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“A guerra às drogas tem sido sobretudo contra os territórios e corpos negros”. Em sua luta antiproibicionista, Marcha da Maconha leva às ruas debate silenciado em Sergipe

A primeira Marcha da Maconha ocorreu no Brasil no ano de 2002, desembarcando na capital sergipana no ano de 2011, mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito de as pessoas manifestarem-se em favor do cultivo, consumo recreativo e uso medicinal de produtos a partir da Cannabis.

Atualmente, o protesto ocorre regularmente em pelo menos 15 capitais.Mesmo depois de 22 anos da primeira Marcha da Maconha no Brasil, a sua realização segue provocando reação política conservadoras tentando proibir o ato. Como as manifestações realizadas por vereadores (religiosos e policiais) de Aracaju na Câmara Municipal esta semana.

Foto: Reunião coletivo Marcha da Maconha nos preparativos para o ato

A Mangue Jornalismo conversou Kwame Kwanzaa,  membro do Coletivo Marcha da Maconha Aracaju, sobre os avanços políticos e as consequências mais problemáticas da ausência de espaço de debate honesto sobre o tema: a morte e prisão de jovens na guerra às drogas. “A guerra é contra pessoas, não contra as drogas, que parecem estar mais populares, mais fáceis de encontrar do que há dez anos. A guerra tem sido sobretudo contra os territórios e corpos negros.”

Leia a entrevista na íntegra a seguir:


Mangue Jornalismo (MJ) – Como é organizada a Marcha da Maconha aqui em Aracaju e quais as maiores dificuldades para realização?


Fazemos chamados públicos para participações nas reuniões de construção, onde ocorrem nossas principais deliberações. Tudo é discutido coletivamente e tomamos as decisões sobre trajetos, convites, segurança, reivindicações, estrutura do ato. Também temos um grupo de WhatsApp que ajuda a disseminar as decisões e é um espaço onde trocamos informações sobre o andamento das tarefas definidas nas reuniões.

Sobre dificuldades para realização, acredito que a principal é passar segurança para pessoas, o que significa também criarmos nossas próprias estratégias de segurança.

Temos uma polícia bastante violenta em Sergipe, há um medo constante entre ativistas a respeito de possíveis repressões a nossas reuniões, que geralmente ocorrem em espaços públicos, bem como na ida à marcha. Lidar e superar esse receio talvez seja sempre o principal desafio, que também está ligado ao ato de assumir-se na defesa pública da mudança da política pública de drogas.

Há dificuldades também relacionadas ao pouco orçamento, mas conseguimos marchar mesmo que com pouquíssimos recursos. Há sempre um entusiasmo muito grande entre participantes em poder gritar contra tantas mentiras e desinformações propagadas contra a maconha, bem como há entusiasmo todos os anos em podermos defender seus inúmeros benefícios em nossas vidas.

MJ – Esta semana, políticos conservadores pediram a proibição da Marcha. Como você avalia essa reação?


Nas redes sociais a marcha virou tema na última semana, vídeos conosco fazendo a divulgação do ato, colando cartazes ou comentando sobre a marcha receberam centenas de milhares de visualizações, milhares de curtidas e comentários. Consequentemente um lado mais conservador reagiu e dentre essas reações, as mais extremistas querem o desrespeito da decisão do STF, que libera desde 2011 por meio da ADPF 187 as marchas da maconha ocorrerem. Infelizmente manifestações antidemocráticas se tornaram comuns nos últimos anos e mesmo com todas as consequências delas pessoas ainda se manifestam dessa forma, ou pedem por repressão ao ato por meio das forças policiais.

Em resposta a essa situação enviamos convites a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Defensoria Pública do Estado (DPE) e a Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD) para que estejam conosco domingo, observando possíveis situações de abuso de autoridade ou outras tentativas antidemocráticas de impedimento do ato.

MJ – Por outro lado, no ano passado, a Alese aprovou o Projeto de Lei  de nº 331/2022  que institui a Política Estadual de Cannabis para fins terapêuticos. O que isso significa para militância antiprobicionista? Como você avalia o debate sobre a liberação do plantio e consumo da Cannabis em Sergipe?


A capacitação dos profissionais da Rede Estadual de Saúde foi o ponto da lei que mais conversamos entre nós da Marcha da Maconha de Aracaju, pois até onde temos conhecimento, um número bem pequeno de profissionais prescreve maconha ou algum medicamento derivado dela atualmente em Sergipe. Os valores das consultas estão fora da realidade de boa parte da população, então é extremamente necessário que o governo do estado garanta as condições para que haja de fato uma capacitação ampla de profissionais e que a população que necessita do uso terapêutico possa conseguir prescrição desde as unidades básicas de saúde. 

Sobre cultivo, a lei enfatiza o papel das associações, porém temos apenas uma funcionando em Sergipe e percebemos nas últimas semanas a fragilidade e insegurança gerada por essa situação, que prejudica até mesmo o número significativo, mas ainda bem reduzido de pacientes que precisam de maconha para uso terapêutico no estado.

Temos defendido enquanto movimento antiproibicionista a incorporação portanto da maconha no Farmácia Viva e a descriminalização do autocultivo como medidas para cumprimento do direito de acesso a esse tratamento, extremamente restrito atualmente, mesmo após a aprovação da Política Estadual de Uso Terapêutico da Cannabis.

Sobre consumo, há uma repressão grande, sobretudo nas periferias. Impressionante como o mesmo governador que compreende e defende uso da maconha para fins terapêuticos pelo menos desde 2015, permita que sua política de segurança púbica haja com tanta violência com pessoas que usam maconha e outras drogas nas periferias.

MJ – Sergipe segue sendo o terceiro estado com maior letalidade policial e o tráfico de drogas um dos motivos que mais leva pessoas a serem presas. Como você avalia essa guerra aqui e de maneira mais macro no país?


A guerra é contra pessoas, não contra as drogas, que parecem estar mais populares, mais fáceis de encontrar do que há dez anos. A guerra às drogas tem sido sobretudo contra os territórios e corpos negros, funciona por meio do encarceramento em massa, da militarização das periferias e do abuso de poder praticado cotidianamente pelo estado nesses territórios. Em Sergipe o lado mais cruel disso são as centenas de mortes provocadas por policiais todos os anos e que se superaram em 2023, primeiro ano de governo Fábio Mitidieri.

O Avanço da PEC 45 no Senado, que criminaliza pessoas que usam drogas, demonstra que a manutenção e aperfeiçoamento dessa lógica de guerra, da necropolítica é ainda a perspectiva sustentada pela maioria dos políticos brasileiros e é o que temos buscado combater nas ruas e por meio da Articulação Nacional de Marchas da Maconha. 

MJ – Existe uma cultura hemp entre os jovens aqui na Capital? Como você definiria essa cultura? Origem social, estilo, estética.


Tenho 40 anos, então não sou tecnicamente um jovem, porém de fato estar no Coletivo Marcha da Maconha Aracaju e ser parte da cultura canábica me aproxima de parcela da juventude aracajuana. Vejo uma diversidade muito grande nessa cultura, há presença forte nas cenas de bregafunk, reggae e rap, que tenho mais proximidade. Frequentemente o consumo de maconha é citado nas músicas, bem como presente no cotidiano de artistas e púbico.

Fora desse universo da música, a cultura canábica é bem presente também em rodas nas praças, sobretudo nas periferias; nos campos de futebol desses bairros; nas praias da capital e talvez por isso temos realizado a Marcha da Maconha de Aracaju desde 2011 na Orla da Atalaia.

No geral percebo uma forte diversidade de estéticas, estilos musicais e mesmo origem socias dentro dessa cultura maconheira em Aracaju, apesar de não ter muito contato com as rotinas de uso de pessoas mais abastadas da cidade, seus locais de uso mais privativos e suas vivências com relação à maconha.

MJ – Como você entende a prisão e soltura dos membros da Salvar-SE?


A prisão nos pegou com bastante surpresa. Mantivemos postura de aguardar as partes se manifestarem, fazerem suas defesas antes de formularmos quaisquer entendimentos. Tudo ainda está muito recente e acontece ao mesmo tempo que estamos cada vez mais próximo da realização da Marcha da Maconha, portando fica difícil também para nós acompanharmos o que ocorre no processo que tem mudanças diárias. Porém deixamos sempre aberto o espaço para a diretoria e pessoas associadas à SALVAR para fazerem uso da palavra durante a Marcha da Maconha de domingo.

De toda forma, a soltura da maioria dos membros foi comemorada por nós. Sabemos das péssimas condições dos presídios em Sergipe, que violam direitos fundamentais e geram o que chamam de letalidade prisional, o aumento das chances de morte para quem está ou passa pelo sistema penitenciário. Sabemos também que Sergipe é o estado com maior número de pessoas presas provisoriamente. É alarmante o quanto que o estado usa do encarceramento do encarceramento de pessoas.

No momento dois pontos são mais preocupantes: A continuidade da prisão de um dos membros, que esperamos que seja também solto o mais breve possível e as descontinuidades dos tratamentos de pacientes e dos trabalhos da associação. São cerca de 1300 pacientes associados que estão sem perspectivas de quando e como terão de volta acesso ao uso terapêutico da maconha e seus derivados.

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