A resistência narrativa desabrocha em verbo e flor pelas pontas cegas do tabuleiro sergipano. Um coletivo de jornalistas subiu a maré contra a correnteza da desinformação, do silenciamento oficioso, da mancha estranha em água rasa.
A Mangue Jornalismo chegou de andada e nosso aparecimento público e político foi programado, pensado e definido para o 19 de abril, o sempre mal lembrado como “dia do índio”. Este ano, a data passa a ser “Dia dos Povos Indígenas”. Nascer a Mangue Jornalismo hoje é uma nítida expressão de nossa ancestralidade, memória e perspectiva de ser e estar no mundo.
Não temos ainda o fôlego da cobertura diária. Surgimos com o foco na reportagem, no texto trabalhado, na apuração mais longa e, principalmente na escuta e no diálogo em favor de um outro mundo. Nos propomos a um jornalismo de causas a serviço dos mais diversos povos e seus modos de vida.
Importante ressaltar que a Agência Mangue de Jornalismo não vem de agora. Ela é desdobramento do Centro de Estudos em Jornalismo e Cultura Cirigype, uma associação sem fins lucrativos que busca realizar um jornalismo de qualidade e independente composta por comunicadores de trajetórias distintas.
Somos uma organização da sociedade civil, sem vinculação político-partidária, sediada em Aracaju, Sergipe, Nordeste do Brasil, América Latina. Somos movidas em direção ao jornalismo como lugar de debate no interesse público, com participação democrática, que prima pela rigorosa apuração, pela busca da verdade no relato dos acontecimentos e pela precisa apresentação do conteúdo jornalístico.
Novos tempos exigem novos verbos, ousadia e neologismo para narrar e resistir.
Na experiência coletiva, é necessário “manguezar”. Verbo intransitivo, não carece de complemento ou objeto, fraseada apenas com sujeitas, sujeitos e sujeites. Importante, na Mangue Jornalismo, em modo geral, vamos adotar o gênero feminino para contar as histórias. Vamos buscar aprender juntos como se faz isso.
Diferente de “manguear”, que significa guiar gado por pampas ou mesmo iludir, nosso verbo vem daqui. Quem mangueza se movimenta em bando, fortalece as raízes e segue com os de baixo sob os ensinamentos do Manguezal.
O que nos interessa são as pessoas e os acontecimentos não vistos, não ditos e não narrados do cotidiano. É a partir deste verbo que nos propomos a escutar e contar, em reportagens e artigos, histórias não-ditas ou mal-ditas, a exemplo das resistências e genocídio dos povos indígenas em Sergipe. Vamos manguezar pelas investidas da especulação imobiliária na capital sergipana; pela falta de mobilidade; pelas ações do Governo do Estado e prefeituras na privatização de serviços públicos, a exemplo da água; entre outros terrenos que precisamos pisar para garantir um Jornalismo comprometido com o interesse público e de qualidade.
É manguezando que estamos atrás das árvores ceifadas da avenida Hermes Fontes, em Aracaju; que analisamos os impactos da ausência de uma Secretaria de Direitos Humanos em Sergipe; que estamos escutando as mulheres do Samba de Coco e outros grupos da nossa cultura popular; as marisqueiras e as vítimas de violências. E só estamos no começo, desta maré ainda vai descer muito sururu.
Para viver neste mundo conjugando verbos em primeira pessoa do plural, é necessário cuidar da conta para seguir tocando corretamente a música. Em razão do compromisso com a máxima independência, a Mangue Jornalismo não poderá, por força de seu propósito e estatuto, receber financiamento privado ou publicidade estatal. Isso mesmo, esta experiência será financiada por contribuição direta de nossas leitoras, além de editais de fomentos detalhadamente publicados em nosso portal.
É princípio vital na Mangue Jornalismo a transparência de nossas práticas jornalísticas, políticas, administrativas e financeiras. Por isso, em nosso site estão publicados quem somos, o estatuto, a política editorial, nossos compromissos, princípios e métodos, a política de financiamento, as regras de correção de erros, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Tudo público, sem esconder nada. Além disso, com portas e janelas abertas para receber as reclamações, sugestões, críticas, dúvidas.
Além disso, como forma de transparência e controle social, instituímos um Conselho de Interlocutoras Externas, independente e que respeita nossa independência editorial. O conselho busca avaliar, opinar e aconselhar os profissionais de nossa organização, tanto sobre o conteúdo publicado quanto sobre questões institucionais, administrativas e financeiras. Acreditamos ser fundamental passarmos por avaliações críticas externas de nossas atividades. No segundo semestre desse ano, também teremos reuniões públicas com vocês, nossas apoiadoras.
Manguezar para respeitar os saberes encantados em lama e gás carbônico. Manguezar para decifrar as encruzilhadas entre terra, rio e mar, na boca escancarada das cheias e vazantes do mundo, na contra mola de um desenvolvimento que entrega adoecimento, exclusão e silenciamento. Manguezar para desaterrar as cidades e ouvir o grito de suas pedras, em favor daquelas e daqueles que as carregaram no lombo pelo desenrolar das gerações.
O pontapé está dado. Novas águas nos esperam.