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Polícia matou 810 pessoas em Sergipe nos últimos quatro anos. O primeiro ano do Governo Mitidieri foi o mais letal nesse período, com 229 vítimas

CRISTIAN GÓES, da Mangue Jornalismo
@josecristiangoes


Não é novidade nenhuma que a polícia do Estado de Sergipe é uma das mais violentas do Brasil. Ano a ano, as estatísticas criminais só confirmam aquilo que parte da população periférica, principalmente jovem e negra, vive cotidianamente.

Os dados oficiais do ano passado permitem contabilizar que 810 pessoas foram mortas nos últimos quatro anos (2020 a 2023) em Sergipe. Todas morreram por arma de fogo em ações de agentes públicos do Estado de Sergipe, isto é, policiais militares e civis.

Para todas as 810 pessoas executadas pela polícia de Sergipe há apenas uma justificativa: morreram em “confronto”, na “troca de tiros” e em “reação à injusta agressão”. Essa versão oficial é completamente acolhida pela imprensa. Não há questionamentos.

Também nos últimos quatro anos foram registradas quatro mortes de agentes do Estado em serviço. Nos dois últimos anos (2022 e 2023), por exemplo, não foi anotada nenhuma morte de policial em Sergipe, mas foram contabilizadas 404 mortes “em confronto” no período. O ano de maior letalidade policial no estado foi o primeiro ano do Governo Fábio Mitidieri (PSD). No ano passado, foram mortas 229 pessoas “em confronto” com a polícia, quase uma por dia em média. Todos esses dados são da área da Lei de Transparência, setor Estudos de Segurança Pública e Estatísticas da Secretaria de Segurança Pública (SSP/SE). Veja a tabela dos últimos quatros anos.

Elaborado pela Mangue Jornalismo com dados da SSP/SE

A grande maioria das mortes pela polícia tem raça e idade. Segundo estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), cerca de 85% das vítimas de mortes pela polícia são negros e jovens com idade entre 12 e 29 anos de idade. Pesquisadores do FBSP destacam que o alto e recorrente número de mortes pela polícia em “confronto” pode indicar a existência de uma política de abuso da força e de execução por parte de agentes públicos de segurança.

Só em 2023 foram mortas 229 pessoas “em confronto” com a polícia em Sergipe (Foto Pexels)

Metade das mortes em 2023 apenas em quatro municípios

Das 810 mortes “em confronto” em Sergipe nos últimos quatro anos, Aracaju registrou 158 pessoas vítimas dessas operações. Somente no ano passado, foram 44 mortes pela polícia na capital, sendo que dez delas ocorreram apenas no mês de julho.

Um dos exemplos dessa letalidade ocorreu em 15 de dezembro de 2023, uma sexta-feira. Naquela data, policiais do Departamento de Narcóticos (Denarc) montaram uma operação para “desarticular uma associação criminosa voltada para o tráfico de drogas que atuava na região do bairro América, na Zona Oeste de Aracaju”.  LEIA AQUI

Segundo notícia publicada pela SSP/SE, “três homens foram localizados durante cumprimento de mandados de busca na localidade. Eles entraram em confronto, e armas, drogas e celulares foram apreendidos”. Nesse “confronto” foram mortos três suspeitos: os irmãos Marcos Lima e Marcelo Lima, e Daniel Santos.

Dia sim, dia não, a imprensa em Sergipe divulga essas operações, acolhendo integralmente as informações da SSP/SE. Nas notícias, apenas são reproduzidas as vozes de delegados e policiais, sem maiores apurações e confirmando a “legalidade” do “confronto”, da “troca de tiro”.

Das 229 mortes executadas pela polícia em 2023, quase metade delas – 112 – foi registrada apenas em quatro municípios: Aracaju, Nossa Senhora do Socorro, Itabaiana e Lagarto. O maior aumento de mortes “em confronto” ocorreu em Itabaiana, que saltou de 13 em 2022 para 29 em 2023. Aracaju pulou de 30 em 2022 para 44 em 2023.

Entretanto, foram registradas mortes pela polícia “em confronto” em 50 dos 75 municípios sergipanos. No mês de outubro de 2023, foram mortas 25 pessoas em Sergipe “em troca de tiros” com a polícia, quase uma por dia. Veja a tabela abaixo:

Elaborada pela Mangue Jornalismo com dados da SSP/SE

O resultado dessa política de confronto levou Sergipe a sempre aparecer entre os primeiros colocados no Brasil onde a polícia mais mata em “confronto”. No anuário do FBSP de 2022, o estado era o 2º mais violento nesse quesito, perdendo apenas para o Amapá. No ano passado, a respeitada pesquisa do FBSP revelou que Sergipe figurou na 4ª colocação, ficando atrás do Amapá, Bahia e Rio de Janeiro.

A letalidade da polícia em Sergipe chama atenção por vários aspectos. Por exemplo: a média de mortes de suspeitos de crimes em “confronto” pela polícia no Brasil é de 3,2 por cada 100 mil habitantes. Em Sergipe, esse número chegou a 8,0 em 2022 e já foi mais de 11 no ano anterior. No menor estado, os agentes de segurança pública do Estado matam proporcionalmente mais suspeitos em “confronto” do que estados grandes e populosos, como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Ceará, entre outros.

Em outubro de 2023 foram mortas 25 pessoas em Sergipe “em troca de tiros” com a polícia (Pexels)


Sergipe lidera gastos com segurança pública no Nordeste

Nos 31 dias do mês de julho do ano passado, pelo menos 17 pessoas foram mortas “em confronto” com as polícias em Sergipe. Aquele mês, por exemplo, começou com uma chacina.

No dia 8, no bairro Industrial, em Aracaju, quatro jovens foram mortos pelas forças policiais. Alegou-se mais uma vez “confronto”. Testemunhas dizem que foi execução. O Ministério Público jura que vai apurar. O que teria causado essa chacina? A suspeita do roubo de uma corrente de um policial.

Ao mesmo tempo em que Sergipe tem uma das polícias que mais mata no Brasil justificando “confronto”, o estado foi o que mais gastou proporcionalmente (per capita) com segurança pública no Nordeste em 2022, segundo o estudo do FBSP, mesmo tendo, de 2021 para 2022, reduzido os valores com esse segmento em 20%.

Em valores nominais, Sergipe gastou com a rubrica “segurança pública” mais R$ 1,2 bilhões em 2022, valor muito maior que o empregado por estados como Tocantins, Piauí, Acre, Roraima e Amapá. Quando o valor gasto é dividido por habitante, o estado de Sergipe é o que mais gastou com segurança no Nordeste em 2022. Em 2022 foram gastos R$ 581,52 com segurança pública por cada habitante em Sergipe. Abaixo, na sequência, vem o estado de Alagoas (R$ 519,19). O estado que menos “investiu” nessa área foi o Maranhão (R$ 304, 36). Veja tabela a seguir:

Elaborado pela Mangue Jornalismo a partir de dados do FBSP 2023.

Esses números podem indicar uma conta trágica e que não fecha: muitos desses gastos que deveriam ser usados para promover segurança de toda população foram utilizados em operações policiais letais, isto é, que resultaram em perdas de vidas e insegurança.

Assim como Sergipe, o estado do Amapá é uma prova de que essa conta não fecha. O Amapá é o 1º lugar no Brasil onde a polícia mais mata sob a justificativa de “troca de tiros”. E é exatamente o Amapá o estado que mais gasta no país nessa área, R$ 1.236,64 per capita.

Gastos públicos que deveriam ser usados para segurança foram utilizados em operações letais (Foto Pexels)

SSP/SE: “guerra ao tráfico de drogas”

A Secretaria de Estado da Segurança Pública de Sergipe já tinha se manifestado sobre o tema nas reportagens anteriores. A Mangue Jornalismo republica os argumentos da SSP/SE.

Segundo nota oficial, “a grande motivação dos CVLIs (Crimes Violentos Letais Intencionais) no estado é a guerra do tráfico de drogas.A disputa pelo território é intensa e merece uma intervenção permanente por parte da segurança pública”, informa a SSP/SE.

A secretaria afirma que “a letalidade policial no Estado de Sergipe é uma questão que tem contribuído para o aumento do número de mortes em decorrência das operações policiais civis ou militares no combate e enfrentamento à criminalidade, especialmente facções de tráfico de drogas local, afinal, os MVIs (Mortes Violentas Letais e Intencionais) é que compõem o ranking do Anuário Brasileiro da Segurança Pública. A letalidade policial é um fenômeno complexo e possui diversas facetas que não devem ser apenas resumidas em números”, diz a nota.

Para a SSP/SE, “em muitos casos, as operações são realizadas em áreas de alta criminalidade em desfavor de criminosos que confrontam com as equipes policiais e resistem à prisão. Deve-se salientar que a polícia sergipana, apesar de sua inferioridade numérica em relação a outros Estados do Nordeste e do Brasil, possui um satisfatório sistema de inteligência que tem auxiliado na desarticulação de facções ligadas ao tráfico de drogas, assaltos a instituições financeiras, tráfico de armas, roubos, homicídios e receptação”, esclarece a SSP/SE.


“Mortes em confronto são apuradas”

A nota oficial ainda diz que “é preciso compreender que enfrentar este cenário de criminalidade, manter a paz e a ordem social e reduzir os índices de criminalidade especialmente os índices de homicídios não se configura como uma missão fácil de ser alcançada”.

Segundo afirma a SSP/SE, “todas as ações policiais com resultado morte são devidamente apuradas e encaminhadas para o Ministério Público e Poder Judiciário que analisam todas as circunstâncias e legalidade da operação que resultou em morte. Existe um sistema de controle interno que é exercido pelas próprias polícias através de suas corregedorias e o controle externo exercido pelo Ministério Público o qual acompanha a atuação das forças policiais”.

A nota da SSP/SE conclui afirmando que “não existe nenhuma morte em decorrência da ação policial que não haja investigação e análise de sua legalidade pelo MP e Poder Judiciário do Estado de Sergipe. As políticas trabalhadas, inclusive, passam por alto investimento em Segurança Pública, com recursos do tesouro do estado e do Governo Federal. Investimento em treinamento qualificado e continuado. As forças policiais da segurança pública buscam fornecer treinamento contínuo e atualizado para os policiais, visando aprimorar suas habilidades e uso adequado da força”.

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