A Mangue Jornalismo conversou com Ivanilson Martins Xokó. Ele é formado em História pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e lá também é mestrando no Programa de Pós-Graduação em História. Ele estuda “História e Memória da (Re)existência Xokó: narrativas decoloniais e os desafios da autoafirmação identitária indígena no tempo presente (1978 – 2022)”. Ivanilson também faz parte do grupo de Pesquisa em História Indígena no Brasil Republicano (UFAL) e é o diretor do Grupo de Trabalho: “Os indígenas na história/SE”, (ANPUH-SE). Segue a entrevista:
Mangue Jornalismo (MJ) – Ao ler a história de Sergipe, inclusive a oficial, podemos perceber que esse estado foi banhado em sangue nas chamadas “guerras” contra os primeiros habitantes. Mas os relatos dos massacres contra os povos originários quase não aparecem na história. Você acredita em uma história dos vencedores em que os vencidos são silenciados?
Ivanilson Martins Xokó (IMX): Não, após o primeiro contato cultural em 1500, entre os portugueses e nós, povos indígenas, fomos vistos como uma cultura inferior à deles — a ideia era que precisaríamos ser colonizados para sair da “barbárie”. Os europeus, a partir de então, começaram a subjugar as nossas culturas e impor a suas. Os nossos modos de vida locais, sociais e culturais foram sendo silenciados ao longo dos séculos, mas houve muitas lutas de (re)existência ao eurocentrismo. Nós, povos indígenas, sempre lutamos, a historiografia oficial foi quem contribuiu para que a sociedade geral até a década de 1970, acreditasse em uma história dos vencidos, no entanto, estamos (re)escrevendo a nossa história para não ser mais vistos como coadjuvantes, mas sim, como protagonistas da nossa própria história.
MJ: Podemos dizer que a elite em Sergipe construiu o estado de Sergipe apagando as resistências e os genocídios contra os povos originários e, ao mesmo tempo, criando uma história que os indígenas eram colaboradores passivos da “civilização”? Você se sente ou apagado, tudo para esquecer as violências, a escravização, os genocídios, a perda das terras?
IMX: Realmente a História oficial tentou ocultar as (re)existências feitas por nós, povos indígenas, mas isso, como já comentei, foi uma tentativa que quase deu certo. Antes de 1970, a sociedade sergipana não ouvia relatos de povos indígenas vivendo aqui no Estado, isso se deve justamente a tentativa de apagamento pela historiografia oficial, principalmente, após o século XIX, quando o governo da província decretou o final dos aldeamentos coloniais — propagando a não existência de povos indígenas no Estado. Para a sociedade oitocentista, os indígenas não eram mais indígenas, já que estavam misturados com a população geral: a ideia era a de assimilação cultural. O que parte da sociedade ainda não sabe, é que sempre houve (re)existência, inclusive, indígenas Xokó indo até ao Rio de Janeiro no século XIX, para reivindicar às terras usurpadas pela família Brito, na pessoa do coronel João Fernandes de Brito. Então, não me sinto apagado, houve muita luta por parte da minha ancestralidade indígena.
MJ: A violência nessas terras foi tanta que muitos registros ainda no século XVIII dizem que não havia mais um indígena em Sergipe, ou porque morreram, ou porque fugiram para outros estados ou porque foram “convertidos” em caboclos passivos. Isso explica porque a gente não tem uma grande cultura indígena no estado de Sergipe? Só resistindo os Xokó?
IMX: Não, primeiro porque temos povos indígenas em Sergipe. Vale ressaltar, ainda, que em Sergipe temos outros povos indígenas, em Pacatuba, por exemplo, temos os Fulkaxó. Na verdade, há uma falta de políticas públicas mais efetivas nas escolas, ou seja, fiscalização. Todas devem seguir a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 — Diretrizes e Bases da Educação Nacional — (LDB). Mesmo após a efetivação da Lei nº 11.645, de 10 março de 2008, que estabelece a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, pouco se trabalha nas escolas regularmente, isso acaba contribuindo para que a sociedade não conheça os povos indígenas em Sergipe. Percebo que as escolas só trabalham com a temática no dia 19 de abril — dia dos povos indígena.
MJ: Sim, existem os Xokó, na Ilha de São Pedro, entre Sergipe e Alagoas que viviam dispersos entre esses dois estados, eram considerados “caboclos da Caiçara” e somente em 1993 conseguem a titularidade das terras. Esse é mais um exemplo do violento processo de apagamento dos povos originários em Sergipe? Como você avalia essa questão?
IMX: O processo colonial foi bastante pesado aos povos indígenas que tiveram que criar estratégias de lutas para sobreviver esse terrível processo colonial que ainda existe em sua forma colonialista enraizada na sociedade: o que conceituamos de colonialidade. Os grandes favorecidos foram as elites oligárquicas rurais que tentaram de todas as formas ocultar as identidades e os nossos direitos. Em Sergipe, por exemplo, no Alto Sertão de Porto da Folha, a família Brito era bastante influente politicamente, eles tinham pessoas de favores em vários locais do Estado. Iniciamos um processo no século XIX, fizemos várias denúncias as invasões do nosso território, e, somente em 1991, do século XX, após a Retomada decolonial dos povos indígenas com a Constituinte de 1988, conseguimos obter a vitória com a homologação pelo Decreto n° 401, de 24 de dezembro de 1991, da demarcação administrativa da Terra Indígena Caiçara/Ilha de São Pedro, no Estado de Sergipe. Isso significa o nosso reconhecimento Estatal à Caiçara (terra indígena) e a nossa autoafirmação enquanto Xokó.
MJ: Ao que parece o povo Xokó não é o único grupo étnico em Sergipe, mas é o único reconhecido pelo Estado. Muito recentemente, parece que só em 2018 que começam a se organizar os Fulkaxó e os Kaxagó na região de Pacatuba. Como você vê isso, tem acompanhado esse processo? Tem relação com esses parentes?
IMX: Não tenho acompanhado muito esse processo, mas estou ciente dele. É muito importante para o povo sergipano saber que no Estado não existem somente os Xokó. Acredito que nos próximos anos teremos muito mais povos se autoafirmando e buscando seus reconhecimentos perante ao Estado e a sociedade. Sergipe é terra indígena, os povos indígenas estão aumentando, podemos ver pelos últimos dados parciais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo Demográfico 2022/2023, são até o momento 1.652.876 pessoas indígenas no Brasil, o censo de 2010 contabilizou, aproximadamente, 897 mil indígenas.
CRISTIAN GÓES