Maternidade real é coletiva: entre comunidades, histórias, telas e recomeços

ISABELA RAPOSO, especial para Mangue Jornalismo

Mostra Maternidade Real: escuta e visibilização de diferentes maternagens (Crédito: Pritty Reis)

A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas possam expressar perspectivas que estimulem o interesse e o debate público. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue, entretanto ele não precisa representar necessariamente o ponto de vista da organização.

Quando aceitei o convite para integrar a Mostra Maternidade Real deste ano, não imaginava o tamanho da transformação que me atravessaria. Depois de quase cinco anos mergulhada numa experiência intensa — e muitas vezes solitária — da maternidade, voltar ao trabalho foi mais do que uma retomada profissional. Foi um gesto político, íntimo, mas também coletivo.

A Mostra percorreu comunidades de Sergipe com um objetivo claro: ouvir e visibilizar as diferentes maternagens. Não com romantização, mas com escuta atenta. Com espaço para a dor, a luta, o caos e o cuidado. Estivemos onde quase nada chega. Onde ser mãe é, antes de tudo, um ato de resistência.

Levamos o cinema como ponte. Em cada espaço ocupado, as imagens projetadas abriram caminhos. A tela, muitas vezes, se transformou em espelho onde aquelas mulheres puderam se ver. E foi como acender uma faísca.

Os filmes não estavam ali só para entreter. Eles provocavam. Despertavam memórias, expunham feridas, arrancavam risos. E, acima de tudo, criavam conexão. Depois de cada sessão, vinham os depoimentos, os silêncios profundos, os olhos atentos. O cinema como acolhimento.

“Os filmes não estavam ali só para entreter. Eles provocavam”, Isabela (Crédito: Pritty Reis)

Em muitos territórios, fomos o único projeto cultural a circular ali em anos. Isso não é acaso. É resultado de um projeto político que marginaliza cultura, mulheres e mães. Um projeto que não abre creches, corta bolsas e, ao mesmo tempo, não promove a independência financeira. Um projeto que ignora os clamores das periferias. Mas ali, naquelas rodas, pudemos levar escuta e trocar experiências.

A presença de outras mulheres — muitas também mães — foi espelho e abrigo. Me reconheci em tantas falas. Me emocionei com histórias que poderiam ser minhas. Voltar ao mercado de trabalho depois da maternidade ainda é um desafio gigante. E quase sempre solitário.

Mas dessa vez, voltei em rede. Cercada por profissionais incríveis: artistas, comunicadoras, produtoras, professoras, cineastas — todas atravessadas pelas mesmas urgências. Conciliando a criação com as tarefas do dia, os prazos com as febres dos filhos, a sensibilidade com o cansaço. Mulheres que constroem mesmo exaustas.

Entre tantos cuidados pensados para acolher as mães, a Mostra também criou um Espaço Criança: uma área lúdica onde os pequenos puderam brincar enquanto suas mães assistiam aos filmes, conversavam, se escutavam. Porque incluir crianças é também incluir mães. Criar espaço para elas, pensar infância, é gesto político.

 A etapa presencial da Mostra foi tudo isso: arte, política e cuidado entrelaçados. Um gesto coletivo que grita: criar filhos é trabalho. Exibir filmes é mobilização. Escutar mulheres é ação política. E transformar escuta em política pública é urgente.

Ainda em maio, a Mostra seguiu em formato virtual, com exibições gratuitas, transmissões ao vivo e rodas de conversa com realizadoras de diversos estados. Um ciclo de trocas profundas, que conectou ainda mais histórias, saberes e afetos. A maternidade seguiu em pauta — e cada história importou. Essa Mostra não termina nos créditos. Ela continua em cada mulher tocada, em cada criança que correu entre as cadeiras, em cada conversa iniciada depois do último frame. Seguimos. Com sangue nos olhos, filhos no colo e um coração que pulsa coletivo.


Isabela Raposo é produtora audiovisual e radialista, apaixonada por transformar ideias em experiências visuais e sonoras. (Crédito: Pritty Reis)

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