EMERSON DE SOUSA, especial para Mangue Jornalismo
Jair Messias Bolsonaro pode até ter perdido a disputa presidencial de 2022, mas os três partidos que, na primeira volta do pleito, se coligaram em torno de sua candidatura – o Partido Liberal (PL), ao qual ele é filiado, o Partido Progressista (PP) e o Republicanos – foram os maiores vencedores daquela eleição.
Essa tríade conquistou governos em seis estados – São Paulo e Tocantins com o Republicanos, Rio de Janeiro e Santa Catarina com o PL e Acre e Roraima com o PP – e passou a conduzir a vida de mais de 73,4 milhões de pessoas e a gerir uma arrecadação de impostos estaduais de aproximadamente R$ 321 bilhões.
No Senado, a vitória foi ainda maior, sendo obtidas por essas agremiações 2 das 7 vagas da região Norte (Rondônia com o PL e Roraima com o PP), 2 das 9 do Nordeste (Rio Grande do Norte com o PL e Sergipe com o PP), 3 das 4 cadeiras disponíveis no Sudeste (os Liberais fizeram um “Hat Trick” com Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo), mais 2 entre as três do Sul (Republicanos no Rio Grande do Sul e o PL em Santa Catarina).
Entretanto, ainda no espaço senatorial, o Centro-Oeste deu a esse trio a totalidade cargos em concorrência. Ao Republicanos coube a representação do Distrito Federal, ao PP do Mato Grosso do Sul e aos Liberais foram dadas às de Goiás e Mato Grosso.
Com isso, o bloco PL/PP/Republicanos atualmente ocupa 21 das 81 cadeiras da Casa Revisora brasileira, onde 11 são do primeiro desses três, 6 do segundo e 4 do terceiro. Lembrando que, com mais 6 assinaturas, esse agrupamento pode solicitar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a hora que quiser.
Por sua vez, essas associações partidárias ainda conseguiram garantir a indicação de 283 dos seus candidatos às 1.035 vagas postas nas Assembleias Legislativas de 26 estados e de mais 7 desses postulantes nas 24 cadeiras da Assembleia Distrital localizada em Brasília.
Com isso, entre deputados estaduais e distritais, o PP com 128 parlamentares, o PP com 86 e o Republicanos com mais 76 são donos de 27% dos assentos dos legislativos das unidades federativas no país.
Registrando que apenas em três dessas – Amazonas, Tocantins e Rio Grande do Norte – não existe uma simultânea presença dos três partidos, mesmo assim, Liberais e Republicanos respondem por quase metade dos deputados estaduais tocantinenses.
Mas está na Câmara dos Deputados a face mais exposta da força política desse distinto trio, demonstrada no pleito de 2022. Nessa eleição, o PL elegeu 99 deputados, o Progressistas 47 e o Republicanos mais 44. O primeiro fez “federais” em 23 estados, o segundo em 18 e o terceiro em 16.
Sim, na Casa do Povo Brasileiro, o terno conservador tem, sozinho, assinaturas suficientes para pedir a abertura de CPI´s e, com a adesão de somente mais 15 colegas, consegue impedir a aprovação de qualquer proposta de emenda constitucional.
Há pelo menos um parlamentar dessas agremiações nos 27 estados e no Distrito Federal e, no âmbito desse mesmo conjunto subnacional, existe uma concomitância de representantes dos três partidos em 13 bancadas estaduais.
Esse trio ainda se apresenta como metade ou mais das bancadas locais no legislativo federal em 7 unidades federativas, a saber: Acre, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraíba, Rio Grande do Norte e no Tocantins. Sendo que, neste último, o PL, o PP e o Republicanos respondem por 7 dos 8 tribunos eleitos.
Nenhuma outra coligação na disputa presidencial viu tamanho desempenho.
Por exemplo, o Presidente Luis Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), venceu o certame em coalizão com mais 9 partidos. Todavia, esses fizeram 123 deputados federais, 5 senadores, 276 deputados estaduais e 7 governadores.
O voto nos Deputados Federais
Ao todo, entre votos nominais e em legenda, o PL, o Progressistas e o Republicanos obtiveram 34,5 milhões de votos para o cargo de Deputado Federal. Aos candidatos e à legenda do Republicanos foram dados 7,6 milhões de votos, já o total de sufrágios no PP foi de 8,7 milhões e aos Liberais lhes coube o inédito montante de 18 milhões de votos.
Com isso, o partido do Sr. Bolsonaro abocanhou uma fatia de 15,9% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados, lembrando que, desde 1998, quando o Partido da Frente Liberal (PFL) arrebatou para si 16,3% dos votos válidos, que esse percentual não é superado.
Já os seus companheiros arrebataram outros 14,9% do quantitativo totalizado, ficando os Liberais com 7,9% e o Republicanos com 7,0%. Em suma, a tríade conservadora levou para a urna 31,5% dos votos válidos para o cargo de Deputado Federal.
Sim, você leu isso, mesmo: 1 em cada 3 eleitores brasileiros votou num parlamentar conservador dessas três associações políticas.
Para o cargo de Deputado Federal, os dois piores desempenhos desse trio foram no Pará, onde ele tomou para si 19,8% dos votos nominais, e na Bahia, na qual essa mesma proporção foi de 24,3%.
Por outro lado, no Tocantins e no Distrito Federal, lugares nos quais os Conservadores ficaram com 43% dos votos nominais para o cargo, e na Paraíba, que lhes deu incríveis 49% da votação apurada.
Se a coligação do Presidente Lula da Silva conseguiu emplacar 3 de seus candidatos à Câmara dentre o conjunto de postulantes mais votado em seus estados (São Paulo, Espírito Santos e Rio Grande do Norte), os Conservadores o retiveram em 13 unidades federativas.
Os Progressistas o fizeram no Acre e em Alagoas, o Republicanos em Roraima, Tocantins, Paraíba e Rio Grande do Sul. Enquanto isso, os Liberais ficaram no topo do pódio no Maranhão, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
E se o assunto for os dez concorrentes mais votados do país, eles também ganham destaque. O PL contribui com 4 dos seus nomes ( Nikolas Ferreira, em Minas, e Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Ricardo Salles, em São Paulo) e o Republicanos com mais 1 (Celso Russomano, em São Paulo).
Não foi por acaso que esse terno capturou para si os três principais cargos na Mesa da Diretora da Câmara dos Deputados.
Ali, o Progressistas, com o Deputado Arthur Lira/AL, tem a Presidência da casa. O Republicanos fica com a 1ª Vice-Presidência, na pessoa do congressista Marcos Pereira/SP, e a 2ª Vice-Presidência cabe ao PL, com Sóstenes Cavalcante/MG.
Um crescente histórico
Contudo, se Roma não foi feita em um dia, esse cenário também não.
Dois desses três partidos são herdeiros da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido do “Sim, Senhor!” da Ditadura Militar (1964-1985): o Progressistas e o PL.
Esse último foi fundado pelo Diplomata e Político Álvaro Valle (1934-2000), que foi Deputado Federal, eleito pelo Rio de Janeiro, entre os anos de 1975 e 1979, compondo os quadros da ARENA.
Além do Sr. Valle, vários outros fundadores do PL eram egressos do antigo partido da Ditadura.
Por seu turno, o Progressistas é o lídimo legatário da ARENA.
Com o advento da Lei 6767/79, que extinguiu o bipartidarismo estabelecido em 1967, a ARENA mudou o seu nome para Partido Democrático Social (PDS) e, depois de sucessivas alterações de denominação, assumiu o atual nome no ano de 2017.
Ficando famoso por ser o partido do ex-governador paulista Paulo Maluf, o PP foi o primeiro agrupamento ao qual se filiou o Sr. Bolsonaro, quando se candidatou ao cargo de vereador na cidade do Rio de Janeiro, em 1988.
De formatação genética governista, fez parte da base de todos os Presidentes da República de 1995 a 2022.
Somente com o mandato Lula III (2023-…) é que essa escrita, até o momento, não está sendo mantida.
Já o Republicanos, de formação mais recente (2003), é considerado como o braço partidário da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e do seu fundador, o Bispo Edir Macedo.
Todos os três fazem parte do agrupamento parlamentar conhecido como “Centrão”.
Se somadas as votações dessas associações, desde o ano de 1998 até 2022, para os cargos de Deputado Federal, quando das eleições gerais, e de Prefeito, nas disputas municipais, pode ser visto que esses vêm num crescendo praticamente contínuo.
Nesses treze pleitos, o Trio Conservador obteve, em média, 15% dos válidos para ambos os postos.
Todavia, se excluirmos os pontos extremos dessa trajetória – 2002 (11%) e 2022 (32%) – essa medida central cai muito pouco, indo para apenas 14% dos votos válidos.
Isso sugere que a opção por esse bloco conservador é relativamente estável.
Mesmo assim, é possível identificar duas fases nessa evolução:
De 1998 a 2008 – Nesse período, a votação dos Conservadores em poucas vezes a marca dos 15% dos votos válidos é alcançada;
De 2010 a 2022 – Etapa na qual a superação da marca dos 15% deixa de ser exceção e passa a ser regra.
Há de se salientar que uma explicação plausível para esse fenômeno é a entrada do Republicanos na ribalta eleitoral brasileira.
Esse partido vem aumentando de modo acelerado a sua participação no bolo eleitoral desde 2008.
Se, nesse ano, ele ficou com apenas 1,5% dos votos válidos para o cargo de Prefeito, em 2022, seus candidatos a Deputado Federal abocanharam 7,1% dos votos nominais.
Logo, não é de todo errado supor que o Republicanos levou para o conservadorismo tradicional uma fatia eleitoral que antes estava distante desse bloco.
Porém, não há como negar que o maior dínamo desse processo foi o surgimento da figura do Sr. Bolsonaro, que deu base popular ao discurso de Extrema Direita.
Dessa forma, é óbvio que o conservadorismo brasileiro deu um salto político nas primeiras décadas do Século XX.
Isso existe, então, a que será que se destina?
Mas qual o futuro dos Conservadores?
Esse é um caminho de pista dupla e essa via tem por elementos de pavimentação dois fatores: 1, A figura de Jair Bolsonaro e a força do Bolsonarismo; e 2, O poder político desses partidos dentro do Congresso Nacional.
Se, mesmo inelegível, Bolsonaro ainda conseguir manter a sua hegemonia ou, por conta disso, surgir uma nova liderança com a mesma inserção popular, os políticos conservadores poderão ainda manter esse espólio eleitoral.
De modo complementar, a força desse bloco dentro do Parlamento pode criar uma fonte de recursos que facilitaria a cooptação de apoiadores, principalmente, nos colégios eleitorais do interior do país.
A depender da combinação dessas duas componentes, os Conservadores podem perpetuar o seu poder no cenário político-eleitoral brasileiro.
Paradoxalmente, assim como o encontro entre matéria e antimatéria, esse Conservadorismo Bolsonarista, de matiz mais popular, pode vir a se chocar com esse de base mais institucional, concretizado pelas representações nos parlamentos brasileiros, com ênfase para o Federal.
E o nódulo central desse conflito tem domicílio no grau de adesão desses partidos ao Governo Lula.
Em parte, eles precisam “jogar para a galera”, demarcando claramente suas diferenças com o atual mandato trabalhista.
Noutro lado, a posse do maior número de páginas do Diário Oficial da União possível exponenciaria o poder por eles hoje detidos.
Contudo, um pouco a mais de um pode causar uma perda considerável do outro.
E esse é um equilíbrio dinâmico, o que significa que ele só pode subsistir se a resultante das forças desse sistema for nula, o que transforma este desafio no 13º “Trabalho de Héracles”.
E será da dosimetria desses ingredientes que vai derivar dos desenlaces da atual realidade em que a política nacional se encontra, principalmente, para a Força Conservadora.
Porém, uma coisa é certa: os Conservadores não vão embora nem tão cedo.
Emerson de Sousa é doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestre em Economia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)