Em um prédio de três pisos e fachada colorida no bairro Farolândia, Zona Sul de Aracaju, cinco percepções distintas sobre a prática das artes visuais e plásticas se encontraram entre os dias 03 e 10 deste mês. Antes uma escola particular, o pequeno prédio abriga hoje a Casa de Cultura Brasil-Áustria, aberta em 2022 com os auspícios do país europeu e em celebração aos 200 anos de Independência do Brasil.
Como o nome sugere, o local incentiva o intercâmbio artístico e cultural entre os dois países, cujas relações oficiais remontam ao início do século XIX, a partir do curto casamento entre Dom Pedro I com a arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina, que durou de 1817 até a morte dela, em 1826.
Segundo o documento Comunidades Brasileiras no Exterior, elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores com base em dados de 2023 e divulgado em julho de 2024, a estimativa é que haja cerca de 9 mil brasileiros na Áustria. Um deles é a pedagoga e professora sergipana Vanessa Noronha Töelle, que há quase duas décadas trabalha a aproximação entre o menor estado do Brasil e a terra natal do compositor clássico Mozart e do ator Arnold Schwazenegger.
A iniciativa mais recente do espaço cultural foi uma imersão artística que recebeu três artistas do Rio de Janeiro, uma do Paraná e uma de Santa Catarina para conhecer a capital sergipana, produzir livremente murais dentro da casa e outras obras, além de realizar workshops gratuitos para jovens do bairro e de escolas públicas próximas. As artistas bancaram os custos da viagem, já que a iniciativa ainda não possui patrocínios, apenas apoios estratégicos.
A proposta de imersão artística da Casa de Cultura Brasil-Áustria entra para um circuito nascente em Sergipe, que inclui a Imersão Rizoma, realizada pelo coletivo Incorpórea XYZ em outubro de 2023 na cidade de Pacatuba, distante cerca de 96 km de Aracaju. No caso da Rizoma, foram selecionados nove participantes, sendo sete pagantes e dois bolsistas, e a estada de quatro dias incluiu atividades com quatro facilitadores.
Perfil das artistas residentes na Casa Brasil-Áustria
Maria Helena Fonseca, uma das artistas do Rio que participaram do intercâmbio, vem de uma família bastante miscigenada na qual os homens negros tiveram acesso ao ensino superior nas décadas de 1950 e 1960 apesar de, à época, não haver políticas públicas para inserção desse grupo em universidades.
Funcionária aposentada da Embratel, empresa na qual trabalhou por 25 anos no setor administrativo, sua entrada total na prática artística ocorreu pouco antes do início da pandemia. No caminho contrário aos tons comuns no meio burocrático de grandes empresas, seus quadros e murais abundam em cores e experimentações com diferentes técnicas de pintura, da aquarela ao grafite.

Conterrâneas de Maria Helena, Cirlete Knupp e Ticiana Parada vem de formações na área da educação, respectivamente Matemática e Pedagogia, paralelamente a uma longa atuação nas artes visuais. A imersão na Casa Brasil-Áustria foi a primeira experiência do tipo das duas artistas, que têm na representação de elementos da natureza um tema recorrente.
Os detalhes de troncos de árvores e o mar são as fontes principais de imagens para Cirlete, que pesquisa boa parte do que retrata no Parque Nacional da Tijuca, a primeira floresta replantada do mundo, localizada aos pés do Cristo Redentor. Sobre o que considerou ser um desafio, a artista carioca explicou que “Na hora que você convive, está junto nas dificuldades e nas alegrias, você realmente conhece [a outra artista]”.

No caso de Ticiana, que há décadas reside em Niterói, a boa repercussão de seus quadros entre os pais de alunos foi a porta aberta para que deixasse a docência em uma escola particular para viver exclusivamente da venda de pinturas e obras em outros formatos.
Primeira das participantes da imersão a conhecer Vanessa Töelle, durante uma edição online do Festival de Cultura Brasil-Áustria no período da pandemia de Covid-19, Ticiana já participou de exposições na Áustria – junto com as quatro colegas de residência em Aracaju – e na França. Sobre a experiência, afirmou que “A melhor coisa foi a gente se unir e ficar mais forte”.

“É uma cidade onde as mulheres têm muita força”, disse Rosane Marochi sobre Irati, cidade paranaense de pouco mais de 59 mil habitantes onde a pedagoga atuou por 38 anos. Em uma realidade de forte presença feminina da prática artística à Câmara Municipal, Rosane não encontrou dificuldades para se dedicar às artes. A partir do uso de materiais alternativos – na prática, o que estiver à mão – ela produz murais, quadros e peças como aventais e bolsas, experiência compartilhada com a catarinense Marlete Borba no painel que agora ilustra a cozinha da casa cultural.
Como assistente social em Blumenau, cidade de forte influência alemã, Marlete lidou com mulheres vítimas de violência doméstica e dependência química, e para isso utilizava de técnicas do teatro com o intuito de se conectar com as situações vividas pelas assitenciadas. “O teatro trazia a leitura do corpo, então sempre teve arte no meu trabalho. A arte faz a leitura de todas as questões sociais”, explicou. Essa sensibilidade foi aplicada também no contato com os alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Prof. Laonte Gama da Silva que visitaram a casa para uma oficina que ministrou.
