A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) disponibiliza dados interessantes de registros em cartórios. Um deles é sobre os chamados “pais ausentes”, ou seja, números de crianças registradas sem o nome do pai no Brasil.
Em Sergipe, de 2016 até o ano passado, os cartórios emitiram 13.794 registros de certidão de nascimento apenas com o nome da mãe do recém-nascido, cerca de 5,4% do total de registrados. Nesse período, foram registradas no estado 253.298 crianças.
Entre os municípios sergipanos, Pedrinhas é o que apresenta o maior índice de pais ausentes. No período de 2016 até 2023, foram registradas na cidade 740 crianças, sendo 80 delas sem pai no documento, ou seja, 11% dos registros. Na sequência vêm Riachuelo e Rosário do Catete, ambos municípios com 10% de registros de pais ausentes.
Em 2023, dos 28.885 registros de nascimentos, 1.864 crianças ficaram sem o nome do pai. Em Aracaju, por exemplo, das 9.081 certidões de nascimento emitidas pelos cartórios no ano passado, 516 crianças não tinham no documento o nome do pai, ou seja, 6% dos registrados.
Somente em 2023, de 1º de janeiro até 31 de dezembro, foram 172.624 crianças que nasceram e foram registradas somente com o nome da mãe em todo o país.
Aumento de número de pais ausentes
No caso das relações heteroafetivas, a responsabilidade de criar um filho deveria ser dividida entre o pai e a mãe. Contudo, o número de crianças registradas com pais ausentes no ano passado foi o maior dos últimos seis anos, um aumento de 14.940 entre 2018 e 2023, o que representa um aumento de 9% no número de crianças registradas sem anotação de paternidade.
Por outro lado, a quantidade total de nascimentos registrados no ano passado é a menor da série histórica, com 314 mil registros a menos (-11%) no período. Os dados foram analisados pela Agência Tatu e coletados do portal da Arpen-Brasil.
Quando observados os dados por região do país, de 2018 para 2023, o Norte teve aumento de 45% nos registros de nascimento com pais ausentes; em seguida, o Nordeste aparece com o segundo maior percentual (12%), o Sul com 6% de crescimento e o Sudeste com 1%. Somente a região Centro-Oeste teve redução no número de certidões sem o nome do pai, com uma queda de 10% no período analisado.
Entre os estados do Nordeste, o Piauí foi o que teve o maior aumento nos registros de nascimento com pais ausentes nos últimos seis anos, com crescimento de 89%, sendo o segundo maior aumento no Brasil, ficando atrás somente do estado do Amazonas, que quase dobrou com 98% registros a mais.
Outros estados do Nordeste que também indicaram aumento foram Bahia (30%), Ceará (10%), Maranhão (7%), Rio Grande do Norte (7%), Pernambuco (6%) e Sergipe (1%). Apenas Alagoas (4%) e Paraíba (19%) tiveram redução no índice. Confira o detalhamento no gráfico abaixo.
Reconhecimento de paternidade
No Brasil, o registro de nascimento, quando o pai for ausente ou se recusar a registrar o filho, pode ser realizado somente em nome da mãe que, no ato de registro civil, pode indicar o nome do suposto pai ao cartório, que encaminhará as informações ao juiz responsável, dando início ao processo judicial de investigação de paternidade. Veja aqui a lei sobre esse investigação.
Caso a pessoa apontada como pai reconheça a paternidade de forma espontânea após solicitação do juiz, é providenciada a averbação desse reconhecimento no registro de nascimento da criança.
Enquanto foram emitidas 15.794 certidões de nascimento em Sergipe com pais ausentes de 2016 até 2023, os dados mostram que somente 1.177 crianças tiveram o reconhecimento de paternidade voluntária ou judicial.
Em todo esse período, apenas nos municípios de Aracaju, Siriri, Brejo Grande, Areia Branca, Ribeirópolis, Simão Dias, Capela, Carmópolis e Itaporanga D´ajuda tiveram casos de reconhecimento de paternidade.
Em 2023, o número de reconhecimento de paternidade no país foi de 35.358, um aumento de 31% em relação a 2018, e de 8% em comparação com 2022. O dado abrange todos os casos em que o pai reconheceu a paternidade do filho de forma voluntária, após indicação da mãe ou, ainda, pelo próprio pai que deseja confirmar paternidade.
Suposto pai tem que fazer teste de DNA
Já nos casos em que a pessoa apontada nega a paternidade que lhe foi atribuída ou simplesmente não comparece em Juízo, a averiguação de paternidade é remetida ao Ministério Público, que inicia procedimento administrativo, no qual o suposto pai deve realizar um teste de DNA. A recusa ao exame já presume o reconhecimento de paternidade, segundo jurisprudência.
De acordo com a advogada e membro da Comissão Especial da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), Lívia Lopes, a lei prevê que o pai tem o dever legal de prover sustento à criança, independentemente de ter ou não o nome registrado no documento.
“Se houver a comprovação da paternidade, seja por reconhecimento ou por decisão judicial, o pai é obrigado a pagar pensão alimentícia para o sustento da criança. (…) Essa ação pode ser movida mesmo que o pai não tenha o nome no registro da criança, desde que haja comprovação da paternidade”, explica Lívia Lopes.
Para a advogada, os estigmas associados à maternidade solo, pressões sociais ou mesmo questões ligadas a relacionamentos instáveis podem contribuir para a ausência do nome do pai no registro. “Muitos pais podem estar ausentes no momento do registro ou optam por não reconhecer os filhos, seja por questões emocionais, financeiras ou sociais”, argumenta Lívia Lopes.
A advogada ainda menciona que o exame de DNA, que comprova a paternidade, pode ser um obstáculo para algumas famílias, especialmente para aquelas com recursos financeiros limitados, o que faz com que muitas mães desistam de ajuizar ação para reconhecimento de paternidade, pois acreditam que o processo é complexo e moroso. Mas, nestes casos, também é possível solicitar o exame gratuitamente junto à Defensoria Pública.
Desafios para as mães solo
Além das dificuldades no reconhecimento da paternidade para o registro civil, ainda existem os desafios que as mães solo enfrentam na rotina diária durante a criação do filho.
Conciliar trabalho, vida pessoal, afazeres domésticos e ainda cuidar das necessidades da criança é uma jornada comum para as mães brasileiras que vivem uma rotina extremamente cansativa. Esse é o caso da Alice Souza*, que é mãe solo de um adolescente diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA).
Para Alice, assumir o compromisso sozinha de criar um filho é exaustivo, mas ainda assim é preferível do que viver com uma pessoa que cria problemas o tempo todo e não consegue manter um ambiente acolhedor e confortável, se referindo ao pai.
“Sinceramente, acredito muito na frase ‘antes só do que mal acompanhada’. É muito mais estressante conviver com uma pessoa que cria um ambiente de insegurança e medo. A sobrecarga de tarefas, a gente dá um jeito. Mas quando eu fecho a minha porta e coloco meu filho para dormir, quero que os problemas fiquem do lado de fora”, desabafa Alice.
O valor recebido de pensão alimentícia é também um argumento mencionado por Alice quanto às dificuldades em ser mãe solo. “Ele pagava uma pensão muito baixa, que era um terço do salário mínimo e ainda conseguiu reduzir para cerca de duzentos reais, alegando que eu ganho o suficiente para sustentar nosso filho sozinha”, relata.
A advogada Lívia Lopes explica que a mudança de cenário depende de alguns fatores. “Uma abordagem combinada que inclua políticas legais, programas sociais, educação e apoio psicossocial pode ajudar a mudar esse cenário, promovendo uma maior presença e envolvimento dos pais nas responsabilidades diárias com seus filhos após o registro”, finaliza.
Veja aqui os dados completos da pesquisa sobre registros e paternidade
*Alice Souza é um nome fictício dado para a entrevistada que preferiu não ser identificada devido aos processos judiciais que enfrenta relacionados ao pai do seu filho.
Da Agência Tatu o texto é de Karina Dantas