar com a população.
Em 2021, sem demonstrar o menor receio, os poderes Executivo e Legislativo de Aracaju, em pleno auge da pandemia da COVID-19 e sem qualquer tipo de diálogo com a população local, de uma só tacada, transformou tudo que era Zona de Expansão Urbana em bairros.
As desculpas dadas foram as mais absurdas. Se agissem com responsabilidade não era sequer para fragmentar a legislação. Porém, se houvesse a real necessidade de atualização, que fosse feito no bojo da revisão do Plano Diretor.
A intenção de integrantes do Poder Executivo Municipal e da maioria dos vereadores não era o que se falou naqueles dias. Paralelamente à mudança de Zona de Expansão (povoados) para bairros, uma série de licenciamentos já vinha sendo gestada. E uma característica desses licenciamentos é a pouca ou nenhuma preocupação com o meio ambiente, assim como a permissividade para se cercar as margens dos rios Vaza Barris e Santa Maria.
Neste ritmo, em pouco tempo o acesso aos rios vai ser um direito apenas de quem puder pagar pelo lote nos condomínios.
O modus operandi de parte dos empresários
Ainda falando do modus operandi de parte dos empresários, está algo que torna a cidade ainda mais refém da destruição: tratam-se de pessoas supostamente representantes da sociedade ou profissionais ditos conscientes, mas que estão a serviço desse invisível progresso.
Um exemplo dessa perigosa relação, testemunhamos no mês de novembro do ano passado, quando, em 21/11/2023, numa audiência pública convocada pela procuradora da República Gisele Dias de Oliveira Bleggi Cunha, justamente para tratar das agressões à flora e à fauna e dos possíveis crimes ambientais em Aracaju.
Pasmem, dentro do MPF, num claro de desrespeito ao órgão e à procuradora -, várias pessoas se fizeram presentes se dizendo representar entidade da sociedade, entretanto, no dia 24/11/2023, a Câmara Municipal de Aracaju realizou uma Audiência Pública, cujo tema foi “O mercado das incorporações imobiliárias e as associações pró-construção no âmbito do município de Aracaju” e aquelas mesma pessoas, participaram da audiência na Câmara Municipal discursando como representantes e defensoras das construtoras.
Assim, os pouquíssimos donos da cidade arranjam meios para dispor do solo urbano, dentro da legalidade e obtendo seus lucros em detrimento da esmagadora maioria da população, sem se importarem com o meio ambiente, com a falada qualidade de vida e com as atuais e futuras gerações.
Esse mesmo povo (os pouquíssimos donos da cidade e os seus serviçais) certamente jurará amores e desejará feliz aniversário à cidade, a qual, aos poucos, ele próprio vai destruindo.
*Integrante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju, especialista em gestão urbana e planejamento municipal.