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Samba do Arnesto convida para dançar e suar com a “Sabedoria Generosa do Samba”. Ouça aqui

O grupo sergipano Samba do Arnesto foi criado em 2012 com a missão de pesquisar e divulgar as raízes do samba brasileiro em Sergipe. Em pouco tempo, já lotava bares e casas de show onde tocasse.

Em 2016, a turma criou o bloco carnavalesco Vem ni Mim Arnesto para fortalecer o carnaval de rua, inteiramente gratuito, acessível e democrático. Essa ação resultou em ruas inundadas de foliões ávidos para sambar, gerando arrastões de milhares de pessoas nas sete edições até agora realizadas.

Em outubro do ano passado, o Samba do Arnesto lançou o documentário Sem corda, sem abadá e sem vergonha, que foi tema de uma reportagem da Mangue Jornalismo.

Pois bem, hoje, 30 de agosto, após 12 anos de samba, suor e folia, está disponível nas plataformas de streaming o Sabedoria Generosa do Samba, seu primeiro disco. Para falar sobre ele, o grupo e outras histórias, a Mangue bateu um papo com o compositor Rafael Oliva.

Primeiro disco do Samba do Arnesto (Foto: Juliana Santin / Concepção gráfica: Rafael Oliva e Will Nunes)

Mangue Jornalismo (MJ) – Como vocês chegaram na “Sabedoria Generosa do Samba”?

Rafael Oliva (RO) – Esse nome não vem à toa. Tem a ver com a história da banda. Surgiu da ideia da pesquisa e do estudo do samba em suas várias vertentes e pretende contemplar algumas dessas vertentes, porque é impossível contemplar todas, afinal, é um gênero centenário. Passeamos pelo samba-canção, samba-rock, bossa nova, partido alto, samba-enredo, e em cada um deles criando gosto, entendendo o formato, e a partir daí as composições foram surgindo. O disco passeia um pouco pela história da banda e por esse estudo. É mais ou menos uma entrega de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) depois de anos de estudo.

Mangue Jornalismo (MJ) – E o título?

Rafael Oliva (RO) – O título surgiu depois de uma apresentação de samba que assisti no bar Licor da Gabriela, de Araqueto do Cavaco. Ele tocava com o pandeirista Boca, que faz uma técnica chamada rolo, usando a cabeça para fazer essa técnica. Me deram a oportunidade de tocar e depois vieram falar comigo. Achei de uma grande generosidade, um bamba, claramente um mestre do samba aqui de Aracaju, vir falar comigo e me dar essa oportunidade de tocar. Desse encontro veio a palavra “generosidade”, porque eu acho que ela parte só dos grandes. Dos que têm muita sabedoria sobre algo e age como se não tivesse, tendo a elegância de reconhecer o outro. Então, acho que “generosa” é a palavra que deveria estar no título. Até porque a gente vem do rock, e no rock, na adolescência, a gente foi percebendo que existem vários nichos que exigem para você ter um tipo de carteirinha para fazer parte de alguns desses nichos, onde você tem que cumprir muitos checklists. Eu amo o rock, mas é um gênero com dificuldade de agregar novas pessoas, por conta dessa rigidez. A gente viu no samba algo diferente. Vimos mais resistência, mais do que o próprio rock. Muita luta contra preconceito. Mas vimos muito acolhimento também. Não sei se foi uma experiência da Samba do Arnesto, mas não vimos no samba tanto julgamento, tanta burocracia quanto a gente vê em outros lugares da música. A gente viu no samba essa generosidade, como um lugar que te acolhe. É horizontal, a roda de samba é isso, permite a participação de todos, sem necessariamente um frontman, sem uma hierarquia formal.

MJ – Vocês têm uma média de 10 mil pessoas nas edições do bloco de carnaval, ingressos esgotados no show, público de 150 mil no reveilon de 2018 e outros milhares no FASC do mesmo ano. Essa tradição se mantêm em espaços menores como nos shows recentes?

RO – Fizemos no Bar Minigolf, que é um cafofozinho, né? E o show lá é diferente. Eu acho que o samba tem muito a ver com essa coisa de cafofo, com todo mundo pertinho. Mas sempre lotou, de gente não pode entrar. Recentemente mudamos pra Varanda do Iate, que cabe entre 350 a 400 pessoas. Na apresentação mais recente conseguimos lotar também. Estamos doidos pra tocar no Casarão, uma casa de shows dedicada ao samba inaugurada recentemente lá no bairro Soledade.

Bloco Vem ni Mim Arnesto arrasta uma multidão na Orla de Atalaia (Foto: Alex Spirro)

MJ – Como foi o processo de composição e criação do disco?

RO – Todos os arranjos são decididos coletivamente. Como alguns integrantes vêm do sindicalismo, muitas vezes organizado de forma colegiada, com discussões em assembleias. Fizemos um trabalho de pré-produção na casa do baterista, Nonato Matos. Eu e Roque mostramos as composições, criamos os arranjos juntos, decidindo em grupo, porque entendemos que a banda tem uma identidade e sabia por onde ir, não precisando, pelo menos nessa primeira obra, ter alguém tentando coordenar isso. É claro que em algumas canções, um pensou mais do que os outros. Tem uma música do Ruan Levy, “Com a Força dos Orixás”, que era um samba lento, e o João de Lins propôs um andamento mais rápido, voltado para samba enredo. Na composição das letras, o Elvis Boa Morte participa de duas, Marília Bueno de uma. Também gravamos “Canoeiro”, de Ismar Barreto.

Grupo no mercado de Aracaju: “todos os arranjos são decididos coletivamente”, diz Oliva (Foto: Snapic)

MJ – Quem mais participa do disco? Onde foi realizada a gravação?

RO – Gravamos no Studio Wave, de Kelvin Faria. Ele foi técnico de gravação, mixou e masterizou, tocou baixo em oito das onze faixas e violão de sete cordas em uma faixa. O cara é um mago da música sergipana. O trompetista André Lima fez os arranjos de metais em quatro músicas, dialogando com algumas ideias que tivemos. Adão Alencar, Everton Mesquita e Alexandre Marreta, da banda Mestre Madruguinha. Flavinho Brito. Vitor de Praga, da banda Cajurioca, o pianista Ítalo Neno, Missinho do Acordeon, Denisson Simpatia, Paulo Antônio e Robert Macknight, Dami Dória, que participa do arranjo de “Som da Mata”, e Betinho Caixa d’Água.

MJ – Qual é a relação do Samba do Arnesto com os canais de streaming?

RO – Como nossas músicas autorais eram pontuais, nos dedicamos ao streaming quando começamos a compor, mas sem um grande alcance. Agora que estamos um pouco mais inteirados, queremos ver como fazer pra nossa música chegar a mais pessoas, tentando descobrir o caminho dos tijolinhos amarelos. Existem vários caminhos novos. Lembro que nos anos 90, 2000, muita gente do forró eletrônico vendia sua música através dos ambulantes e camelôs. Na rua, na praia, no barzinho. Mas o streaming exige novas estratégias que estamos conhecendo agora.

MJ – A remuneração compensa?

RO – Quando você manda uma música ou um disco para uma distribuidora, ela envia para todas as plataformas. Mas a realidade de ganhar dinheiro com o streaming é muito distante ainda. Pra você ter uma ideia, estamos no Spotify desde 2015, 2016, claro que sem trabalhar pesado na divulgação das músicas. Nesse tempo todo conseguimos arrecadar apenas 300 reais. Recentemente o compositor Ivan Lins esteve no Provoca (programa apresentado por Marcelo Tas, na TV Cultura), e falou que sua música pode tocar milhões de vezes mas pouco chega na sua conta.

MJ – O álbum estará disponível em algum formato físico?

RO – Estamos focando muito no LP por conta do boom atual do vinil e porque a discografia do samba se confunde com a história do LP. Se a ideia é ter um disco que passeie pelo samba, eu não consigo visualizar sua concretização sem ter o LP prensado. Também defendendo a ideia de fazermos o CD, pois quando comecei a consumir música foi através do CD. É a mídia que temos familiaridade, além do apelo afetivo. Acho importante ter, por mais que digam, “ah, Rafael, não há necessidade, ninguém consome mais, nem tem CD player”, eu só consigo visualizar a concretização desse disco quando tiver o CD em mãos, pois foi através dele que a música se fez em mim.

MJ – Já tem data para o show de lançamento?

RO – O show de lançamento ainda não está agendado. Mas até o fim do ano faremos alguns shows. Com certeza em outubro, no aniversário da banda e no dia nacional do samba, 2 de dezembro. O show de lançamento do disco provavelmente será em abril de 2025.

MJ – Sobre as políticas culturais, como vocês interagem com as leis de incentivo à Cultura?

RO – Almejamos muita coisa e show é pouco para o que queremos. São os editais anuais que injetam dinheiro de verdade na economia criativa em nosso estado. O bloco do ano passado foi pago através do edital da Lei Aldir Blanc e financiamento. Pela Lei Paulo Gustavo conseguimos aprovar o documentário sobre o carnaval de rua em Aracaju. São leis importantes que, diga-se de passagem, não partiram do ambiente estadual ou municipal. A nossa geração não viu essa política de editais que financiam ações culturais. Aqui sempre foi no modelo “se vira nos 30”. São várias gerações sofrendo com essa lógica que não funciona. Vemos agora muitas produções saindo através dessas leis. Que o Estado a Prefeitura aprendam, porque não é só conseguir lugar para os artistas tocarem. Vem o São João aí bota os sanfoneiros pra tocar, fazendo de conta que valorizam a cultura. E o restante do ano? O sanfoneiro vai tocar onde? Eu acho que show é imediatista. Resolve o imediato pra pagar o leite, o pão, naquele mês, naquela semana. Mas não é uma política longeva, que muda a estrutura do lugar, que faz com que as pessoas se sintam orgulhosas de serem sergipanos. É uma política pirotécnica. É como se dissessem “Vou botar no outdoor aquele artista sergipano pra fazer uma propaganda bonita.” Mas, assim, não sustenta a história ou as necessidades culturais do lugar. Podemos começar a mudar alguma coisa criando um lugar de consultoria e de acolhimento ao artista, porque a Funcap é uma vergonha em relação a Lei Paulo Gustavo. É engraçado: fazíamos críticas à Conceição Vieira, mas conseguíamos conversar. Agora eles nem nos atendem! Não temos a quem recorrer. É pra se virar mesmo. Como se dissessem à classe artística “Vocês estão me aprisionando”, “Vocês estão me dando trabalho.” Parece que é isso que eles comunicam. “Vocês são uma pedra no sapato.” Então, é isso. Não sei o que falar mais. Tem muitas coisas, né?

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