VALTER DAVI, da Mangue Jornalismo (@davioldantas)
De muitas formas de enxergar o mundo, olhar para aqueles detalhes perdidos e sentir a arte lhe transcender pelo corpo é uma das maneiras de viver entre o limiar da realidade e do imaginário para o artista Fábio Sampaio.
Nascido na cidade de Santos, São Paulo, Fábio teve uma vida de idas e vindas entre sua cidade natal e Aracaju, Sergipe, até enfim firmar suas raízes e receber o título de Cidadão Sergipano, em 2018. Pelos percursos que passou, Fábio foi transpondo para fora os sentimentos que lhe arrebatavam, como as tantas viagens entre os litorais, a política e, principalmente, as pessoas.
A trajetória de Fábio na arte está completando 30 anos. Nesse período, o artista já produziu quadros, pinturas e até intervenções públicas. Mas um ponto em comum em todo o seu trabalho é a preocupação com a forma que as pessoas vivem no mundo.
Em alguns dos seus trabalhos de intervenções, Fábio teve o cuidado de dar destaque para pessoas que são reféns da marginalização. Em seus quadros, o artista utiliza elementos que fazem referência ao mundo que nos cerca hoje, ao usar colagens e montagens, por exemplo.
A Mangue Jornalismo conversou com o artista Fábio Sampaio para entender como é o seu processo artístico e o que as suas artes refletiram nesses 30 anos de carreira. Algumas obras que demarcam o seu percurso durante esses anos estão em exposição na Galeria de Arte Álvaro Santos, até o dia 9 de agosto de 2024, local em que o artista, há 31 anos, ganhou o prêmio do “Salão dos Novos”, projeto cultural da Prefeitura de Aracaju que tem o intuito de expor novos artistas plásticos sergipanos.
Mangue Jornalismo (MJ) – Como você explicaria a sua forma de fazer arte?
Fábio Sampaio (FS) – À minha maneira, gosto de dizer que sou um transplantador apontando para como o deslocamento transpõe os sentidos de uma realidade para outra com fascinantes rastros, que escapam dos estereótipos de pertencimento. Quando vim morar em Aracaju, aos 21 anos de idade, eu trouxe um garoto cheio de sonhos que deixou Santos e para isso decidi fazer um transplante conectando muitos pontos para viver minha nova vida. Um transplante requer muitos processos para evitar rejeição e a arte foi meu código para compatibilidade.
MJ – Você já fez uma exposição de artes que tinha inspiração nas suas transições entre Aracaju e São Paulo. O que tem te inspirado hoje?
FS – Venho construindo uma poética singular que segue vestígios do mundo ao meu redor com referências diretas a noções de pertencer e transplantar. Trago comigo sensações entre a vida em Santos, minha cidade natal, e as vivências das férias na infância e adolescência em Aracaju, berço de minha família materna, para onde me mudei no início da vida adulta.
MJ – Como e quando a arte te encontrou e você começou a vivê-la?
FS – Os encontros sempre aconteceram, mas eu só me dei conta disso na vida adulta, quando me percebi com um interesse quase que compulsivo por arte. A minha poética vem da rua, que é um espaço onde aprendi outras perspectivas da cidade, muito em função do skate. Pra você ter uma ideia, fui skatista a ponto de quase me profissionalizar, ainda em Santos.
MJ – Como é o seu processo durante uma pintura de um quadro? Você cria um esboço e segue esse rascunho, ou deixa seu corpo livre para seguir um caminho que você ainda não sabe qual vai ser o fim?
FS – Minhas pinturas são planejadas a partir de pesquisas, elaboração de imagens, conceito para depois serem executadas com rigor técnico. Mas também acredito que minha produção é fruto de uma intuição muito forte, algo que não sei explicar de onde vem…
MJ – A sua arte te toca de quais maneiras? Como você se sente construindo algo que está dentro de você?
FS – Eu prefiro pensar que a gente é muito a construção do que os outros nos oferecem, somos seres que convivem com o outro. Então essa é uma peça fundamental para o meu processo de construção.
MJ – Você também costuma fazer intervenções artísticas colocando outras pessoas como o centro da arte e da manifestação. Como é esse processo de transcender de uma tela para outros espaços?
FS – Já fiz dezenas de intervenções, ao longo desses 30 anos de carreira, e sempre busco relacionar a produção dessas ações com a inclusão social, por exemplo: de 2001 a 2010, idealizei e fiz a curadoria do projeto “INTERACIDADE”, desenvolvendo várias intervenções, tal como o “Pixadores, Sejam Bem Vindos!”. Ação provocativa que convidou jovens grafiteiros da periferia – em um momento da história das artes em Sergipe que esse tipo de linguagem era marginalizada – a ocuparem um paredão localizado em frente ao Shopping Jardins, com intuito da sensibilização da sociedade frente a uma visão discriminatória. Em 2020, ministrei a “Oficina de Colagem Criativa” no Presídio Feminino (Prefem). Em 2018, a convite do Cine Luso Espírito Mundo, instituição cultural da Bélgica, fiz direção de arte do filme “Cartografia dos Territórios Afetivos”, que aborda a condição discriminatória em que vivem os imigrantes. De 2019 a 2022, integrei a convite da OAB, a Comissão Julgadora do Concurso Cultural de Desenho, Pintura e Poesia da Comissão da Infância, Adolescência e Juventude da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Sergipe (OAB/SE), envolvendo alunos da rede pública estadual de ensino.
MJ – Ao fazer uma pintura, na maioria das vezes, pode ser um trabalho solitário. Já uma intervenção artística, você está lidando diretamente com outra pessoa durante o processo criativo. Como é ter esse contato direto com quem está consumindo e vivendo a sua arte?
FS – Eu acho que tudo aquilo que tenho contato de alguma forma vai aparecer na minha construção e receber a energia das pessoas. O processo de intervenção artística é um processo de crescimento e transformação. É sempre uma energia de acolhimento que me mostra o quanto eu posso me comunicar com as pessoas através das artes visuais.
MJ – A arte ocupa muitos corpos e espaços. Nesses seus 30 anos, como foi transitar entre um e outro?
FS – Eu gosto de gente, do ser humano e essa minha característica tem me ajudado muito porque as pessoas me ajudam a entender o porquê de algumas coisas, de alguns momentos. Eu quero dar um retorno ao modo tão generoso que as pessoas têm comigo, no sentido de canalizar o olhar do outro, dizer essa verdade através da arte.
MJ – Nas suas artes que você brinca com os elementos, coloca para dentro da tela elementos distintos que ao final eles encontram uma harmonia entre si. É assim que você enxerga o mundo? Procurando várias formas em diferentes silhuetas para formar um sentido?
FS – Existem momentos que permitem experienciar verdades, mas é esse lance da arte te encontrar, eu não procuro, ela esbarra em mim…
MJ – Nesses 30 anos na arte, o que mudou para você?
FS – Há exatos 31 anos, quando ganhei o Salão dos Novos, promovido pela Prefeitura de Aracaju, na Galeria de Artes Álvaro Santos, e por isso esse foi o local escolhido para a celebração dos 30 anos de carreira, eu não sabia que passaria por tantos obstáculos que poderiam apenas ser superações mas se transformariam em visitas a territórios de muitas contradições. Em 2001, representei o Brasil na Bienal de Arte Contemporânea de Florença, na Itália. Foram publicados dois livros sobre minha obra, “Self Dreams” (2014) e “(Re)Invenção da Paisagem Doméstica” (2017), ambos do curador Mário Britto. Fui homenageado pela Construtora CELI, em 2010, com o prédio homônimo Fábio Sampaio, no Condomínio Belas Belas Artes, em Aracaju. Em 2018, recebi do governador Jackson Barreto a “Homenagem do Governo do Estado e do Povo de Sergipe” pela grande contribuição à cultura sergipana na área de artes visuais, e me foi concedida a outorga do Título de Cidadão Sergipano. A relevância da minha obra está ratificada em trabalhos acadêmicos: “Fábio Sampaio em Aracaju – uma leitura semiótica das suas intervenções urbanas” de Cyntia Greysiela Santana de Araújo (UFS, 2009); “Fábio Sampaio: O Estado Da Poética” de Fernanda Kolming de Souza (UFS, 2013); “Rio 56: Um Mergulho na Poética de Fabio Sampaio” de Elvacir Luiz dos Santos Neto (UFS, 2023).
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