
“Hoje é um dia de grande celebração para esta casa legislativa, pois temos a honra de conceder o título de cidadania sergipana ao ilustre Carlos Roberto Ferreira Lopes, um reconhecimento mais do que merecido pela sua significativa contribuição ao nosso estado de Sergipe”. Foi assim que o deputado estadual Luiz Fonseca (PP) festejou aquele que viria a ser um dos principais investigados pela fraude bilionária do INSS.
Em 20 de junho de 2024, os deputados de Sergipe entregaram o título de cidadania ao empresário do agronegócio, o mineiro Carlos Lopes, presidente da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares do Brasil (Conafer). O autor do projeto que transformou Carlos Lopes em sergipano foi o deputado Jeferson Andrade (PSD), presidente da Assembleia Legislativ.
Naquela tarde, os deputados homenagearam com o título de sergipano uma pessoa já investigada em Brasília por uma série de denúncias de fraudes, inclusive com pedido de quebra de sigilo bancário.
Em 2020, a Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial e a Fraudes do Distrito Federal agia contra Lopes. Em janeiro de 2021, a Polícia Civil do DF pediu à 8ª Vara Criminal a quebra do sigilo bancário do presidente da Conafer e de outras pessoas ligadas a essa entidade.
No mês passado, o cidadão sergipano ganhou status de investigado nacional. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal informaram que a Conafer é a principal entidade que fazia descontos ilegais (sem autorização) nos benefícios de aposentados e pensionistas do INSS. As investigações iniciais apontaram que a entidade de Carlos Lopes arrecadou cerca de R$ 688 milhões desde o ano de 2019.
Segundo reportagem do Intercept Brasil, o empresário Carlos Lopes é um “proeminente pecuarista ligado ao Centrão”, que teria enriquecido tentando liderar trabalhadores rurais, tudo com esquema de aposentadorias, benefícios e, depois, descontos fraudulentos.
Falando em nome de pequenos agricultores familiares, incluindo indígenas, quilombolas e ribeirinhos, Carlos Roberto Ferreira Lopes seria dono, entre outros bens, de uma empresa de melhoramento genético de gado (a Concepto Vet), de uma holding (uma empresa que controla várias empresas) nos Estados Unidos, a Farmlands, além de imóveis em São Paulo e Brasília.
Carlos Lopes também seria dono da Jaguar, uma empresa de produtos artesanais indígenas com uma unidade no Aeroporto Internacional de Brasília. O filho de Carlos ainda seria responsável por uma empresa de mineração e agropecuária em Minas Gerais, a Lagoa Alta. Ela seria controladora de uma mega fazenda em São Félix de Minas. A fazenda é equipada com pista de pouso para aeronaves.

Descontos fraudulentos nos benefícios de aposentados do INSS
O fato é que enquanto Carlos Lopes recebia com festa o título de cidadania sergipana na Assembleia Legislativa, com direito a apresentação da banda da Polícia Militar, a CGU apontava que exatamente em junho de 2024 quase 650 mil aposentados e pensionistas estavam sendo vítimas de desconto fraudulentos em seus benefícios realizados pela Conafer.
A entidade de Carlos Lopes é a que mais tem reclamações de descontos sem autorização, conforme auditoria-geral do próprio INSS. E agora, um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que a Conafer recebeu R$ 202,3 milhões apenas em 2023 somente a partir de valores descontados de aposentadorias do INSS.
A CGU revelou o impressionante crescimento em termos de valores da entidade de Carlos Lopes: passou de R$ 400 mil por ano, em 2019, para R$ 57 milhões em 2020 e R$ 202 milhões em 2023. No ano de 2021 eram 231 mil “associados” e em dois anos já eram 641 mil.
A entidade presidida por Carlos Lopes tinha acesso livre e influência dentro do INSS, ajudando até a organizar mutirão em uma Unidade Móvel Flutuante da Previdência Social para comunidades indígenas na região de Barcelos, no Amazonas.
No mês passado, na operação da Polícia Federal sobre as fraudes no INSS, foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra Cícero Marcelino de Souza Santos, que seria assessor de Carlos Lopes. Também foi alvo Ingrid Pikinskeni Morais Santos, sócia e esposa de Cícero. Há a suspeita que a Conafer teria recebido mais de R$ 100 milhões do Fundo do RGPS/INSS e parte desse valor teria sido repassado a Carlos Lopes, que, em seguida, direcionou a Cícero, a Ingrid e às empresas do casal.
São inúmeras as informações sobre Carlos Lopes que estão sendo divulgadas pela Carta Capital, Intercept Brasil, G1, O fator, Metrópoles e vários outros veículos de imprensa.

“Sou grato por tê-lo como amigo e agora como sergipano”, disse o deputado
Na solenidade de entrega do título de cidadania sergipana, conforme registro da Comunicação da Assembleia Legislativa de Sergipe, o deputado Jeferson Andrade disse: “Carlos Lopes é uma pessoa de suma importância, que já morou aqui em Sergipe por um tempo e nós ficamos muito felizes com a ajuda e o apoio que ele tem dado ao nosso estado, pois sabemos que a agricultura familiar sustenta o país. Sou grato por tê-lo como amigo e agora como cidadão sergipano. Esse é um título muito mais que justo por tudo aquilo que ele faz em prol da população sergipana e brasileira; é muito mais que um prêmio, um reconhecimento a uma pessoa que ajuda Sergipe, assim como o Nordeste e o Brasil”.
Assista aqui o vídeo da solenidade na Assembleia Legislativa do estado.
Além dos deputados, o então candidato a prefeito de Canindé do São Francisco e ex-presidente do Instituto Tecnológico e de Pesquisas do Estado de Sergipe (ITPS), Kaká Andrade (PSD), também estava na solenidade. “O presidente Carlos Lopes tem feito um trabalho gigante; aqui em Sergipe, mais de 60 municípios recebem o apoio da Conafer, a exemplo do melhoramento genético do rebanho, entre outras atividades. Nós sergipanos nos sentimos muito orgulhosos em tê-lo aqui como conterrâneo”, ressaltou Kaká na solenidade no ano passado.
“Jeferson é um homem à frente do seu tempo e reconhecer o nosso trabalho, demonstra um carinho e uma gentileza que nos coloca igual a um cidadão sergipano. Aqui fazemos obras, fazemos transformações e pra nós é uma máxima voltar hoje para o lugar em que morei com minha família, por mais de ano. É gratificante ver o nosso trabalho significando ao ponto de ser reconhecido por Jeferson e os demais parlamentares”, afirmou Carlos Lopes.
“Em 2011, estava eu nesse estado, sendo acolhido, sendo reconhecido e sendo encorajado, pois aqui é quando a Conafer se inicia. Os primeiros trabalhos de organização sindical e de base. Sergipe eu vou chamar de mãe, e a população vou chamar de família”, disse Carlos Lopes ao receber o título de cidadão de Sergipe.
Segundo consta no site da Conafer, a entidade “já realizou em 30 municípios mais de mil inseminações com mais de 500 bezerros nascidos, por meio do maior programa de melhoramento genético do país, o +Pecuária Brasil. Já está também nas 75 cidades de Sergipe, cujo rebanho tem 150 mil ovinos e 70 mil caprinos”. A Mangue Jornalismo encontrou um contrato entre a Conafer e a Prefeitura de São Cristóvão.
Segundo consta da Comunicação da Assembleia, também participaram da sessão especial o vice-presidente e secretário da Conafer, Thiago Abraão Ferreira Lopes, que é irmão de Carlos Lopes; o advogado da entidade, Weberte Barros Rezende Carvalho; o tabelião do Cartório de Pão de Açúcar/AL, Djenal Pereira de Souza; autoridades dos estados do Rio Grande Norte, Pernambuco e Alagoas; familiares e amigos do homenageado.

Deputado diz que relações eram “exclusivamente institucionais”
Procurado pela Mangue Jornalismo, o presidente da Assembleia Legislativa de Sergipe disse que sua relação com Carlos Lopes era “exclusivamente institucional”, não tendo nenhum negócio empresarial com ele. O deputado Jeferson Andrade garantiu que conheceu Carlos quando o pecuarista “residiu e atuou publicamente com a Conafer em apoio à agricultura familiar” em Sergipe.
O deputado disse que o título de cidadania que ele apresentou para Carlos Lopes foi fruto da “solicitação e justificativas técnicas de empreendedores e políticos sergipanos, principalmente do Alto Sertão do nosso estado que atuam na agricultura e estavam, todos, naquele instante, sentindo-se atendidos, prestigiados e agradecidos pelos serviços prestados pela Conafer, entidade presidida pelo homenageado”.
Sobre as denúncias de fraudes junto a aposentados e pensionistas do INSS, o presidente da Assembleia disse que um ano atrás, “nem os empresários e muito menos este deputado tinham qualquer informação sobre os fatos que atualmente são do conhecimento público”. O deputado afirmou que só tomou “conhecimento dos fatos bem recentemente, com a divulgação do escândalo pela mídia nacional”.
Jeferson Andrade disse que “como todos os brasileiros” ficou surpreso e indignado com as informações de fraudes contra aposentados e pensionistas e disse esperar “que a justiça esclareça os fatos e puna todos os responsáveis com rigor e na forma da lei”.
A Mangue procurou o deputado Luiz Fonseca, mas até o fechamento desta reportagem, ele não havia sinalizado retorno. Caso haja resposta, o texto será atualizado e os leitores informados. Na época do título de cidadania a Carlos Lopes, Luiz era suplente em exercício do cargo.
O ex-presidente do Instituto Tecnológico e de Pesquisas do Estado de Sergipe (ITPS), Kaká Andrade, disse que não tem “nenhuma amizade, apenas contatos sociais” com Carlos Lopes, presidente da Conafer. “Eu o conheci através de amigos que admiravam o seu trabalho. Ele recebeu iguais homenagens em outros estados. Muita gente à época enaltecia o seu trabalho na presidência de uma entidade que apoiava os agricultores familiares em todo o país, inclusive no Nordeste e em Sergipe. Não tive e não tenho nenhuma relação empresarial com o senhor Carlos Lopes ou com a Conafer”, informa Kaká Andrade.
O ex-candidato ao cargo de prefeito de Canindé do São Francisco disse que tomou conhecimento agora das denúncias contra Carlos Lopes pela mídia nacional. “Na época da concessão [2024] da cidadania, nem eu e nem outras pessoas que defendiam a homenagem tínhamos qualquer informação sobre isso. Seu possível envolvimento no caso dos aposentados do INSS foi uma surpresa muito desagradável para todos. Caso se confirme, é um absurdo, um fato lamentável que deve ser apurado dentro dos rigores da lei e também censurado por todos nós brasileiros”, disse Kaká.
A Mangue Jornalismo entrou em contato com a Conafer, mas até o fechamento da reportagem não recebeu nenhum retorno. Em uma nota pública depois da ação da Polícia Federal, a Conafer disse que acompanha “o desdobramento do inquérito com serenidade, confiando no sistema judiciário” e que as atividades pessoais e empresariais de Carlos Lopes como pecuarista e produtor não interferem nas operações da entidade.