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“Ninguém comprou o rio”. Empreendimento de alto padrão causa impactos ambientais na Zona de Expansão de Aracaju

“Viver em total conexão com a natureza, com uma área de lazer abundante e que promove a integração entre as pessoas”. Essa é a principal promessa do empreendimento Villaredo Aruana, um loteamento com 900 unidades que está sendo construído pela Laredo Urbanizadora às margens do rio Santa Maria, no Robalo, Zona de Expansão de Aracaju.

No entanto, longe dos holofotes do marketing, a realidade é diferente. Restrições quanto ao acesso da comunidade local ao rio Santa Maria, aterramento do manguezal, derrubada de árvores nativas, danificações à principal via do povoado e desrespeito às dinâmicas da vivência local são algumas das reclamações de parte das moradoras e moradores do Robalo, composta principalmente por povos ribeirinhos, como pescadores artesanais e marisqueiras.

“Era 10 horas do dia e eu fui olhar a maré na andada dos caranguejos. Quando cheguei na portaria, o rapaz perguntou se eu ia pescar, eu disse que não. Ele disse: ‘não pode ir não’. Respondi que só ia olhar a maré, e ele disse: ‘não pode não’. Eu não disse nada, voltei. Ia dizer o que? Ele não me deixou entrar. Por vida ali foi estrada e agora não é pra ninguém entrar. Compraram o terreno, mas ninguém comprou o rio”, afirma Ricardo*, morador do Robalo.

Vigilância: pessoas são fotografadas e filmadas

As pessoas que têm a passagem até o rio autorizada pela construtora são fotografadas e filmadas, segundo relatos da comunidade local. “Eu moro aqui desde que nasci, todos sempre tiveram livre acesso ao rio, ele é parte da comunidade. Agora tem gente que não quer ir mais para o rio, porque quando vai passar pela portaria, o homem diz que vai tirar foto nossa. A gente pergunta: ‘por que vocês tiram fotos nossas?, e eles respondem que é para o controle. Agora somos controlados por uma empresa na nossa comunidade?”, questiona Fátima*, que nasceu no Robalo e desde então mora lá, há 52 anos.

Pedro*, que mora na via dos Três Porquinhos, rua principal que dá acesso ao rio – e agora, também ao empreendimento -, aponta uma série de transtornos causados pela obra. “Olha esses buracos, não tem muito tempo que mobilizamos a comunidade para asfaltar essa via”, afirma, enquanto aponta para a via danificada.

Outra reclamação da comunidade é com relação à derrubada de árvores nativas no espaço do loteamento, cuidadas coletivamente desde gerações anteriores. “Aqui tem mangaba, dendê, ouricuri, murici, ingá, caju, manga, oiti, mas já arrancaram muitas, restam poucas agora. Mas nem as catadoras de mangaba vêm mais, porque as mangabeiras estão morrendo. Elas são árvores sensíveis, se destruir o solo, se desgostam e morrem”, lamenta o morador Vitor*.

Racismo ambiental e mercantilização da natureza

As reclamações da comunidade ganharam mais visibilidade a partir da criação de um perfil nas mídias digitais, que desde fevereiro deste ano tem publicado fotos, vídeos e relatos das pessoas reverberando as denúncias. Os conflitos se intensificaram no início de março, quando a Laredo prestou um Boletim de Ocorrência na Delegacia Especializada do Turismo (DETUR), alegando difamação e solicitando a retirada do perfil da internet. No início de abril, o Fórum em Defesa da Grande Aracaju entrou com uma representação junto ao Ministério Público Federal (MPF) contra a construtora.

O representante do Fórum, José Firmo, foi uma das pessoas intimadas pelo BO movido pela Laredo. “Essa ação judicial é apenas um fato dentre toda uma somatória de coisas que já vinham acontecendo. Primeiro, começaram a construir esse empreendimento sem diálogo nenhum com a comunidade. Depois, passaram a colocar corrente com cadeado em duas cancelas ao longo do caminho que vai até a beira do rio. Colocaram seguranças dentro de uma área que era de livre circulação, intimidando as pessoas da comunidade. Solicitamos à Laredo e à Prefeitura a documentação do licenciamento, mas só conseguimos obter por intermédio da Defensoria Pública. Agora, a construtora dissemina inverdades contra a comunidade local”, destaca Firmo.

A Instituição Chão, que presta assessoria técnica ao Fórum, teve acesso à documentação do licenciamento e aponta uma série de lacunas que considera essenciais à liberação da obra. “Esse formato de empreendimento tem consonância com o projeto geral de urbanização da Prefeitura de Aracaju. Licenciamentos sem processos de escuta da comunidade local, totalmente desassistidas de serviços básicos, e que são colocadas nessa situação de receber empreendimentos de alto padrão, sob promessas de modernização do espaço. Não há nos documentos do licenciamento nenhuma menção à instalação de redes de tratamento de esgoto, ao replantio das árvores derrubadas, um plano de gerenciamento de resíduos. É um projeto com um caráter nítido de racismo ambiental e tentativas de mercantilização da natureza”, afirma Augusto Cruz, representante da Chão.

Zona de Expansão sob a mira das construtoras

A Ética Consultoria Ambiental, uma empresa contratada pela Laredo para intermediar as ações de relacionamento comunitário, afirma que o Fórum em Defesa da Grande Aracaju dissemina inverdades e que a Laredo age em total consonância com as determinações de respeito ao meio ambiente. “O acesso ao rio nunca foi fechado, essa é uma informação falsa que está sendo disseminada por pessoas que têm interesses próprios, inclusive tem membros envolvidos com as manifestações que nem moram no povoado. É importante ressaltar que nós não temos relação com o licenciamento, o nosso papel é o de conscientização. É mostrar à comunidade os benefícios que o empreendimento irá trazer, e temos sido muito bem recebidos. As pessoas participam de nossas reuniões, oficinas, e entendem quando falamos com elas”, afirma Karina Drummond, representante da Ética.

A Laredo Urbanizadora também garante que o acesso ao rio é livre. “A gente não impede absolutamente ninguém de caminhar até o rio, inclusive o caminho está sinalizado. Fizemos duas visitas guiadas com pessoas da própria comunidade, que nos mostraram o caminho que percorrem até o rio, e mantivemos esse percurso aberto. Hoje estamos instalando câmeras no acesso justamente para mostrar que tem acesso. Porém, nós estamos falando de um canteiro de obras. Já encontramos crianças no buraco do canteiro, já percebemos pescador alcoolizado transitando entre o maquinário, e a segurança do espaço é de responsabilidade da Laredo”, explica a gerente imobiliária da construtora, Verilane Mota.

Ela também destaca que o Boletim de Ocorrência não teve como objetivo intimidar a população local, mas buscar uma forma de diálogo. “Nós queríamos saber quem criou aquele perfil e por isso entramos com o BO. Assim que descobrimos a autoria, desistimos do processo. Nos surpreende a postura do Fórum, porque desde o início estamos tentando um diálogo aberto, convidando para reuniões e atividades. Entregamos os documentos do licenciamento em mãos. Inclusive, temos registros de representantes do Fórum dizendo “eu não quero conversa”. A gente faz reunião com lista de presença onde tem morador, marisqueira, pescador discutindo o acesso e o Fórum que está lá representado nunca quis participar. Me assusta o não querer diálogo, mas querer briga”, destaca.

Ações compensatórias e obras de infraestrutura

Com relação aos impactos ambientais, Verilane admite que são inevitáveis, mas que a empresa tem feito de tudo para mitigá-los. “É um empreendimento grande, são muitas unidades, a gente sabe os impactos que isso causa. Mas esse avanço vai acontecer, as opções de moradia estão chegando na Zona de Expansão porque a gente já não tem mais espaço em Aracaju para construir. Só resta a Zona de Expansão. E que bom que é a Laredo chegando, uma empresa que tem responsabilidade não só com o licenciamento e as ações compensatórias, mas que também está beneficiando a região com obras de infraestrutura. Nós vamos construir uma ampla área de lazer para a população local, com 10 praças, vamos instalar internet wi-fi, fazer reparos na via dos Três Porquinhos e preparar uma outra via de acesso ao Villaredo”, anuncia a gerente imobiliária.

Verilane também explica que a gestão do esgoto e dos resíduos não está discriminada porque se trata de um licenciamento prévio. “O esgotamento sanitário do Villaredo vai passar por uma estação de tratamento instalada no Shopping Praia Sul, que também serve a outros empreendimentos. Além disso, respeitamos o distanciamento mínimo para construções na margem de rios, que é de 100 metros. Não vai ter nenhuma casa próxima à ribanceira, apenas áreas de lazer de baixo impacto, como quadras e quiosques, e mesmo assim há mais de 100 metros da margem. O protagonista do empreendimento é o rio, como é que a gente vai provocar destruição e jogar esgoto nele? A gente está tratando ele como um espaço de lazer”, informa a representante da Laredo, ao destacar que 80% dos 900 lotes já foram vendidos.

*Os nomes das pessoas entrevistadas são fictícios. Preservamos as respectivas identidades a pedido das próprias fontes, por questões de segurança.

Priscila Viana

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