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Papa Francisco: o professor de Literatura e seu encontro com o escritor Jorge Luís Borges

WAGNER LEMOS, especial para Mangue Jornalismo
(@prof_wagnerlemos)

O professor Jorge Mario Bergoglio (Crédito Arquivo)

A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas possam expressar perspectivas que estimulem o interesse e o debate público. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue, entretanto ele não precisa representar necessariamente o ponto de vista da organização.

Quando o mundo se despede do papa Francisco, líder religioso, que, na primeira manhã após a Páscoa, fez sua passagem, trago para este texto uma vertente pouco conhecida de sua trajetória intelectual.

Jorge Mario Bergoglio, nascido em Buenos Aires, Argentina, em 1936, deixou seu nome na história em razão de sua regência papal de doze anos. Historiadores já apontavam desde o início de sua atuação no Vaticano que havia nele um diálogo mais amplo, mais voltados a temas sociais e ecológicos, bem como uma tendência a aceitar mais grupos majoritariamente excluídos e não silenciar ante o crescimento de políticas de discriminação e genocídio. Isso fez com que certos grupos dados a extremismos atribuíssem termos pejorativos à figura do pontífice.

Por outro lado, essas características foram lidas por outras pessoas da sociedade, católicas ou não, como aspectos humanitários e que deveriam pautar não apenas a Igreja Católica, mas também toda humanidade: respeito às diferenças e valoração da vida.

Sempre lembrado como o primeiro papa latino-americano e como o primeiro da ordem jesuíta a chegar ao cargo maior do Catolicismo, poucos sabem que antes dessa etapa, o sacerdote foi professor de Literatura entre 1964 e 1966. Nos dois primeiros anos no “Colegio de la Inmaculada Concepción”, na província de Santa Fé. E no último ano, no “Colegio del Salvador”, em Buenos Aires.

O professor de língua e literatura Bergoglio nutria profunda admiração por autores como o russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986). Deste último, o professor Bergoglio sabia poemas e outros textos de cor. Tal admiração não se limitou a uma experiência de estima literária que manteve apenas consigo. 

A intrepidez de um docente em ir além dos cárceres conteudistas e ampliar os horizontes dos seus alunos no anseio de proporcionar caminhos de iluminada trajetória fez com o professor Bergoglio telefonasse para o célebre escritor e o convidasse para dar uma palestra para seus alunos, o que Borges aceitou. O fato inusitado entrou para a história do “Colegio del Salvador”, de Buenos Aires: um dos maiores nomes da literatura argentina ministrou aula em 1966.

Desde 2013, com a assunção de Bergoglio ao papado, o fato histórico passou a ser lembrado de outro modo. Aquela ocasião foi recordada como a oportunidade em que, em um mesmo ambiente escolar, estiveram juntos, debatendo Literatura, Borges e aquele que entrou para História como papa Francisco.

A Literatura é arte elevada que toca o espírito humano e nos propicia olhar para a Humanidade com sensibilidade. É assim que deve ser. A arte para nos lembrar a brevidade da vida, arte para nos evidenciar a importância da dignidade da vida. 

Recentemente, em 17 de julho de 2024, em carta dirigida a aspirantes do sacerdócio, o papa Francisco retomou a cátedra de ensino de seu tempo como Professor Bergoglio, e expôs a imprescindibilidade da Literatura na vida humana, mas, sobretudo, daqueles que se propunham ao sacerdócio. 

Nesse documento, o religioso apontou o valor da leitura de romances e poemas no caminho do amadurecimento pessoal, assim como dedicou-se a falar de como a leitura enriqueceria muito mais do que um mundo de telas com a dispersão que estas causam.

Além disso, afirmou: “não há nada mais contraproducente do que ler por obrigação, fazendo um esforço considerável só porque alguém disse que é essencial. Não, devemos selecionar as nossas leituras com abertura, surpresa, flexibilidade, orientação, mas também com sinceridade, tentando encontrar o que precisamos em cada momento da vida.” E reforçou que “o hábito de ler produz muitos efeitos positivos na vida de uma pessoa: ajuda-a a adquirir um vocabulário mais vasto e, consequentemente, a desenvolver vários aspectos da sua inteligência; estimula também a imaginação e a criatividade; simultaneamente, permite que as pessoas aprendam a exprimir as suas narrativas de uma forma mais rica; melhora também a capacidade de concentração, reduz os níveis de déficit cognitivo e acalma o estresse e a ansiedade”.

Ainda segundo ele, apreciar a Literatura nos coloca na condição de ver com os olhos dos outros e isso alarga a nossa humanidade, o que nos faz capazes de ver a diversidade do ser humano e a pluralidade das culturas para o respeito a todos. Não há como dele discordar. Além de concordar, há de se torcer para que as lições humanitárias de respeito à diversidade permaneçam entre nós e se disseminem como um bom livro no gosto do público.

Para saber mais:
Carta do Santo Padre Francisco sobre o papel da Literatura na Educação (https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2024/documents/20240717-lettera-ruolo-letteratura-formazione.html)

Wagner Lemos é doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em Euclides da Cunha.

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