No dia 06 de novembro, faltando somente 23 dias para o início do Festival de Artes de São Cristóvão (Fasc) deste ano, o Banco do Estado de Sergipe (Banese), depois de muita pressão, anunciou que ia ajudar financeiramente o maior evento cultural de Sergipe.
Além de ser um patrocínio muito tardio, o valor destinado pelo banco foi quase três vezes menor do que é praticado pelo Banese para outros eventos dessa natureza, a exemplo do Pré-Caju.
A Prefeitura de São Cristóvão informou que o projeto e o ofício solicitando o patrocínio ao Banese foram apresentados ao presidente do banco Marco Queiroz, de forma presencial, no dia 29 de abril deste ano, quase oito meses antes do Fasc, período em que se permitia o cadastramento de projetos no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic).
Além do Banese no anúncio do patrocínio faltando só 23 dias para o festival, também estava representantes do governo do estado que garantiram apoio ao Fasc através de ações da Secretaria da Segurança Pública e da Saúde. O festival foi realizado de 29 de novembro até 1º de dezembro.
O governador Fábio Mitidieri (PSD), opositor ao prefeito de São Cristóvão, Marcos Santana (MDB), não apareceu no festival. Alegando que estaria com pneumonia, teria se afastado do trabalho para cuidar da saúde. Entretanto, ele, a primeira-dama Érica Mitidieri, secretaria da Assistência Social, e familiares foram flagrados num estádio de futebol na Argentina.
Em 2023 o Banese não patrocinou o Fasc, mas gastou R$ 280 mil no Pré-Caju
Em 2023, a Prefeitura de São Cristóvão tentou conversar com o banco do estado para que fosse investida alguma verba relevante no festival naquele ano, diante da importância cultural e da grandiosidade do evento. A prefeitura informa que não recebeu retorno do Banese e o Fasc foi realizado assim mesmo. Ocorre que no mesmo ano, o Banese investiu R$ 280 mil no Pré-Caju, festa privada que aconteceu na capital.
Para a edição do ano de 2024 do Fasc, a situação foi outra, mas somente dias antes de começar o festival em São Cristóvão, o Banese prometeu patrocinar o maior evento cultural de Sergipe com apenas R$ 100 mil, ou seja, um valor quase três vezes menor do que foi investido no Pré-Caju de 2023.
“A cultura sergipana não deve ser tratada como algo de segunda classe, subordinada a interesses comerciais ou de imagem. O valor investido é irrisório frente ao impacto que o Fasc gera, não só para os artistas e para a economia local, mas para a construção de uma identidade coletiva”, disse a deputada estadual Linda Brasil (PSOL), usando o plenário da Assembleia Legislativa de Sergipe.
Em razão do irrisório apoio financeiro recebido, a Fundação Municipal de Cultura e Turismo João Bebe-Água (Fumctur), secretaria da prefeitura de São Cristóvão que organiza o Fasc, foi obrigada a cortar, ajustar, remodelar o formato do festival para que o evento pudesse ser realizado, praticamente com recursos próprios.
Para continuar mantendo a cultura nas ruas de São Cristóvão nos tradicionais três dias de festival de artes, o prefeito Marcos Santana afirmou que os investimentos chegam a R$ 5 milhões.
A Fumctur disse que “a confirmação de qualquer patrocínio impacta diretamente na dimensão do Festival. Por entender que esse seria um ano atípico por conta do período eleitoral e algumas empresas não formalizam contratos nessa situação, remodelamos o festival para um formato que poderíamos assumir com recursos próprios para garantir que o evento acontecesse sem comprometer outras áreas”.
Ao ser questionado pela Mangue Jornalismo sobre a “demora” em patrocinar o Fasc de 2024, o Banese afirmou que “adota uma política de não patrocinar gestões municipais que venderam a folha de pagamentos da administração municipal para outras instituições financeiras. Porém, uma excepcionalidade foi aberta neste caso.”
Patrocínio de última hora só saiu na pressão
Assim que o projeto do Festival de Arte de São Cristóvão foi cadastrado em abril deste ano e algumas atrações começaram a ser divulgadas, esperava-se que o governo do estado respondesse aos pedidos de patrocínio. Entretanto, o silêncio era quase total, apesar de cobranças nas redes sociais.
A deputada Linda Brasil também utilizou da sua rede do Instagram para cobrar um posicionamento do governo, no dia 31 de outubro. Logo após o seu pronunciamento, o governo emitiu uma nota informando que viabilizaria uma reunião com a gestão do município de São Cristóvão para discutir o apoio de patrocínio para o festival, mas até então não havia informado a data.
No dia 05 de novembro, a deputada Linda Brasil voltou a denunciar o descaso do governo com o festival, mas agora utilizando da sessão plenária da Assembleia. “Nossa cultura não pode ser calada, nossa história não será esquecida e o nosso estado merece muito mais do que um governo que fecha os olhos para a nossa riqueza cultural”, falou Linda.
A deputada acredita que se o governo investisse no festival, transformaria o Fasc conhecido como um epicentro cultural no Brasil. “O Fasc é um evento que exibe o melhor da cultura sergipana, com sua diversidade de manifestações artísticas – música, dança, teatro, literatura, artes visuais – e não podemos subestimar o papel que ele tem na promoção da nossa identidade para o mundo”, explicou Linda Brasil.
O deputado estadual Paulo Júnior (PV) também utilizou o plenário da Assembleia Legislativa para reforçar a denúncia do não patrocínio do governo para o Fasc. “Isso é um escancaramento do descaso que esse governo tem com a cultura, com o nosso festival que é referência nacional, que é histórico em nosso país e tem décadas de existência”, falou o deputado.
As pressões surtiram algum efeito e no dia 6 de novembro, o Governo de Sergipe e o Banese anunciaram o patrocínio ao Fasc 2024. O anúncio veio através das redes sociais, informando que o governo utilizaria o Banese para investir no evento. Ao ser questionado se o banco iria colocar em sua programação o patrocínio das próximas edições do FASC, o Banese se limitou a dizer que “sempre estará na perspectiva do Banese o fomento contínuo à cultura sergipana.”
Segundo o Governo de Sergipe, já foram encaminhadas algumas tratativas para a próxima edição do Fasc ao prefeito de São Cristóvão, Marcos Santana. “A estrutura do governo está à disposição para alinhar parcerias e apoios para as próximas edições, como tem ocorrido desde que o Festival foi retomado”, afirmou o Governo de Sergipe.
O deputado Paulo Júnior informou que elaborou uma emenda não impositiva para que o Governo de Sergipe direcionasse R$ 280 mil para a edição deste ano do FASC, no entanto, o deputado afirmou não ter recebido a informação da liberação da emenda, mas isso se deu, segundo ele, por ser deputado de oposição. Ao ser questionado pela Mangue Jornalismo, o governo diz que desconhece qualquer pedido dessa natureza feito pelo deputado.
Fasc nasce de resistência e segue sendo resistência
Desde 2023, o Fasc se tornou um Bem de Interesse Cultural de Sergipe, por meio do Projeto de Lei Nº 350/2023, proposto pelo deputado Paulo Júnior. O reconhecimento pela Assembleia elevou o nível de importância do festival.
Segundo a Prefeitura de São Cristóvão, o Fasc tem atraído aproximadamente 50 mil pessoas por dia durante a sua programação e é um dos motores que impulsiona a economia do município.
“Nas últimas edições, o evento tem sido responsável pela criação de cerca de mil empregos indiretos, sem contar os aluguéis temporários e as diversas atividades relacionadas à economia criativa, que hoje desempenham um papel importante no desenvolvimento da cidade”, afirmou a Fumctur.
O Fasc surgiu em 1972, ainda durante a ditadura militar. Foi um evento carregado de censuras, mas que mesmo sendo vigiado, conseguiu ganhar força por longos 52 anos. E mesmo passando por pausas, como a de 2005, que retomou 12 anos depois, e a de 2020, pausado por dois anos por conta da pandemia, o Fasc é um festival de resistência que merece ser fomentado e celebrado por nos mostrar que a cultura sergipana é rica.
Governo reafirma que a verba destinada ao Fasc foi atendida na integralidade
Em nota encaminha para a Mangue Jornalismo na manhã desta sexta-feira, a Comunicação do Governo de Sergipe informou que “o Banco do Estado de Sergipe (Banese) informa que a verba destinada ao Festival de Artes de São Cristóvão (Fasc) foi atendida na integralidade, conforme o pedido formalizado pela Prefeitura de São Cristóvão. O atendimento à solicitação foi, inclusive, reconhecido pelo prefeito do município, Marcos Santana. Em relação ao Pré-Caju, o Banese esclarece que a demanda também foi contemplada de acordo com o pedido protocolado. Portanto, o Banese reforça que foram demandas específicas atendidas nas especificidades solicitadas, mas que não há distinção na destinação de valores de apoio entre os dois projetos em questão ou outras manifestações culturais, reafirmando seu compromisso com a promoção da cultura e da arte em Sergipe”.
A nota informa aqui que “em relação à viagem do governador Fábio Mitidieri à Argentina, em agenda pessoal com a família, o Governo do Estado informa que todas as informações já foram esclarecidas em publicações por meio das redes sociais, e o referido afastamento foi comunicado à Assembleia Legislativa de Sergipe, em acordo com parágrafo único do artigo 80 da Constituição do Estado e do decreto legislativo número 03, de 14 de novembro de 2023.”
ATENÇÃO: Reportagem atualizada em 06/12/2024 às 10h20.