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Professores de Sergipe estão esgotados e doentes. Mais de 25% deles já estiveram na perícia médica

A Mangue Jornalismo publica a 2ª reportagem da série “Aula vaga: a precarização da carreira docente em Sergipe”. No texto de hoje, o foco é o adoecimento de professores concursados da rede estadual. Sobrecarga, precárias condições de trabalho e de salário, pressões: tudo isso tem levado os educadores ao esgotamento psicológico. Dados oficiais revelam que 2.445 professores do estado protocolaram requerimento de licença médica nos últimos meses. Isso chega a ser mais de 25% de todos os profissionais efetivos da rede de ensino em Sergipe.

Adoecimento de professores ultrapassa os 25% da rede estadual (Foto Pixabay)

Se há um tipo de profissional esgotado, com permanente instabilidade de saúde mental e que não nutre perspectiva de melhoria é o professor da rede pública estadual de Sergipe. Os depoimentos relatando cansaço, desânimo, ansiedade, estresse, pressão e depressão indicam que muitas professoras e professores em sala de aula estão em avançado processo de adoecimento.

Os tantos desabafos sobre doenças, lista de medicamentos para comprar, exames a fazer, diagnósticos de estafa mental, histórias de pressão, casos de assédio, sobrecarga e afastamentos da sala de aula confirmam, pelo menos em parte, alguns números oficiais.

Dados do Departamento de Perícia Médica da Secretaria de Estado da Administração (Sead) revelam que 2.445 professores da rede protocolaram requerimento de licença nos últimos meses, entre os anos de 2023 e 2024. Isso chega a ser mais de 25% de todos os profissionais de ensino efetivos do Governo de Sergipe.

Na busca pela perícia médica estão oficialmente casos de educadores em convalescença pós-cirúrgica, neoplasias, ansiedade, acompanhamento de tratamentos de familiares, licença maternidade, transtornos ortopédicos, entre outros.

Dos 2.445 profissionais da educação que foram afastados oficialmente de suas atividades em escolas, 565 não retornaram mais para a sala de aula ou seguem realizando algum tipo de tratamento. Segundo o levantamento da Perícia Médica, o tempo de duração médio de afastamento varia entre quatro a 297 dias.

A realidade de adoecimento pode ser mais grave do que indicam os dados oficiais. Muitos educadores sugerem que vários colegas com transtornos mentais não vão na Perícia Médica, alguns sequer percebem que estão doentes. Em muitos casos, professores fazem acordo com a direção da escola para um afastamento informal de alguns dias, mas com o compromisso de repor as aulas.

Esta é a segunda reportagem da série “Aula vaga: a precarização da carreira docente em Sergipe”, que a Mangue Jornalismo realiza graças à seleção do edital da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) em parceria com a Fundação Itaú. Na primeira, Ana Paula Rocha revelou que sem concurso para professores há quase 13 anos, Sergipe vê êxodo de educadores e precarização do ensino.

Agora, a Mangue mergulha na realidade de professores efetivos que resistem nas salas de aula e mostra as consequências da falta de concurso público. Além da sobrecarga de trabalho, há um vazio de sentido profissional coletivo em razão das escolas estarem lotadas de professores temporários. Essa é só uma questão em meio a um turbilhão de problemas, mas todos desaguando no adoecimento.

Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros enfrentam a Síndrome de Burnout, uma condição ocupacional classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como distúrbio psíquico depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso. O Brasil ocupa a 2ª posição mundial em casos diagnosticados, perdendo apenas para o Japão.

Muitos educadores em Sergipe trabalham adoecidos (Foto: Pixabay)

“Quem vai escutar os professores?”

José Valdson de Santana é professor na cidade de Nossa Senhora da Glória, no Sertão sergipano, distante 120 km de Aracaju. Ele disse que na pandemia de Covid-19 desenvolveu crises de ansiedade, e desde então tenta lidar com esse transtorno. Valdson não passou pela perícia médica e não se afastou oficialmente da escola ou das salas de aulas, onde tem entre 35 e 40 alunos. Ele faz terapia por conta própria.

“Depois da pandemia, muitos estudantes chegaram doentes na sala de aula, agressivos, com crises de ansiedade, e encontram professores também nessas condições. O que fazer? Nós temos que acolher os alunos, escutá-los, orientar de alguma forma, mesmo sem a gente ter o preparo para isso. A questão é que nós também estamos doentes. Quem vai nos ouvir? Quem vai nos ajudar? Em vez disso, é mais pressão, sobrecarga. Quem aguenta uma vida dessa?”, pergunta Valdson.

“Quem aguenta uma vida dessa?”, professor Valdson (Foto: Cristian Góes)

Diante desse quadro, o professor afirma que não encontra “luz no fim do túnel. Ficamos doentes e acabamos perdemos um dia de aula porque não temos condições de saúde de enfrentar uma sala. Quando a gente chega na escola é cobrado: por que faltou? E vou seremos cobrado a repor aula porque o aluno não pode ficar sem o conteúdo. E o professor vai morrer, morrer trabalhando?”, desabafa.

Valdson relata ter vários colegas de trabalho doentes, com esgotamento psicológico, físico, mental e sem ajuda profissional. “Além da falta de concurso para efetivo, que poderia trazer gente nova para dividir com a gente essa dura jornada, existem outros graves problemas, como as más condições de trabalho, péssimas estruturas físicas, falta de material pedagógico. Você planeja uma coisa, chega na escola e não tem como realizar porque falta o básico. Isso dá um desânimo, uma desesperança”, afirma.

“Professor de mãos atadas, sofrendo, chorando em alguns momentos”

A professora Valéria Oliveira Menezes trabalha em uma escola na cidade de Japaratuba, 55 km da capital sergipana. Ela relata cansaço e frustração diante de tantas dificuldades para exercer de forma digna o magistério. “Necessitamos de material e não temos. Além do quadro branco, só recebemos um piloto por ano, de cor única, mas precisamos de material colorido, de recursos mínimos. Retroprojetor é ainda um sonho que está difícil de ser realizado”, revela.

Valéria se queixa do assédio moral, especialmente quando tem que realizar projetos impostos. Ela chega a gastar do seu salário para cumprir as metas. “Tudo isso é um desgaste muito grande. Reflete na nossa vida. A demanda é muito grande e você não consegue dar retorno de qualidade”, avalia. Para Valéria, “isso deixa o professor de mãos atadas, sofrendo, chorando em alguns momentos, porque o aluno está ali querendo aprender e você não consegue levar o que precisa”, completa a professora.

“Descaso com a educação reflete na nossa vida”, professora Valéria (Foto: Cristian Góes)

Um dos motivos mais recentes que têm prejudicado a saúde mental da professora Valéria é a falta de assistência para uma aluna com deficiência auditiva que chegou em março deste ano em sua sala de aula, mas a quem a escola não disponibilizou intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).

“Fui para internet para tentar aprender o básico: ‘bom dia’, ‘banheiro’, ‘qual o problema?’, mas isso não resolve. Passei o ano inteiro tentando uma ajuda, e nada. Isso é um absurdo e me prejudica psicologicamente. Não consigo trabalhar, ela não me compreende, eu não a compreendo. Os demais alunos não conseguem interagir com ela. Meu sentimento é de frustração, e o dela também”, desabafa a professora.

Uma outra professora, desta vez em Aracaju e que pediu anonimato, está oficialmente afastada da escola depois de sofrer um processo de pressão para que gastasse do seu bolso para realizar um projeto pedagógico. “Foi um inferno. Eu tinha que me virar para que o projeto saísse e a diretora mandasse as fotos para a Secretaria [de Educação e Cultura de Sergipe]. Tudo sem nenhum recurso da escola. Eu me recusei e passei a sofrer assédio, sendo chamada de preguiçosa, um inferno”, conta.

Ela lembra que ficou noites sem dormir, e agora toma remédio controlado. O pior era acordar e ir para a escola. “Era e ainda é um sofrimento porque ainda estou lotada nesta escola. A licença termina em dez dias e não tenho condições psicológicas de viver isso tudo novamente. Não sei o que fazer diante de tanta pressão. A perícia não vai renovar meu afastamento. O jeito vai ser mudar de escola no início do próximo ano”, disse a professora. 

Motivos de afastamento de professores mudou nos últimos anos

Leila Moraes é professora de História da rede estadual e trabalha em Aracaju. Ela também é dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe (Sintese). Leila diz que ao longo dos últimos anos, a entidade representativa do magistério público tem acompanhado uma alteração relevante no quadro de afastamento temporário ou permanente dos professores.

“Por muitos anos, buscava-se a perícia médica por razões físicas, ortopédicas, em razão do desgaste físico, motor. Felizmente, isso tem reduzido, o que não significa uma melhora da saúde dos profissionais do magistério. Temos acompanhado de forma mais intensa os efeitos do trabalho docente na saúde mental da nossa categoria, o que têm se tornado uma preocupação mais constante”, informa.

Leila: adoecimento passou a envolver problemas com saúde mental (Foto: Arquivo pessoal)

A professora lembra que o exercício do magistério exige dedicação e disposição, mas se associa a isso cargas de trabalho pesadas, recursos limitados, ausência de valorização, cobranças de atendimento às metas definidas externamente e distantes das realidades das comunidades escolares. “Os resultados são altos níveis de estresse, estado de exaustão mental e física, sentimentos de desilusão, desencantamento e desmotivação. Esse é o quadro vivenciado por muitos de nós”, afirma Leila.

Na avaliação da professora, os educadores enfrentam grande “desgaste emocional na medida em que recai sobre nós a responsabilidade de obter resultados, sem qualquer preparação e condições. Caso não consigamos, somos criminalizados. Enfim, vivemos com a imposição de uma política neoliberal na educação. Esse cenário doentio e perverso tem desencadeado problemas ainda mais graves na saúde mental da nossa categoria. Os processos de remanejamento de função são cada vez mais constantes, o que gera maior necessidade de concursos públicos para sanar as demandas, para além das questões de aposentadoria e falecimentos”, ressalta Leila.

“Muitos professores sequer percebem que estão doentes”

O professor de Língua Portuguesa Luciano Acciole trabalha no município de Japaratuba e disse que vem percebendo nos últimos anos um enorme crescimento de colegas doentes e que não se percebem nessa condição. “São doentes invisíveis, não estão nas estatísticas. Não é doente para a unidade escolar, e nem ele mesmo se acha doente, porém vive esgotado, cansado, estressado, sofrendo por uma série de cobranças, chorando. Ou seja, sem nenhuma condição psicológica de enfrentar salas de aula de 40 alunos todos os dias. Estão doentes, mas não se reconhecem”, afirma.

Luciano: colegas estão doentes e nem se reconhecem nessa condição (Foto: Cristian Góes)

Luciano disse que há casos de professoras que não se afastam da sala de aula porque caso apresentem um atestado médico serão tratadas na escola como preguiçosas. “Isso é um absurdo. É enorme a pressão em cima do professor, as péssimas condições de trabalho, o piso salarial que não é respeitado, a ameaça de retirada de direitos. A situação está ficando insustentável”, afirma.

O professor lembrou de uma colega de trabalho que ministrava aulas de inglês e quando chegava na sala dos professores, deitava no sofá e começava a chorar. “Isso sempre acontecia. A gente perguntava o que estava acontecendo e ela não tinha nem forças para colocar para fora o que estava acontecendo. Não sabia explicar”, relata.

Luciano também traz o relato sobre sua irmã, também professora da rede estadual, e que, como muitas, só pensam em se aposentar. “Ela e muitos colegas vivem na luta pela aposentadoria porque estão tão cansados, estressados que só querem deixar a sala de aula. Tenho pena de minha irmã. Está esgotada, sem voz. Ela precisa se aposentar, mas ainda não tem tempo”, disse o professor.

“Se me aposentar, vou ter redução salarial”

Hildete Cruz é professora da rede pública em Santo Amaro das Brotas, distante 40 km de Aracaju. Ela já tem 26 anos de sala de aula e já poderia estar aposentada, mas resiste a deixar a escola porque alega que não terá condições financeiras de se manter com os vencimentos da aposentadoria. “Se eu me aposentar, vou ter uma redução muito grande em minha renda atual, por isso vou ficando até quando Deus quiser”, justifica.

Hildete: não se aposenta para não ter redução salarial, “só quando Deus quiser” (Foto: Cristian Góes)

Apesar de tanto tempo em sala de aula e enfrentando turmas com 33 estudantes, Hildete afirma continuar firme, forte, alegre e com disposição de continuar, como ela mesma diz: “até quando Deus quiser”. Ela informa ter vários colegas de trabalho adoecidos, que se afastam do trabalho para cuidar de doenças, especialmente das causadas por causa do trabalho na escola. “São vários colegas com depressão. É uma realidade triste, mas não tem outro jeito, eu vou continuando”, conta.

Governo criou o Acolher, programa de atenção psicossocial nas escolas

A Mangue Jornalismo procurou o Governo do Estado para saber quais ações têm sido realizadas no sentido de enfrentar o permanente adoecimento de professoras e professores em Sergipe. Por meio de nota, a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (Seduc) informou que “desenvolve trabalhos para a atenção psicossocial dos professores e demais servidores e prevê em sua estrutura administrativa estabelecida pelo Decreto nº 40.785 de 09 de março de 2021, a Divisão de Bem-Estar (DIBEM), que integra o Departamento de Recursos Humanos (DRH). Esta divisão foi pensada para realizar ações de prevenção, promoção, atenção e cuidado junto aos servidores”.

Além disso, informa a Seduc, que “também conta com o Programa de Atenção Psicossocial nas Escolas da Rede Estadual, denominado Acolher, que foi idealizado para atender a rede estadual, conforme Lei 13.935/2019, e atende estudantes da rede e estabelece uma interface com os professores, servidores e familiares. Neste sentido, as ações do Programa Acolher junto aos professores e demais servidores seguem o fluxo das demandas encaminhadas pela escola, de modo que sejam adotadas medidas de acolhimento e encaminhamento ao DRH para que outras intervenções sejam realizadas”.

A nota destaca que “as escolas estaduais fazem todo encaminhamento via Sistema de Ocorrência Escolar (ROE) da demanda para a equipe local do Programa Acolher e para o Departamento de Recursos Humanos. Os episódios podem envolver professores, demais servidores e estudantes que necessitam de atendimento psicossocial”. Sobre os professores e demais servidores, “os profissionais da Psicologia e do Serviço Social realizam escutas qualificadas, constroem as condições efetivas para orientações que viabilizem o bem-estar dos profissionais da educação e realizam encaminhamentos para possíveis cuidados com a saúde mental”.

Segundo o Governo do Estado, “as escolas solicitam a participação dos profissionais do Acolher nas reuniões pedagógicas com foco na formação dos professores, em projetos pedagógicos que envolvem toda a comunidade escolar e no acolhimento dos profissionais em situações que envolvem conflitos intraescolares e que provocam situações de estresse.

Mais de 1200 atendimentos em um ano de implantação

A Seduc informou que “o programa Acolher tem se destacado como uma iniciativa transformadora no ambiente escolar da rede pública estadual de ensino. Com mais de 1200 atendimentos em um ano de implantação do programa, o Acolher traz resultados significativos para alunos, professores e servidores, oferecendo suporte psicossocial nas escolas, fornecendo apoio emocional, social e educacional para toda a comunidade escolar. São 95 profissionais da Psicologia e do Serviço Social distribuídos nas dez Diretorias Regionais de Educação, com foco na melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem, em todas as 318 escolas da rede pública estadual. O programa oferta a escuta de estudantes, professores e servidores e possibilita uma política de ações psicossociais e construção de narrativas positivas, gerando bem-estar no ambiente escolar”.

Segundo o governo, “o Acolher é considerado como um dos maiores programas presenciais de psicólogos e assistentes sociais nas escolas sergipanas e atende a Lei Federal n° 13.935, de 11 de dezembro de 2019, que orienta a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Não se trata de atendimento clínico ou psicoterapêutico, haja vista que essa é uma função desenvolvida na seara da saúde”.

O Acolher, conforme informou a Seduc, “também oferece acolhimento às famílias dos alunos, reconhecendo sua importância na comunidade escolar. Além disso, os professores e demais servidores contam com apoio emocional e psicológico por meio de parcerias com o Departamento de Recursos Humanos da Seduc. Essa abordagem integral visa promover o bem-estar de toda a comunidade escolar, reconhecendo a importância de cuidar tanto dos alunos quanto dos profissionais da educação. O programa é responsável por cuidar também dos servidores da escola, reconhecendo a importância de garantir que também recebam apoio emocional e psicológico. Ao cuidar dos funcionários, o programa contribui para um ambiente de trabalho saudável e para o bem-estar de toda a comunidade escolar”.




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Respostas de 3

  1. Se os professores estão desse jeito, imagine os alunos que têm que suportar essa lacração ideológica.

  2. Tudo mentira sobre esse projeto Acolher. Nem alunos são assistidos como deveria, a demanda é gigantesca. Quanto mais professores, eu mesma estou necessitando e nunca tive acesso, nunca fui acolhida. Só sofrimento na escola que leciono.

  3. Excelente reportagem com tema de altamente relevante e que todos os professores deveriam ler. Acrescento que na rede privada o adoecimento ocorre tal qual na rede pública, mas a opressão patronal não garante/permite o afastamento. Os colegas continuam trabalhando mesmos doentes.

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