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“Os Franco sempre foram escravocratas”, diz pesquisador da UFS Bruno Vieira sobre a mais tradicional família de SE

De acordo com a dissertação de mestrado/UFS, a família Franco, com influência nos mais variados níveis de poder no estado, teria construído seu poder a partir da exploração do trabalho em canaviais no Brasil colônia, ampliou seus empreendimentos e entrou para a política nos anos Vargas, avançando sobre as mídias e outros empreendimentos durante a ditadura militar e manteria ainda hoje precarização em suas usinas.

Bruno Vieira, mestre em Geografia/UFS. (Crédito: arquivo pessoal)

No final do curso de Geografia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Bruno Vieira decidiu o tema sobre o qual se debruçaria no curso de mestrado. “Eu queria algo a respeito da categoria trabalho, da geografia do trabalho, algo que fosse mais voltado à precarização do trabalho no campo, sua mecanização e terceirização”, conta.

Natural do município de Itaporanga D’Ajuda e à época da graduação residindo em Itabaiana, Bruno observava a movimentação de trabalhadores rurais em propriedades canavieiras na região. “Foi da minha orientadora que partiu a ideia da pesquisa. Ela chegou para mim e disse ‘Bruno, eu tenho muita vontade de fazer pesquisa sobre os Franco, porque há uma carência muito grande de textos críticos’”.

A sugestão da professora Ana Rocha dos Santos unia interesses, já que a família Franco tem uma longa relação com o trabalho em canaviais, principalmente no Vale do Cotinguiba, sendo mencionada em documentos públicos desde o século XVIII.

Ao longo de dois anos e meio, Bruno reuniu informações sobre o poderio político-econômico da família Franco, culminando na dissertação de mestrado Política e Poder: influência da família Franco na (re)produção do espaço sergipano,concluída em 2023 e defendida na UFS.

A pesquisa também levantou dados relevantes, como evidências de que trabalhadores contratados para o corte de cana em uma das fazendas da família, em Areia Branca, estariam alojados sob condições precárias e até submetidos a servidão por dívida.

Segundo Bruno, a família teria utilizado do seu cabedal econômico, nascido da ocupação espacial de inúmeras áreas transformadas em fazendas (dentre suas propriedades, 19,4% do município de Riachuelo pertence aos Franco), para influenciar a política do estado. Já nos anos 1940, investiram na entrada na política partidária, com a eleição de Walter do Prado Franco para o cargo de senador pela UDN.

Hoje, além de usinas, fazendas, empreendimentos agropecuários, fábricas e um shopping, membros da família Franco também controlam veículos de mídia, inclusive a TV Sergipe (afiliada da Globo) e a TV Atalaia (afiliada da Record), cujas concessões públicas foram conseguidas durante a ditadura militar (1964-1985).

Atualmente, os Franco não ocupam cargos eletivos, mas ainda teriam influência em decisões políticas. Segundo a dissertação de Bruno Vieira, a família garantiu uma certa “blindagem”, inclusive no Judiciário. Exemplo recente disso foi a permanência do ex-deputado estadual Marcos Franco como secretário estadual do Turismo mesmo após acusação de violência contra a mulher. 

Bruno Vieira é professor, especialista em Ciência Política, mestre em Geografia e membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Urbano-regionais, Política e Educação da UFS.

A Mangue Jornalismo conversou com Bruno Vieira sobre suas descobertas durante a pesquisa e as dificuldades que encontrou para reunir informações. “Eu acredito que a minha pesquisa, como um produto social, é para ser usada pela sociedade também como uma arma”. Leia a entrevista abaixo.

Mangue Jornalismo (MJ) – O foco espacial da sua pesquisa foram os municípios de Riachuelo, Laranjeiras, Areia Branca, São Cristóvão, Itaporanga D’Ajuda, Aracaju, Barra dos Coqueiros e Nossa Senhora, onde o poder econômico-espacial dos Franco não só teve início como continua. Poderia explicar melhor como se dá o “nascimento” desse poder territorial na região?

Bruno Vieira (BV) – A família Franco é uma família tradicional, mas não encontramos nada sobre eles terem vindo de Portugal já constituídos. Já em 1700 e alguma coisa aqui no Brasil, tinha o nome dos Franco gravado em registros oficiais. O que eu trago a partir da posse da terra [é que] uma vez que grupos específicos têm terras, [eles] têm poder. Quem são os políticos que estão no Senado, na Câmara, nas prefeituras, nas câmaras municipais? Hegemonicamente, são aqueles que detêm grandes posses de terra.

Uma vez que a família Franco já tinha desde o período colonial terras, e uma vez que a terra, a partir de 1850, passa a ser propriedade privada (porque antes pertencia à Coroa, ninguém comprava a terra, a Coroa que doava, e depois, se quisesse, tomava); uma vez que os Franco conseguiram manter a propriedade privada a partir de 1850, eles passam a ter capital, têm meio de exploração, porque a terra é meio de exploração. A terra é condição e produto da luta de classes. Tudo se reproduz em cima do espaço.

Eles sempre foram escravocratas, sempre foram latifundiários, coroneis. E a partir dos anos 1940, eles adentram literalmente na política. Mas eles já tinham influência desde o século XIX.

O Vargas [presidente Getúlio Vargas] era quem designava o governo dos estados, quem seria o interventor naquela época, no Estado Novo. E os grandes latifundiários, donos de engenho que ainda não eram usinas, determinavam [quem seria escolhido por Vargas], então tinha essa influência.

[A Era Vargas] não quebrou a hegemonia das oligarquias. Em Sergipe, os Franco continuaram usufruindo, constituindo e ampliando seu domínio econômico e político. Como? Uma vez que eles têm terra, eles acessam e intervêm na política e no Judiciário.

Na época de Getúlio Vargas, houve um programa chamado Instituto do Açúcar e Álcool (IAA), uma política pública de estado. Ela foi um dos principais fomentos da transformação dos antigos engenhos de açúcar nas atuais usinas sucroalcooleiras. A projeção dos Franco se dá por meio da terra e do acesso a políticas públicas e aparatos do estado entre os anos 40 e 60.

MJ – Como proprietários de extensas monoculturas de cana-de-açúcar em Sergipe, quão relacionados com a escravização a família Franco é na construção de sua fortuna?

BV – Eles são escravocratas desde sempre. A gente vive hoje uma escravização moderna, que é o assalariamento. Você hoje tem liberdade de ir e vir, mas que liberdade é essa que você só tem o mínimo para sobreviver?

Uma vez que eles têm acesso às políticas públicas, eles as definem e promovem seus empreendimentos, seus latifúndios. Muitas políticas públicas ampliaram consideravelmente suas fortunas. Os Franco saíram de um engenho, chamado Engenho São José (que hoje se chama Usina São José do Pinheiro) para, hoje, serem donos de mais de 15 fazendas – isso somente no nome da Usina Pinheiro em Laranjeiras, Areia Branca e Riachuelo. Atualmente, os Franco são donos de 15% da área do município de Laranjeiras. 

Esses empreendimentos rurais nunca foram deles. O que era deles era o Engenho São José do Pinheiro, por herança. A partir da República Velha, eles conseguiram o Engenho Central.

Desde os anos 70 e 80, houve uma exploração imensa da mão de obra local. Mas hoje a mão de obra que atua nos canaviais dos Franco vem do interior de Alagoas e do interior da Bahia, e não do agreste sergipano ou do entorno do Vale do Cotinguiba. Os trabalhadores do Vale do Cotinguiba foram expulsos para a capital, para Itabaiana, ou não se submetem mais à exploração do trabalho imposta. Do interior de Alagoas vem principalmente descendentes de indígenas, e do interior da Bahia vem trabalhadores negros. Eles mandam buscar de ônibus.

Há dois períodos, o de corte e o de plantio. Geralmente as pessoas que vão para o corte da cana ficam em galpões improvisados. A precarização vai da alimentação à moradia, à falta de cuidados com curativos, exposição ao sol, calor dentro desses galpões…  Além de se constituir em um perímetro de exploração do trabalho, [essas áreas] se tornam também um perímetro de currais eleitorais.

MJ – E a cooperação da família com a ditadura militar de 1964-1985?

BV – Os anos da ditadura militar foram a época áurea do empresariado, principalmente do grande latifundiário, por conta do alinhamento político-econômico dos capachos do empresariado em trocas de favores. A manutenção deles [militares] no poder dependia de os empresários terem como contrapartida a ampliação cada vez maior de investimentos públicos nos empreendimentos privados. E por onde vinha esse dinheiro para parecer lícito? Por meio de “políticas públicas”.

O Exército criva o grande empresariado – no caso de Sergipe, os canavieiros donos de usinas – com políticas públicas para o desenvolvimento produtivo-econômico, caso do Pró-Álcool, já ali na década de 70, com a crise do petróleo. O Pró-Álcool jogou dinheiro que nem confete para tudo quanto foi produção canavieira por todo o país. Aqui no Nordeste não foi diferente, pois era a base da produção de cana, mudando para São Paulo dos anos 90 pra cá.

Os Franco se beneficiaram aos montes: ampliaram fazendas, compraram concessões de redes de televisão pública, concessões de rádio. Hoje eles são donos de oito empreendimentos de comunicação. Foi quando Albano Franco se tornou deputado estadual e o pai se tornou governador biônico (primeiro ele tinha sido deputado federal).

[Nesse período] Eles ampliaram seus canaviais, passando da produção de cana para a produção de açúcar e álcool. Isso fez com que houvesse um número imenso de produtores rurais indo para a capital e região metropolitana nos anos 70 e 80.

Os pequenos produtores rurais tiveram que vender seus pequenos sítios e fazendas devido ao impacto produtivo que têm os canaviais dos Franco sobre eles. Eles tiveram que sair ou se submeter ao trabalho precarizado, vender suas terras ou loteá-las para o grande proprietário. E houve a criação das vilas operárias, que ainda existem nos canaviais dos Franco.

MJ – Durante a pesquisa (2021-2023), você visitou a estalagem improvisada que a família Franco mantém numa escola abandonada no povoado de Cafuz, no município de Areia Branca, onde foram instalados os trabalhadores do corte de cana. Qual foi o cenário relatado pelos trabalhadores?

BV – A estalagem improvisada fica próxima a uma rodovia federal, a BR-235, é algo às claras. O prédio é um antigo colégio, ninguém sabe como os Franco são hoje “donos” dele. O único ambulatório fica na Usina Pinheiro, em Laranjeiras, serve para todo mundo e o atendimento é demorado.

Segundo revelaram, tem cortador de cana que recebe 18 reais por dia e muitos estão lá devendo. Tem um sistema de barracão, é uma estrutura dentro desse “alojamento” de trabalhadores no qual um dos capatazes vende para eles por 10 reais um sabonete que custa 2 reais.

Eles [a administração dos canaviais] só fornecem para os trabalhadores o arroz e o feijão, a carne é por conta do trabalhador. E tem trabalhador que chega lá já devendo o transporte e o material que vai receber (facões, botas). Me lembrou muito o filme “Pureza” (2019), eu citei na dissertação.

Imagem disponível na dissertação de Bruno Vieira mostrando a localização do alojamento improvisado de trabalhadores do corte da cana dos canaviais da família Franco em Areia Branca. Crédito: Bruno Vieira a partir do Google Maps/Reprodução

MJ – Por que o Ministério Público do Trabalho (MPT) não age?

BV – Eu fui ao Ministério do Trabalho, procurei saber se eles tinham informações, e eles não têm. [Disseram] que houve uma denúncia, mas foi arquivada. Os Franco são muito blindados, precisaria de muitos ofícios, muito vai-e-vem. Só foi possível conseguir informações mínimas com o ofício da Universidade Federal de Sergipe assinado pelo pró-reitor.

Foi aí que eu percebi o nível de como eles se favorecem no sentido de continuar com as injustiças que cometem contra os trabalhadores, porque as denúncias são de trabalhadores que passam fome, sofrem acidentes e são mal cuidados, ficam sob o sol, passando calor. É imoral, injusto e está sob o olhar do Estado. E esses empreendimentos dos Franco recebem subsídios. Os trabalhadores recebem o Mão Amiga, um auxílio do governo do estado para os cortadores de cana. Mas quem deveria dar esse dinheiro não seria o próprio usineiro?

Fotografias de dentro do alojamento improvisado numa escola abandonada em Areia Branca, onde cortadores de cana permanecem durante os meses de trabalho nos canaviais da família Franco. À esquerda, um dos “dormitórios”; à direita, alimentos guardados em panelas ao lado das camas por falta de geladeira no local. Crédito: Bruno Vieira/Reprodução.

MJ – Na dissertação, você cita o tráfico de influência e o lobbysmo como duas das principais táticas usadas pelos Franco para manter seu poder político hoje. Poderia dar um exemplo concreto dessas abordagens?

BV – Se você pegar Jackson Barreto, Belivaldo Chagas e Fábio Mitidieri, todos foram eleitos com o aval dos Franco, porque eles têm um lobby político e econômico no estado. Eles têm o lobby da indústria na mão, é muito dinheiro. Eles se alinham com a esquerda e a direita. Se forem favorecidos, eles se alinham com qualquer um.

Albano Franco já foi presidente da Federação Sergipana de Indústria e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A gente não pode esquecer que foi principalmente a FIESP e a CNI que derrubaram Dilma [Rousseff, ex-presidente brasileira pelo PT que sofreu impeachment em 2016].

A família tem as principais redes de comunicação no estado, isso não é pouca coisa. Se eles quiserem bater nos candidatos o dia todo, eles batem. Eles têm jornal impresso, site de notícias, emissoras de rádio, concessões de TV, aplicativos. A influência é mais por conta desse conjunto de poder. Eles possuem certa hegemonia diante do tecido social, então podem influenciar.

MJ – Quais foram as principais dificuldades que você encontrou no levantamento de dados?

BV – Eu não ia mais de uma vez no mesmo local. Eu era instruído pelos próprios funcionários a não voltar, passei perigo várias vezes. Parte do pessoal que estava lá me ajudou; outros não, por medo. Sabe o que alguns trabalhadores pensaram? Que eu ia fazer alguma coisa, muitos pensavam que eu ia fazer algo, pediram ajuda.

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Uma resposta

  1. Muito corajoso. Parabéns, inclusive falando no MARCOS FRANCO, que continua mamando nas tetas do governo!
    Parabéns corajoso BRUNO VIEIRA.

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