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A esquerda brasileira tem uma dívida com o MST

ROMERO VENÂNCIO, especial para Mangue Jornalismo

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) está sob ataque covarde e oportunista. A direita brasileira espuma à boca quando a palavra MST é pronunciada e quando percebe a relevância pública deste grande movimento. Saibamos todos e todas: a direita parlamentar só queria uma brecha para cair em cima do MST e trabalhar a sua desmoralização pública.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra será a porta de entrada para toda uma campanha contra todas as organizações e partidos de esquerda. Não nos iludamos. Começa com o MST, mas não termina aqui. Há um movimento internacional de extrema direita que cresce a olhos vistos.

O MST tem uma coisa que assusta a extrema direita: a sua capacidade de organização. Que vai das bases até às direções. Trata-se de uma organização que tem uma formação sistemática e com direcionamento histórico-ideológico. O MST fala de socialismo, divulga as obras de Marx e dos marxismos; defende alimento orgânico e sem veneno; é a grande parede contra o agronegócio e seus negócios venenosos.

Isso tudo significa que o MST não é só uma organização de esquerda que vive num mundo teórico ou numa bolha de abstrações inócuas. Trata-se de uma organização que impõe respeito internacional. É a maior organização da esquerda na América Latina. Uma extrema direita virulenta, fundamentalista e golpista jamais poderá tolerar a vida pública do MST.


A Escola Florestan Fernandes é uma provocação para as direitas

A extrema direita brasileira sabe da existência da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Uma escola com formação sistemática, continuada, de qualidade teórica e com educadores de renome internacional que assumem aulas e publicações em caráter totalmente voluntário. Isto é uma provocação às direitas nesse Brasil em transe.

O privilégio de ter uma educação de qualidade e de ponta não pode ficar nas mãos de uma organização de origem camponesa. Num país de herança escravista brutal e estrutural, a existência de uma escola como a ENFF é uma ameaça. A esquerda não pode ter uma “escola de quadros” em aliança com amplos setores universitários. Torna-se uma humilhação para esta extrema direita.

A escola vira ódio e ressentimento nas mentes olavistas. Aqui merece uma observação fundamental: no fundo, este era o projeto de Olavo de Carvalho para a direita brasileira (estudo o “projeto político-pedagógico” de Olavo de Carvalho e sua incompreensão pela direita olavista. Eles falam de Gramsci sem entender uma frase sequer). Ou seja, a direita brasileira queria ter um “MST das direitas”.


Uma dívida para a esquerda brasileira

O tema deste breve texto é chamar a atenção do quanto a esquerda brasileira deve ao MST nesta atual quadra histórica. Recuperando a memória dos difíceis anos 90 e de sucesso das políticas neoliberais. A vitória de Collor e depois de FHC e ainda o fim do regime soviético parecia nos dizer que era o fim do socialismo. Falava-se de “fim da história” e outras bobagens mais.

A queda do muro de Berlin em 1989 já tinha sido uma pancada forte e um desnorteamento das esquerdas mundiais. Mesmo aquelas esquerdas que não reivindicavam o antigo Leste Europeu e a URSS, sentiram o baque. Não foi fácil. Um desânimo generalizado e o abandono de muita gente parecia o último suspiro do projeto socialista. Lembremos: o MST foi nossa esperança.

Na primeira metade dos anos 90, mantiveram as lutas no campo, a formação marxista, a recuperação e valorização das obras dentro de Marx, Engels e Lenin. O MST falava de Marx, estudava a história do marxismo em todos os lugares onde existisse uma lona preta ou um assentamento. Quantos de nós não fomos aos assentamentos falar de marxismo (quando já não podíamos mais falar de marxismo nas universidades) para camponeses? Não podemos esquecer.

Resumindo: Se existe uma esquerda viva hoje e mesmo com todas as suas contradições, isto tem alguma dívida com o MST, que se manteve firme nos momentos mais cruéis para ser de esquerda nesse Brasil e não faz tanto tempo assim.

A esquerda brasileira hoje, de todas as matizes, não pode abandonar o MST. Tem uma dívida histórica com esta organização. A solidariedade proletária sempre foi uma marca e uma dignidade de todos os socialistas. Depois voltamos as nossas brigas internas. Agora é todo apoio ao MST e contra esta CPI hipócrita e revanchista. Este parlamento desqualificado em sua maioria não está à altura do MST e de seu projeto histórico.


Romero Venâncio é graduado em Teologia pelo Instituto de Teologia do Recife (ITER), em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mestre em Sociologia pela mesma universidade e doutorado Interinstitucional em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professor de Filosofia na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

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