RAPHAEL DANTAS MENEZES, especial para Mangue Jornalismo
(raphaeladv79@gmail.com)
A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas convidadas possam expressar ideias e perspectivas que estimulem o interesse e o debate público sobre uma temática. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue (que estão na parte de transparência do site), entretanto ele não precisa representar necessariamente o ponto de vista da organização.

A convivência harmônica em sociedade exige políticas públicas que evoluam junto às necessidades da população. Nesse cenário, o Estado desempenha um papel crucial ao equilibrar diferenças e promover um ambiente pacífico, garantindo que direitos fundamentais sejam respeitados. Contudo, a relação entre polícia e comunidade enfrenta desafios históricos, marcados por desconfiança e falta de diálogo, dificultando a construção de uma convivência colaborativa e segura.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, Sergipe está entre os estados com maior letalidade policial no país. Em 2023, foram registradas 10,4 mortes por intervenção policial para cada 100 mil habitantes, mantendo o estado na terceira posição do ranking nacional. Em 2020, essa taxa era de 8,5. Mesmo sendo o menor estado do Brasil, Sergipe apresenta índices preocupantes de violência policial, demonstrado uma gestão violenta sobre os corpos da população.
Um dos exemplos de morte por intervenção policial em Sergipe que foi divulgado nacional e internacionalmente foi o assassinato de Genivaldo de 38 anos, morto por agentes da Policia Rodoviária Federal (PRF) no município sergipano de Umbaúba, através de uma espécie de câmera de gás improvisada pelos agentes no porta-malas da viatura
Estudos revelam que o uso de câmeras corporais tem impactos positivos significativos: pesquisas conduzidas por Joana Monteiro e outros especialistas apontam que o programa Olho Vivo, implementado em São Paulo, reduziu em 57% as mortes decorrentes de intervenções policiais, o que equivale a 104 vidas preservadas.
Em Sergipe, a resistência à adoção de novas tecnologias de controle e transparência nas ações policiais é um tema que ganha destaque. O Sindicato dos Guardas Municipais de Aracaju (SIGMA) se posicionou contra o Projeto de Lei 20/2024, de autoria da vereadora Sônia Meire, que visava avanços nesse sentido. Entretanto, apesar da oposição, a Lei nº 6.116/2024, que prevê a implantação de câmeras corporais nos uniformes dos agentes da Guarda Municipal de Aracaju (GMA), foi sancionada em 27 de dezembro de 2024.
Essa mudança ocorre em um contexto de crescente preocupação com a violência policial no estado, especialmente em relação a jovens negros em situação de vulnerabilidade social. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Núcleo de Estudos da Violência da USP, em parceria com o G1/Monitor da Violência, 85,1% das vítimas de confrontos policiais em Sergipe são negras, evidenciando um padrão preocupante de disparidade racial nos episódios de violência envolvendo a polícia.
Tecnologia contra o viés e o estresse
A atividade policial é marcada por altos níveis de estresse e riscos, fatores que podem levar a decisões precipitadas. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 destacam que o estresse crônico está associado ao desenvolvimento de problemas de saúde como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), agravado por longas jornadas e condições adversas de trabalho.
A Teoria da Economia Comportamental, por sua vez, oferece uma explicação para o impacto das câmeras corporais. O conceito de nudges (pequenos incentivos que influenciam comportamentos mais desejáveis) demonstra que, ao registrar as interações de maneira objetiva, os dispositivos ajudam a reduzir episódios de violência, promovendo decisões mais racionais sem cercear a liberdade dos agentes, funcionando como uma espécie de panóptico – um modelo de vigilância em que a simples possibilidade de estar sendo observado induz comportamentos mais desejados.
Além disso, em casos de conflito, as gravações podem resguardar policiais de acusações infundadas. Um exemplo prático é o Recurso Especial nº 2101494, analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que o uso de câmeras poderia ter esclarecido os fatos e garantido maior justiça na avaliação do caso.
Avanço na segurança pública
As câmeras corporais nos agentes de segurança pública, especialmente em Sergipe, podem ser uma ferramenta de controle das ações policiais que não retira a liberdade de agir dos agentes. É possível estruturar o uso das câmeras para incentivar boas práticas sem comprometer a autonomia dos profissionais.
As câmeras não devem ser vistas como punição, mas como um instrumento que estimula condutas éticas e fortalece a confiança social. Experiências em diversos países demonstram a efetividade da tecnologia para reduzir o uso excessivo da força.
O trabalho da força policial é altamente estressante e impacta diretamente a saúde mental dos agentes. Diante da complexidade do comportamento humano, é necessário que as políticas públicas do Estado de bem-estar social adotem estratégias que considerem os vieses individuais, como medo, trauma, estresse e preconceito.
Pequenas mudanças legislativas podem impactar significativamente as decisões individuais. Urge a necessidade de desenvolver políticas públicas que efetivamente construam um ambiente mais pacífico.

Raphael Dantas Menezes, advogado, mestre em Direitos Humanos, escritor e autor do livro Ausência de paz nas comunidades periféricas em Sergipe: uma vivência violentada.
Referência
FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP) (org.). 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública: 2024. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/publicacoes/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/ Acesso em: 28 nov.2024.