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Deso tem que aplicar tarifa social para 300 mil pessoas, mas só cadastrou 19 mil

Muitas pessoas têm direito à tarifa social da água e não sabem (Crédito: Sindisan)

Em dezembro do ano passado entrou em vigor a Lei Federal nº 14.898/2024, que obriga as empresas de água e esgoto a implantar automaticamente a tarifa social para quem estiver inscrito no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou para quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A tarifa social garante desconto de 50% na conta de água.

O painel de benefícios do Governo Federal revela que no mês passado o estado de Sergipe tinha 466.297 pessoas inscritas em programas sociais, entre eles o novo Bolsa Família, o Seguro Defeso e o BPC, ou seja, todas elas têm acesso garantido à tarifa social de água. Entretanto, a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) só tinha no cadastro 19.736 beneficiários nessa tarifa em dezembro.

“Há um forte indício de que a Deso não cumpre a lei, não inseriu automaticamente, como diz a lei, os usuários de baixa renda na tarifa social. Estimamos que 300 mil clientes têm esse direito, mas eles não estão sendo atendidos, pagando a mais pela água. Se isso se confirmar, pode-se resultar em ações de devolução dos valores cobrados indevidamente”, disse Aécio Ferreira, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento Básico do Estado de Sergipe (Sindisan).

O fato é que muitas pessoas inscritas nos programas sociais e usuárias da Deso não sabem que têm direito ao desconto de 50% na conta de água. O Governo do Estado não está fazendo a inscrição automática dos beneficiários na tarifa social, como determina a lei, e nem divulgou essa ação. Ao contrário, a Deso continua fazendo exigências fora da lei para concessão desse benefício. Não é necessário cadastro prévio. A inscrição na tarifa social é automática e é uma obrigação da Deso.

O Sindisan procurou o Ministério Público e o Procon pedindo providências. A promotora dos direitos do consumidor Euza Missano pediu que a Deso se manifestasse em dez dias. O prazo dado termina nesta semana. A Mangue Jornalismo entrou em contato com a Companhia, falou com o gestor de comunicação, Eder Menezes, mas ele não deu nenhuma resposta até o fechamento da reportagem.

Segundo a Lei Federal nº 14.898, o valor da tarifa social de água e esgoto consistirá em percentual de desconto de 50% sobre a tarifa aplicável à primeira faixa de consumo, isto é, aos primeiros 15 m³ (metros cúbicos) por residência classificada no benefício, e sobre o excedente de consumo poderá ser cobrada a tarifa regular. “O descumprimento dessa lei federal pode caracterizar prejuízo aos consumidores de baixa renda sergipanos e violação do direito básico de acesso a tarifas reduzidas”, analisa Aécio.

Em Sergipe, quase 500 mil pessoas recebem benefícios sociais do Governo Federal (Crédito CGU)

O que diz a Lei Federal nº 14.898

Segundo a legislação, a tarifa social de água e esgoto deverá incluir automaticamente os usuários inscritos no CadÚnico ou que pertencem a famílias que tenham, entre seus membros, pessoa com deficiência ou pessoa idosa com 65 anos de idade ou mais e que receba o BPC. “A classificação das unidades usuárias na categoria tarifária social deverá ser feita automaticamente pelo prestador do serviço, com base em informações obtidas no CadÚnico e nos bancos de dados já utilizados”, diz o Artigo 4º da Lei Federal nº 14.898.

Em Sergipe, o novo Bolsa Família tem 775.565 pessoas cadastradas e os seis municípios com mais inscrições são Aracaju (59.789), Nossa Senhora do Socorro (32.750), Lagarto (21.594), Itabaiana (13.447), São Cristóvão (12.630) e Tobias Barreto (12.542).

Quanto ao BPC, Sergipe tem 73.506 pessoas cadastradas, sendo 24.891 em Aracaju, 4.226 em Itabaiana, 4.174 em Lagarto, 3.811 em Nossa Senhora do Socorro, 3.367 em Estância e 2.731 em Tobias Barreto. Sergipe ainda tem 17.224 pessoas cadastradas no Seguro Defeso.

A Lei Federal nº 14.898 determina que o prestador de serviço (Deso) é obrigado a cadastrar seus clientes inscritos no CadÚnico ou no BPC, “sem necessidade de prévia comunicação ao usuário. Para classificação das unidades usuárias na Tarifa Social de Água e Esgoto que não forem identificadas automaticamente, os usuários deverão dirigir-se aos centros de atendimento do prestador de serviços para cadastramento, com o documento oficial de identificação do responsável familiar”, como consta no artigo 5º da lei.

Importante destacar que a lei diz que “o prestador não poderá exigir documentos diversos dos constantes do caput deste artigo para a classificação e a atualização das unidades usuárias na Tarifa Social de Água e Esgoto”. Hoje, por exemplo, a Deso exige um cadastro prévio e documentos dos usuários que não constam na lei, a exemplo de ser consumidor monofásico de energia elétrica com média mensal de consumo de até 120 kwh.

Ainda segundo a legislação, “a não classificação das unidades usuárias na Tarifa Social de Água e Esgoto após apresentação dos documentos previstos no caput deste artigo motivará o entendimento de cobrança indevida por parte do prestador do serviço”. O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que o consumidor cobrado indevidamente tem direito a receber em dobro o que foi pago a mais.

Essa tarifa social é financiada, prioritariamente, por meio da modalidade conhecida por “subsídio cruzado”, ou seja, a partir do rateio de seu custo entre as demais categorias de consumidores finais atendidas pelo prestador do serviço, proporcionalmente ao consumo. “Trata-se de um direito dos consumidores de baixa renda de Sergipe que não pode ser desrespeitado. Há uma lei federal que precisa ser cumprida e há famílias vulneráveis que têm direito ao desconto de 50% sobre a tarifa normal de água e esgoto. Entendemos que é preciso atender essas pessoas imediatamente, por questão de justiça social, e por essa razão provocamos o Ministério Público”, explicou o secretário-geral do Sindisan.

Aécio: “tarifa social é um direito que deve ser integralmente respeitado (Crédito: Sindisan)

Sindicato alertou que lei da tarifa social põe em xeque a privatização da Deso

O 4 de setembro de 2024 entrou para a história de Sergipe como o dia em que o governador Fábio Mitidieri (PSD) e seus aliados privatizaram a água a partir da venda da Deso, que era um patrimônio público histórico e valioso do povo sergipano. Mesmo com um processo repleto de indícios de irregularidades, a Deso foi entregue para a empresa privada Iguá Saneamento, controlada por capital estrangeiro, por R$ 4,5 bilhões. Leia aqui a reportagem da Mangue sobre a privatização da água em Sergipe.

Um dos problemas da privatização apontado pelo Sindisan era exatamente a aplicação da tarifa social. Cinco meses antes da venda da Deso, foi denunciado que o Edital de Licitação 01/2024 tinha previsão de absorção de somente 5% dos usuários de baixa renda. “Acima disso, a empresa que ganharia o leilão estava autorizada a repassar os custos para todos os usuários, inclusive os de baixa renda. Ou seja, terá aumento de tarifa sim, diferente do que o governo Mitidieri vem dizendo”, disse Sílvio Sá, presidente do Sindisan. Por isso, o sindicato à época solicitou que a privatização fosse suspensa em razão do edital não contemplar a Lei 14.898. “Era preciso suspender até que todos os cálculos e impactos dos custos financeiros e operacionais relacionados à inclusão dos usuários de baixa renda no sistema sejam refeitos e atualizados”, disse Aécio. A privatização não foi suspensa e agora mais de 300 mil pessoas devem ter automaticamente o direito à tarifa social.

Água potável e saneamento básico são direitos humanos essenciais (Foto: Pixabay)

Sobre a privatização da água e a venda da Deso em Sergipe, a Mangue publicou um ebook mostrando que a ONU aprovou uma resolução que garante o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico como direitos humanos fundamentais. A privatização atenta contra esse direito humano essencial. Baixa gratuitamente o ebook aqui.

Como a Iguá Saneamento ainda não assumiu 100% as operações da Deso, a Mangue Jornalismo procurou o Governo do Estado e a própria companhia para saber quando ocorreria a inserção automática dos beneficiários do CadÚnico ou do BPC na tarifa social, mas não recebeu nenhum retorno até o fechamento desta reportagem.

No site da Deso, há uma nota oficial informando que o cadastro de beneficiários da tarifa social aumentou 82% entre 2023 e 2024, finalizando o ano passado com apenas 19.736 clientes atendidos. As informações da companhia no site sobre a tarifa social não estão de acordo com a Lei Federal nº 14.898, ou seja, não é necessário o usuário procurar a Deso, fazer uma série de cadastramentos e nem apresentar vários e vários documentos. O prestador de serviço tem que fazer o cadastro automaticamente usando a base de informações obtidas no CadÚnico e em outros bancos de dados.

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