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O 13 de Maio e os embates abolicionistas. Da Cabana do Pai Thomaz ao quilombola João Mulungu, a ação autônoma dos escravizados

Em 13 de maio de 1888 – há 135 anos – foi decretada a Lei Áurea, abolindo a escravidão no Brasil. Do ponto de vista da história de Sergipe, a luta pelo fim do cativeiro não transcorreu de maneira diferente da de outros lugares do país, sendo formada, tanto pelos ativistas do movimento abolicionista, como pela ação autônoma dos escravizados. Os primeiros eram liderados por pessoas brancas, legalistas e conciliadoras, além de compactuarem com partes do projeto das elites de uma abolição lenta, gradual e segura; já os segundos eram protagonizados por pessoas negras, algumas das quais insurgentes.

Do primeiro grupo, notabilizou-se a figura de Francisco José Alves, o fundador da “Sociedade Abolicionista Aracajuana Cabana do Pai Thomaz”, em 1882. Promovendo conferências públicas, aulas de “ensino primário” para os “ingênuos”, realizando leilões para obtenção de recursos financeiros com os quais comprava as alforrias dos escravizados, Alves ainda foi capaz de publicar dois jornais – “O Descrido” e “O Libertador” – para veicular seus ideais abolicionistas.


Mas não devemos cometer equívocos

Francisco José Alves não foi um herói dos afro-sergipanos. Branco, ordeiro, seu lema era de não perturbar a paz dos senhores de escravizados. Como é comum na história, Alves foi uma figura cujas ações não ficaram incólumes às contradições. Premido por uma visão elitista do movimento abolicionista, ele nunca propôs uma aliança com os quilombolas (escravizados fugitivos) do estado, ou seja, jamais procurou se aproximar politicamente dos focos de resistência escrava. Pelo contrário, chegou a ser proprietário de escravizados, foi acusado de libertar os cativos em troca de prestação de serviços e, depois da Lei Áurea, teria se decepcionado com a militância política e abandonado a “causa coletiva”, refugiando-se no município de Estância até a morte.

No tocante à Sociedade Abolicionista Cabana do Pai Thomaz, vale assinalar que o número de adeptos e simpatizantes não foi expressivo. Em 1883, ela reunia vintes pessoas, formadas por senhores de engenho, advogados, professores, funcionários públicos e, sobretudo, negociantes. Quanto aos cativos que foram diretamente beneficiados por sua ação, estes somaram um pouco mais de uma centena.

João Mulungu e outros

Já do segundo grupo que se mobilizou pelo fim do cativeiro – o da insurgência escrava –, participaram dezenas, centenas, quiçá, milhares de quilombolas. Dentre eles, destacaram-se lideranças como João Mulungu, Laureano, Dionísio, Frutuoso e Saturnino. João Mulungu é, sem dúvida, o que vem tendo maior notoriedade no imaginário político e acadêmico do estado. Nascido no Engenho Piedade em Itabaiana, por volta de 1850, ele foi vendido jovem para o Engenho Mulungu, em Laranjeiras, e a partir daí passou a ser identificado pelo epíteto Mulungu. A superexploração e os maus-tratos a que era submetido estimularam-lhe na decisão de fugir em 1868. Por cerca de oito anos, participou ou liderou a organização de mocambos (espécie de quilombos) e promoveu várias ações antiescravistas em diversas cidades, como Capela, Siriri, Divina Pastora, Rosário do Catete e Laranjeiras. Na década de 1870, era uma das figuras mais populares entre os cativos e temido entre os grandes proprietários rurais. Não por acaso. De acordo com os seus contemporâneos, Mulungu era um quilombola (auto)determinado, inteligente, arrojado e impávido. Fugiu de múltiplas perseguições e cercos policiais, até ter sido preso em 1876, vítima de uma emboscada.

É verdade que João Mulungu não deve ser visto como um herói – até porque antes e depois de sua morte surgiram outros “Mulungus”, com histórias talvez tão ou mais fabulosas do que a dele –, mas também é verdade que ele se tornou um mito e, enquanto tal, vem sendo significado e ressignificado em cada contexto. Assim, o mais importante é reconhecer que, hoje, Mulungu constitui um símbolo de resistência e luta contra a opressão racial e em prol da efetiva emancipação de milhares de afrodescendentes de Sergipe e porque não dizer do Brasil.

Que nesse 13 de Maio nos lembremos da ação autônoma dos escravizados. Se não foi decisiva para o acúmulo de forças e os contornos do movimento abolicionista, ela minou com o sistema escravista e decerto contribuiu para o desgaste final do nefando regime de cativeiro; logo, sua importância não pode ser obliterada.

Este artigo foi originalmente publicado no Jornal da Cidade, Aracaju, 15/05/2007, Caderno B, p. 8.

O livro está disponível para download em: https://www.livraria.ufs.br/produto/do-cativeiro-a-cidadania-o-pos-abolicao-em-sergipe/.


Petrônio Domingues – Doutor em História (USP), professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e organizador do livro “Do cativeiro à cidadania: o pós-abolição em Sergipe (2022)”.

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