Nos primeiros dias de dezembro de 2019, a Prefeitura de Aracaju levou máquinas e parte da imprensa para a avenida Hermes Fontes. Tudo não passava de uma festa para o prefeito Edvaldo Nogueira (PDT), empresários e mídia. Para o meio ambiente, aquilo era um enterro.
Sem ter ocorrido nenhum debate público anterior e sem maiores questionamentos, muito pelo contrário, as árvores do canteiro central da avenida Hermes Fontes, um sopro de verde e sombra para pedestres, ciclistas e motoristas na quente Aracaju, começaram a ser derrubadas.
A ordem era arrancar 256 árvores, alargar a avenida e fazer um corredor de ônibus. O canteiro seria destruído para abrir espaço para carros e ônibus. O prazo dessas obras era de 180 dias, assim, entre maio e junho de 2020 tudo estaria pronto. O valor para isso foi de quase R$ 21 milhões (R$ 20.598.535,03) em convênio com o Governo Federal.
O mais importante: o prefeito prometeu que seriam plantadas 550 novas árvores na avenida ou nas proximidades.
Os 180 dias se passaram, o ano de 2020 acabou e a obra não foi entregue. Passaram os anos de 2021 e 2022 e nada. Prestes dos três anos e meio, a realidade se impõe sobre a promessa e a propaganda da prefeitura. Na avenida, sim, as 256 árvores foram derrubadas, mas as 550 novas não se vê.
Em vários trechos, a sensação é de deserto e de um calor insuportável. Não há como se proteger do sol e da chuva. O trânsito é infernal em pistas estreitas. O corredor de ônibus não funciona. Os pontos ou paradas para os passageiros desse transporte não funcionam. Pedestres precisam arriscar a vida nas poucas faixas. Os riscos são enormes ao atravessar a avenida. Sem nenhum espaço, ciclistas se espremem entre carros e ônibus. Sem mais nem menos, esta é a realidade hoje.
“As árvores eram nosso respiro nessa quentura”
A Prefeitura de Aracaju justificou que para alagar a avenida para os carros e ônibus era necessário arrancar as árvores porque elas eram “inadequadas ao meio urbano”, tinham “riscos de queda” e “danificavam o pavimento asfáltico da via”.
Na época da derrubada, a prefeitura distribuiu notas para a imprensa informando que em lugar das 256 árvores arrancadas seriam plantadas “285 novas árvores, 405 arbustos, 20 metros quadrados de grama e 50 elementos paisagísticos”. A promessa oficial era de plantar até “Ipês amarelo e roxo, pitangueiras, sibipirunas e até jacarandás”.
Maria Auxiliadora Alves, 63 anos, que mora no bairro Suíssa, bem na proximidade da avenida, não viu, até agora, nada da promessa cumprida: “Novas árvores? Aqui na Hermes Fontes? Aqui mesmo não. Enfiaram uns dez pés de mato e largaram aí faz um tempão. A maioria morreu. Hoje, está essa desgraça aí, só meio fio e asfalto. Uma vergonha”, desabafa a dona de casa.
Ao escutar dona Maria Auxiliadora, a diarista Ancelma de Jesus, 46 anos, interferiu e contou que já foi atropelada por uma motocicleta na avenida, mas sem maior gravidade. “Está um inferno atravessar aqui. Ficou muito pior. As faixas de pedestre são distantes uma da outra, os carros e, principalmente as motos, não respeitam. Além disso, o ônibus para onde quer”, afirma Ancelma.
O que mais deixou indignada a diarista foi a derrubada das árvores. “Rapaz, isso aqui foi um crime. Não podiam ter feito isso. E o pior é que fica por isso mesmo, não é? As árvores eram um respiro de sombra nessa quentura. Não tem como se esconder desse sol quente pelando. Quem está no carro com ar condicionado, tudo bem, mas para nós isso é um inferno. Não sei como deixaram fazer isso?”, questiona dona Ancelma.
Marcos Antônio dos Santos, 37 anos, trabalha na construção civil. Ele mora no bairro Industrial e todos os dias corre risco de morrer ao pedalar na Hermes Fontes. “O ônibus demora, é cheio e muito caro. Tenho que arriscar com a bicicleta. É cada fino que os motoristas tiram de mim. Não tem espaço para nada. Não sei como chego vivo em casa”, diz Marcos. “Nunca vi isso: uma avenida que não há como parar. Se o carro tiver um problema, pronto, trava tudo. Isso aqui ficou pior”, reclama o motorista de aplicativo José Carlos dos Santos, 52 anos.
“Não houve diálogo e nem transparência”
Ainda em janeiro de 2020, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Sergipe (CAU/SE) emitiu nota revelando sua insatisfação com a notícia da forte intervenção urbanística na cidade, com retirada de árvores. “Não houve transparência no processo do projeto de intervenção para a modernização do sistema de transporte coletivo urbano da capital sergipana, não havendo qualquer diálogo anterior ao planejamento entre a PMA e a sociedade”, denunciou Ana Farias, então presidenta do CAU/SE.
Para o conselho, “a retirada das árvores da avenida Hermes Fontes prejudica a população com impactos irreversíveis no ambiente urbano, com danos nas condições climáticas, na arquitetura da paisagem de Aracaju, no papel fitossanitário da cobertura vegetal, e por fim, nos valores imateriais que são existentes no imaginário da cidade”. Para a presidente do CAU/SE, a mobilidade é importante, mas “é necessário preservar a cobertura vegetal, privilegiando uma cidade mais humana, com menos veículos, para o pedestre caminhar com mais segurança sob as sombras das árvores”.
Hoje, o vice-presidente do CAU/SE, arquiteto e urbanista Hugo Lobão Alves, avalia que “a intenção da prefeitura é louvável ao tentar resolver a problemática de transporte em massa, porém, a forma que a ampliação da avenida Hermes Fontes foi planejada e executada não me parece ter atingido os devidos objetivos”. Ele relembra da crítica que o CAU/SE fez ao fato da prefeitura não ter realizado a escuta, com antecedência, da sociedade e das entidades de urbanismo, principalmente em razão da obra ter grande impacto na vida da cidade.
O resultado dessa prática é que “os ônibus não têm utilizado o espaço que foi projetado, os passeios públicos estão em péssimas condições, os ciclistas correm risco de vida em toda a extensão da via e a promessa do replantio de novas espécies arbóreas ainda não é observada na região, o que torna o microclima hostil para o transeunte e a impermeabilização do solo preocupante para uma cidade com o histórico de alagamentos como Aracaju”, constata Hugo Lobão.
Várias pessoas e movimentos sociais se mobilizaram para tentar barrar a obra na avenida Hermes Fontes, principalmente em razão do forte impacto ambiental. Uma das lideranças na época foi o estudante de Sociologia da UFS, Werbson Alves. “Lembro que nós lutamos contra essa tragédia. Ninguém é contra ações de mobilidade, mas não havia necessidade de arrancar tantas árvores e o pior é que a prefeitura não fez a reposição prometida. E o que plantou, abandonou”, conta Werbson. Ele defende medidas urgentes de reparação, mas confessa que “o que foi feito não tem mais reparação”. Veja um trecho da entrevista em vídeo que Werbson Alves concedeu para a Mangue Jornalismo.
De Hermes Fontes à José Carlos Silva
Quem conhece Aracaju sabe da importância estratégica para a mobilidade urbana da avenida Hermes Fontes. A avenida homenageia o sergipano Hermes Fontes, que nasceu em Boquim 1888 é considerado um dos grandes jornalistas e escritores brasileiros. (http://bndigital.bn.gov.br/dossies/periodicos-literatura/personagens-periodicos-literatura/hermes-fontes/) Pois bem, a avenida que leva seu nome sai da praça da Bandeira e, no sentido do terminal do Distrito Industrial de Aracaju (DIA), passou a ser chamada de avenida Adélia Franco, que faz homenagem a uma filha do ex-governador de Sergipe, Albano Franco. Na sequência, essa mesma avenida ganhou o nome de “Empresário José Carlos Silva”, que substituiu o nome da antiga avenida Heráclito Rollemberg, ex-prefeito de Aracaju. Rollemberg perdeu o nome para José Carlos Silva em 2018, quando o genro do empresário, o atual prefeito de Aracaju Edvaldo Nogueira sancionou a mudança. José Carlos Silva era empresário da construção civil, da comunicação e da hotelaria. A filha de José Carlos Silva é a primeira-dama da capital, Danusa Silva.
A SMTT diz que obras cumpriram seu objetivo
Renato Telles, superintendente da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito de Aracaju (SMTT), disse que os objetivos da obra das avenidas foram atingidos, na medida em que a prioridade será a circulação dos ônibus em faixa exclusiva para diminuir o tempo de viagem dos coletivos. Ele afirmou que o órgão fará campanha educativa sobre o funcionamento da faixa exclusiva dos ônibus nas avenidas. Não há data ainda. A seguir, a entrevista.
Mangue Jornalismo – O que está faltando para o corredor exclusivo de ônibus funcionar nas avenidas Hermes Fontes, Adélia Franco e José Carlos Silva? Nele também vão transitar livres os táxis, carros de emergência e de aplicativos?
Renato Telles – A SMTT de Aracaju está planejando a realização de campanhas educativas no corredor Hermes Fontes para a adaptação dos condutores, pedestres e usuários do transporte público, focando no respeito a faixa exclusiva, destinada à circulação dos ônibus, e ao uso da lombofaixa, implantada para a travessia segura dos pedestres. A SMTT comunicará à população o início da campanha educativa e o funcionamento da faixa exclusiva dos ônibus. Pela faixa exclusiva circularão ônibus do transporte coletivo e veículos oficiais em operação.
MJ – Quantos ônibus circulam pelas avenidas Hermes Fontes, Adélia Franco e José Carlos Silva? Quantos pontos de ônibus existem em toda extensão? E quais foram os custos financeiros para a implantar todos esses pontos de ônibus?
RT – Pelo corredor Hermes Fontes circulam 25 linhas de ônibus e o corredor possui 24 abrigos de ônibus. A Emurb informa que na obra de requalificação viária para construção do corredor Hermes Fontes, que engloba as avenidas Hermes Fontes, Adélia Franco e Empresário José Carlos Silva, foi responsável pelo serviço de recapeamento asfáltico em extensão de 6,7 km. O valor final da obra foi de R$ 19.840.056,19. O trabalho foi iniciado em 04 de dezembro de 2019. Em 2020, a pandemia da Covid-19 interferiu no andamento da obra, uma vez que o Ministério Público recomendou a paralisação do serviço e, também, restringiu a quantidade de trabalhadores no canteiro de obras. O reinício aconteceu em janeiro de 2021 e em fevereiro a obra foi concluída. As avenidas Hermes Fontes, Adélia Franco e José Carlos Silva receberam novo asfalto, novas sinalizações de trânsito, as vias foram alargadas, ganhando mais uma faixa de circulação, e foi criada uma faixa exclusiva para os ônibus. Além disso, foram construídas calçadas com rampas de acesso para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, implantados novos abrigos de ônibus e construída uma nova ciclovia na avenida José Carlos Silva.
MJ – O senhor acredita que essa obra cumprirá seu objetivo de melhorar a mobilidade. Não teremos mais engarrafamentos com os carros se espremendo nas duas pistas estreitas? E o dizer aos ciclistas, porque não há espaço nelas? As faixas de pedestres são suficientes para a população?
RT – Sim. O objetivo do corredor Hermes Fontes é dar prioridade à circulação dos ônibus, que trafegarão pela faixa exclusiva, diminuindo assim o tempo de viagem dos coletivos. Os usuários do transporte terão mais comodidade e viagens mais rápidas. Além disso, com a faixa destinada aos ônibus, a tendência é melhorar a fluidez do trânsito, já que ônibus e veículos menores não dividirão o mesmo espaço. São duas faixas livres para a circulação dos demais veículos. Sobre a largura das faixas, estão adequadas. A largura segue o que determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Sim, as faixas de pedestres são suficientes e foram colocadas estrategicamente para dar mais segurança a travessia dos pedestres. Há lombofaixas, (faixa elevada também destinada a travessia), e faixas de pedestres nos cruzamentos semafóricos do corredor.
Secretaria de Meio Ambiente de Aracaju não responde
A Mangue Jornalismo tentou entrevistar o diretor-presidente da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb), Antônio Sérgio Ferrari Vargas. Por meio da assessoria de Comunicação, informou que as obras foram concluídas e todas as questões deveriam ser respondidas pela SMTT. Já o secretário municipal do Meio Ambiente, Alan Alexander Mendes Lemos, preferiu não responder a nenhuma das perguntas encaminhadas pela Mangue Jornalismo. A seguir, as questões que a Prefeitura de Aracaju optou por não responder:
1 – Havia mesmo a necessidade da retirada de 256 árvores das avenidas Hermes Fontes, Adélia Franco e José Carlos Silva? Não era possível conciliar mobilidade, fluxo de veículos e árvores em pé?
2 – Foram retiradas 256 árvores e a promessa oficial era replantar 550 novas árvores na avenida ou nas proximidades. Isso foi feito? Se não foi, por que não foi? Quantas foram plantadas? Onde? Relembro a promessa de dezembro de 2019 quando começaram as obras: “replantar 285 novas árvores, 405 arbustos, 20 metros quadrados de grama e 50 elementos paisagísticos”.
3 – Nos canteiros que sobraram tem muito mato, caules de árvores mortas e outras que crescem desordenadamente, sem cuidado, sem poda, adubo, água. Além disso, em alguns trechos foram abertos espaços na calçada e plantadas “pata de vacas”, mas quase a totalidade delas morreu. Alguns desses espaços foram até cobertos de cimento. Tem solução ainda para alguma arborização dessa avenida?
Secretaria de Meio Ambiente de Aracaju vai responder
Depois de publicada a reportagem, na manhã de quarta-feira, 26, a assessoria de Comunicação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente informou por contato telefônico que o secretário vai encaminhar as respostas das questões formuladas pela Mangue Jornalismo. Assim que as questões forem respondidas, vamos postar aqui, na íntegra. Assim, essa reportagem pode ter atualização durante o dia.
CRISTIAN GÓES
Respostas de 5
Bom dia, gente; muito relevante a matéria sobre a derrubada das árvores para a construção de corredores de ônibus, mas fiquei me perguntando porque, apesar da promessa no lead de abordar a questão a mobilidade urbana com bicicleta, acabou por tangenciar o assunto, se tanto. Como sugestão, e considerando que temos uma malha significativa de ciclovias, que se aborde a questão de frente, ou seja, perguntando-se, quem sabe, porque as bicicletas usualmente são pensadas apenas para lazer, ou mesmo exercício, se tanto, e não como tecnologias de transporte limpas, de baixo impacto ambiental e acessível a todos, ou quase. Se a discussão fosse em torno da necessidade de investir em mobilidade urbana de bicicleta, ao invés de ônibus, ou mesmo carro, teríamos, quem sabe, mais árvores e menos fumaça em nossas vidas.
Excelente seu comentário, Demétrio. Muito obrigado. A matéria da avenida Hermes Fontes é complexa porque convoca inúmeras questões, do meio ambiente à educação no trânsito, do transporte coletivo ao uso de veículo individual. O objetivo inicial da reportagem era mostrar a promessa não cumprida de plantar árvores em lugar das mais de 250 que foram arrancadas, mas, como disse, essa temática na avenida em questão é atravessada obrigatoriamente por várias questões. O mais importante é que já está na agenda da Mangue Jornalismo uma grande reportagem sobre ciclovias em Aracaju e, certamente, vamos retornar à Hermes Fontes em razão de ser uma das mais perigosas para ciclistas.
Cristian Góes
Resido na Avenida Adélia Franco e aqui as árvores não foram derrubadas, mas os canteiros ficaram reduzidos, bem estreito, algumas árvores estão contas raízes expostas, tem locais que quando atravessamos a avenida, não tem espaço nos canteiros para ficarmos aguardando para atravessar, mobilidade zero para os pedestres,no trecho do posto de gasolina, sentido DIA, até depois do Asilo Rio Branco , não tem uma faixa de pedestre, muitos idosos se expõem a serem atropelados ao tentar atravessar a avenida….. revoltante. Sem contar que tiraram o retorno , dificultando e aumentando o trânsito desse trecho.
Foi um verdadeiro presente de grego essa obra na avenida Hermes Fontes e Adélia Franco….
Muito obrigado por seu importante comentário. A senhora tem muita razão e chama atenção para um trecho crítico que pode resultar em graves acidades, que é aquele que vai do posto de gasolina – no sentido DIA – passando pelo Asilo Rio Branco. De fato, não há faixas, veículos passam ali em alta velocidade e os pedestres correm muitos ricos, além do ciclistas. Sinceramente esperamos a Prefeitura de Aracaju tome providência e corrija imediatamente essa grave situação. Mais uma vez, muito obrigado por seu comentário. Conte sempre com a gente.
Cristian Góes
Parece que Aracaju ñ tem um engenheiro competente, é tipo faz se ñ der certo refaz problema do povo q se vire!