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EGBÉ: um quilombo cinematográfico para o audiovisual negro em Sergipe

A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas convidadas possam expressar ideias e perspectivas que estimulem o interesse e o debate público sobre uma temática. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue (que estão na parte de transparência do site), entretanto ele não precisa representar necessariamente o ponto de vista da organização.

EGBÉ: um dos mais importantes territórios de aquilombamento cinematográfico em Sergipe (Crédito Pritty Reis)

O cinema negro no Brasil tem conquistado espaço e reconhecimento, mas essa vitória está longe de ser um processo natural ou espontâneo. A indústria audiovisual dominante, historicamente branca, elitista e excludente, ainda resiste em abrir mão de seus padrões eurocêntricos, por isso, eventos como a EGBÉ — Mostra de Cinema Negro não são apenas necessários, mas urgentes.

Em sua oitava edição, a Mostra reafirma seu papel como um dos mais importantes territórios de aquilombamento cinematográfico em Sergipe, um espaço onde realizadores negros projetam suas vozes, se fortalecem e reivindicam protagonismo.

A EGBÉ é um ato político, uma resposta contundente a um sistema que marginaliza narrativas negras. Desde 2016, a Mostra cumpre a função que as instituições oficiais frequentemente negligenciam: criar condições para que cineastas negros contem suas histórias, ampliem suas redes e conquistem espaços. Em um estado onde as oportunidades para esses realizadores ainda são escassas, a existência da EGBÉ se torna um ato de resistência e reinvenção.

O impacto da Mostra vai além da tela: ela traz debates, mesas e formações, descentraliza o acesso ao cinema, alcançando não apenas a capital, mas também territórios periféricos, comunidades quilombolas e ribeirinhas. Isso é revolucionário.

EGBÉ é um ato político, uma resposta contundente a um sistema que marginaliza narrativas negras (Crédito Monyse Mendonça)

No Brasil, o cinema ainda é privilégio de poucos; através da EGBÉ, torna-se uma ferramenta de fortalecimento da autoestima negra, conectando narrativas às vivências de quem raramente se vê representado na tela grande. Ao levar a sétima arte para esses espaços, a Mostra reafirma que o cinema negro não deve estar restrito a festivais segmentados, mas sim ocupar o centro da produção audiovisual do país.

A curadoria da Mostra também merece destaque. Diferente dos circuitos comerciais, a EGBÉ apresenta uma diversidade de olhares que desafia o imaginário imposto pelo cinema tradicional. Ao abordar temas como ancestralidade, identidade, afetividade, racismo estrutural, futuros possíveis, entre outros, reconfigura a forma como essas histórias são contadas e consumidas. Se não fossem eventos como esse, quantos cineastas negros permaneceriam invisíveis? Quantas histórias deixariam de ser vistas?

O Troféu Severo D’Acelino, criado pela Mostra, reforça essa missão de visibilidade ao homenagear artistas, cineastas e agentes culturais negros do estado. Mas também levanta uma questão crítica: quantos artistas negros sergipanos tiveram seus trabalhos esquecidos ou subestimados ao longo das décadas?

A homenageada figura de Severo D’Acelino — poeta, ator, ativista, dramaturgo, diretor teatral e coreógrafo, que continua atuando ativamente na promoção da identidade negra e na luta contra o racismo — é um lembrete vivo de que o protagonismo negro sempre existiu, apesar dos apagamentos históricos.

A homenageada figura de Severo D’Acelino: protagonismo negro sempre existiu (Crédito arquivo EDBÉ)

A edição deste ano se ancora no conceito de Sankofa, um ensinamento africano que nos convida a olhar para o passado para construir o futuro. Essa perspectiva é essencial, pois o cinema negro brasileiro não é um fenômeno recente, mas parte de uma tradição de resistência que remonta ao teatro negro. O desafio é garantir que esse legado continue e que o cinema negro não seja tratado como uma “tendência”, mas sim como parte integral da cultura brasileira.

Em um momento marcado por ataques às políticas culturais e retrocessos nos direitos da população negra, a EGBÉ se torna um ato de insurgência. O cinema negro não precisa de permissão para existir, mas precisa de apoio para continuar crescendo.

A Mostra é um quilombo cinematográfico que prova que outro cinema é possível — um cinema que não pede espaço, mas ocupa. Se queremos um Brasil onde todas as histórias tenham voz, é urgente que iniciativas como essa sejam amplificadas, reconhecidas e financiadas.

A continuidade da EGBÉ não é apenas um desejo; é um compromisso com um cinema mais diverso e inclusivo, onde as narrativas negras não sejam exceção, mas parte fundamental da construção cultural do país. O futuro do cinema brasileiro depende da valorização dessas histórias, e fortalecer espaços como a Mostra é garantir que essa revolução continue.

Ayalla Anjos é jornalista e Mestra em Cinema. Atua como consultora em comunicação, assessora, social media e revisora. Pesquisadora interdisciplinar do Laboratório de Pesquisa e Produção em Audiovisual (UFS), pesquisa cinema de periferia, branquitude e narrativas sociais.

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