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Sem concurso para professores há quase 13 anos, Sergipe vê êxodo de educadores e precarização do ensino

Dados de 2023 informam que 30% dos professores da rede estadual sergipana tem contrato temporário. Falta de concurso público em Sergipe e em sua capital, Aracaju, empurra professores para estados vizinhos, como Alagoas e Pernambuco.

Ainda no primeiro ano da licenciatura em História na Universidade Federal de Sergipe (UFS), o aracajuano Nilton Santana passou no concurso para professor da rede estadual sergipana de educação básica. O cálculo que ele fez foi de que o Governo de Sergipe demoraria a chamar os aprovados para tomar posse de seus cargos, dessa forma dando a ele o tempo necessário para concluir a graduação. Contudo, daquela vez a convocação aconteceu apenas cerca de seis meses após a divulgação do resultado final. Mal sabia Nilton que aquele concurso público de 2012 seria o mais recente para professores estaduais em Sergipe.

Se por um lado não há concursos para professores efetivos em Sergipe há mais de uma década, por outro as diferentes gestões estaduais – e também municipais – dos últimos anos realizaram inúmeras seleções por Processo Seletivo Simplificado, o chamado PSS. Essa modalidade é específica para a contratação de funcionários temporários e é permitida pela Constituição Federal, que limita sua aplicação em casos de “necessidade temporária de excepcional interesse público”.

Em Sergipe, a Lei Estadual n° 9.298 promulgada em abril de 2023 estendeu para dois anos o período de renovação de contratos via PSS, passando então a ter prazo máximo de quatro anos de duração total. Com essa ampliação, funcionários temporários têm a possibilidade de permanecer em seus cargos durante toda uma gestão do poder executivo no estado e em seus municípios, o que levanta especulações sobre possíveis consequências negativas para a abertura de concursos.

Em levantamento exclusivo da Mangue Jornalismo em parceria com a Liga Acadêmica de Dados da Universidade Federal de Sergipe (Ladata-UFS), a reportagem contou 2399 profissionais da educação básica com contrato temporário na rede estadual sergipana listados na folha de pagamento de setembro de 2024. Destes, 179 têm dois vínculos com a Secretaria de Educação e Cultura de Sergipe (Seduc-SE), comandada pelo vice-governador Zezinho Sobral (PSB). Ao todo, são 2578 registros de professores temporários em todo o estado.

A situação de Sergipe reflete uma tendência nacional de redução dos quadros de funcionários permanentes na educação pública por meio do aumento de temporários.

Ocenso escolar do ano passado, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), informa que Sergipe é o sétimo estado em porcentagem de professores efetivos na rede estadual, com 68,8%. À sua frente estão estados com percentuais muito maiores, nomeadamente Rio de Janeiro (95,6%), Rio Grande do Norte (93,7%), Pará (93,5%), Bahia (92,8%), Amazonas (90,2%) e Amapá (68,9%). Em último lugar está Minas Gerais, com apenas 19,2%.

Tabela elaborada e divulgada pelo Censo Escolar 2023, realizado pelo Inep. Imagem: Reprodução/Inep.

Uma das consequências mais óbvias desse movimento – também visto no sistema de saúde estadual de Sergipe – é a migração de profissionais, muitos deles altamente qualificados, para estados onde a realização de concursos públicos para a educação básica ocorre com alguma frequência.

Êxodo de Sergipe para estados vizinhos

“Durante algum tempo eu tentei fazer outras coisas aqui em Sergipe, porque a questão da empregabilidade quando se está iniciando é muito difícil, [mas] eu não me vejo fazendo outra coisa a não ser dar aulas de história”, disse Nilton à reportagem da Mangue Jornalismo. Com mestrado em História (UFS) concluído em 2017, ele é hoje professor efetivo da rede estadual de Alagoas e também ensina em uma escola da capital sergipana.

Não bastasse a divisão entre Aracaju e a cidade alagoana de Arapiraca, Nilton faz outros malabarismos para encaixar sua rotina com a da esposa, a doutora em Geografia (UFS) Fernanda Flores, que possui contrato como professora temporária da rede de educação aracajuana e é concursada da Polícia Militar da Bahia. O casal tem uma filha de pouco mais de um ano e se divide com os pais dele nos cuidados com a bebê. “Eu resolvi não pensar muito, senão eu fico triste”, resumiu Nilton.

Nilton, Fernanda e a filha do casal, Heloísa. Foto: Arquivo pessoal/Nilton Santana.

Sua vida entre dois vínculos empregatícios e dois estados espelha a de muitos profissionais da educação básica em Sergipe que precisam se equilibrar entre endereços ou se mudar de vez para outro estado por não conseguir estabilidade profissional e financeira exercendo a docência em solo sergipano.

Foi tão grande a procura por Alagoas nos concursos mais recentes, por exemplo, que há um grupo no WhatApp chamado “Sergipanos na edu de AL”, com 114 professores concursados do estado, um deles o Nilton.  

Licenciadas em Letras Português/Inglês pela UFS, Natalia Barbosa e Mariana Loureiro foram aprovadas em 2021 em concurso também da rede estadual de Alagoas e desde 2022 residem em Maceió. As duas tinham experiência apenas na rede privada de Sergipe, com Mariana ensinando em escolas particulares e cursinhos de inglês, e Natalia acumulando horas em até três escolas em um mesmo período de sua carreira na educação.

“A gente era horista, e o inglês tem uma carga muito reduzida [no ensino básico]. Então, você trabalha duas horas por semana numa turma só. Para você chegar no nível de ter 40h, você tem que estar trabalhando em um monte de escolas ou então em um monte de turmas”, explicou Mariana em videochamada ao lado da namorada e colega de profissão.

Mariana destacou que hoje recebe o que considera ser um salário digno, e Natalia esclareceu que mesmo sendo professora de Língua Inglesa “e outras coisas, porque com esse Novo Ensino Médio, eu dou cada matéria que você nem sabe”, financeiramente vale a pena, pois recebe o dobro do que ganhava no tempo de jornada tripla entre instituições particulares de ensino.

Mariana Loureiro (esq.) e Natalia Barbosa (dir.), professoras de Língua Inglesa da rede estadual de Alagoas. Foto: Arquivo pessoal/Natalia Barbosa.

Diferentemente da prática em Sergipe, em Alagoas os editais possuem uma quantidade específica de vagas e não há cadastro reserva. Isso supostamente significa que, assim que o estado identifica a necessidade de mais profissionais, uma nova chamada via edital será aberta, permitindo constância na entrada de professores efetivos na rede estadual. Porém, há quem argumente que a não criação de cadastro reserva estimula a manutenção de número significativo de contratados paralelamente aos funcionários efetivos.

Foi em um dos editais recentes, em 2022, que o professor de Filosofia Rominique Rezende dos Santos se mudou para a capital alagoana. Natural de Japoatã, na região do Baixo São Francisco, ele se graduou na Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI) em 2014 e trabalhou em escolas do interior sergipano como professor temporário antes da aprovação como efetivo no estado vizinho. “Aqui [em Alagoas] eu me considero um retirante da seca. Eu tive de sair, porque a seca me expulsou do meu estado, e a seca foi a falta de concurso público”.

Rominique disse nunca ter sofrido qualquer tipo de diferenciação no tratamento durante o tempo de trabalho como professor temporário, mas que há um lado ruim no excesso de contratações. “Não tem concurso, [então] não tem professor efetivo para atender à demanda mínima do estado. E os professores contratados ficam presos, ficam com medo de falar, porque não têm estabilidade no emprego”.

A mestre em Ciência da Religião (UFS) Priscilla Góes, atualmente professora efetiva de história no município pernambucano de Igaraçu, região metropolitana de Recife, anseia pelo retorno ao estado natal. Antes da segurança do cargo de professora estadual, ela chegou a compor o quadro de docentes temporários da UFS.

Devido às dificuldades de emprego estável, Priscilla reingressou na universidade e concluiu a graduação em Biblioteconomia (UFS) durante a pandemia de Covid-19. Chegou a prestar concursos para estados tão distantes do Nordeste como Santa Catarina, além de tentar atuação em outras áreas que não a educação. “A gente não queria sair. Nós fomos obrigados a sair pela situação e porque a gente precisa trabalhar, precisamos de uma estabilidade”, desabafou.

O mesmo pensamento é compartilhado pelos professores de inglês Hellen Luciana e Acássio Néo, radicados em Recife desde o ano passado. “Eu não via os contratos temporários com muito bons olhos. Eu preferia estar na rede privada do que ter um contrato com o estado que ia expirar, com data marcada de desemprego,” resumiu Acássio.

Hellen recebeu o incentivo do amigo para prestar o concurso da Prefeitura de Olinda, e pouco tempo depois se mudou para Recife, onde Acássio já residia após aprovação na rede estadual. Hoje, os dois educadores e uma outra amiga, também professora, dividem apartamento na capital pernambucana para diminuir gastos, algo recorrente entre professores sergipanos tanto em Pernambuco quanto em Alagoas.

Governo estadual x Sintese

Dentre as demandas do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese), com seus mais de 30 mil professores filiados entre aposentados e ativos, está a exigência da realização de concursos. Segundo Roberto Silva, presidente do sindicato, “o que ocorre em Sergipe com esse número alarmante de professores contratados é que o governo estadual e os municipais têm tentado implementar de forma indireta a reforma administrativa da gestão Bolsonaro”.

Silva explica que a proposta do ex-presidente era “a ausência de concurso e um processo de precarização de contratos temporários visando a adoção brutal de indicação política”. Funcionários temporários do setor público não possuem plano de carreira, não podem se sindicalizar e, via de regra, recebem menos que o piso salarial determinado para a função que exercem. Por esses motivos, a adesão deles às lutas de grupos organizados como os sindicatos de classe é menor por medo de retaliações.

Questionada pela Mangue sobre o porquê de ainda não ter lançado editais para professores efetivos da rede estadual e se havia previsão de datas e número de vagas, a Seduc-SE respondeu que “tem realizado estudos de viabilidade técnica para a definição da real necessidade por componente curricular para a realização do concurso público para magistério. Considerando, também, a possível ampliação do ensino integral, que é um dos fatores que impactam diretamente no número de vagas”.

Sobre se há diálogo da secretaria com o sindicato e quais as prioridades do governo no atendimento às demandas dos professores, a Seduc explicou que “desde janeiro de 2023, o Governo de Sergipe vem dialogando com o Sintese, reuniões essas amplamente divulgadas”. O órgão ressaltou que a agenda de conversas com os educadores neste semestre foi reaberta em 23 de setembro “e foi debatida apenas a preparação do concurso do magistério”, tema que seria retomado ainda em outubro.

Um episódio recente tornou o diálogo entre o Sintese e o governo de Fábio Mitidieri (PSD) mais complicado do que já tem sido desde sua eleição para a administração do estado, iniciada em 2023. No dia 30 de setembro, durante a reinauguração de uma escola pública estadual reformada, o governador gritou ao microfone contra os professores sindicalizados que protestavam no local, dizendo que “venho aqui entregar escola todo dia e, além de protestar por dinheiro, eu nunca vi vocês trabalharem”. No mesmo evento, Mitidieri também ameaçou os educadores com uma “CPI do Sintese, para saber o que o sindicato faz com o dinheiro do povo”.

Não há uma estimativa por parte do governo sergipano sobre qual seria o déficit de professores da educação básica nas escolas estaduais uma vez que, como informado pela secretaria à Mangue, estudos técnicos ainda estão em andamento.

Professores temporários por município sergipano

Segundo dados informados pela Seduc-SE, Sergipe tem 318 escolas estaduais ativas e presença em todos os seus 75 municípios. Juntas, elas registraram 165.069 matrículas para o ano letivo de 2024, e em 2023 representaram 28% de todos os alunos matriculados em unidades educacionais no estado, segundo levantamento do Inep.

Para entender a distribuição de professores temporários no estado, além do número geral na rede estadual de Sergipe, a Mangue Jornalismo e a Ladata também levantaram o número de professores temporários por cidade. Aracaju, maior município sergipano e onde há o maior número de escolas estaduais (77), ocupa o topo da lista com 533 professores com contrato na modalidade PSS.

Entre as cidades com o maior número de professores temporários proporcionalmente ao número de escolas estaduais, Itabaianinha está em primeiro lugar com 42 docentes distribuídos em duas unidades educacionais. É também lá que está a escola com a maior quantidade de professores temporários em todo o Sergipe, o Colégio Estadual Monsenhor Olímpio Campos, que possui 30 professores contratados via PSS na lista de pagamentos de setembro da Secretaria de Educação e Cultura.

Outro caso de destaque é o da cidade de Porto da Folha, onde está a única escola indígena de Sergipe, como mencionado em matéria recente de Camila Farias. É lá também que está uma das quatro escolas estaduais sergipanas em áreas quilombolas. Ao todo, o município tem atualmente sete escolas estaduais de educação básica e 86 professores temporários. Porém, é justamente no Colégio Indígena Estadual Dom José Brandão de Castro e no Centro de Excelência Quilombola 27 de Maio que se concentram as contratações: o primeiro tem 12 registros de professores temporários e o segundo, 20.

Procuradas pela Mangue Jornalismo para comentar sobre o expressivo número de professores temporários em seus quadros de profissionais, as três instituições de ensino mencionadas na matéria não responderam até o fechamento da reportagem. O espaço continua aberto às suas manifestações. Você pode consultar a quantidade de professores temporários por município sergipano na tabela abaixo.

Esta reportagem faz parte da série “Aula vaga: a precarização da carreira docente em Sergipe”, projeto selecionado no 6° Edital de Jornalismo de Educação do Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação) em parceria com a Fundação Itaú.

Errata: o professor Rominique Rezende não se graduou pela UFS, mas sim pela Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI). O foi texto corrigido.

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