CAROLINA OMS, DAIENE MENDES E LETÍCIA TAVARES, do Fundo de Apoio ao Jornalismo (FAJ)

A seção PONTO DE VISTA é um espaço que a Mangue Jornalismo abre para que pessoas convidadas possam expressar ideias e perspectivas que estimulem o interesse e o debate público sobre uma temática. O artigo deve dialogar com os princípios da Mangue (que estão na parte de transparência do site), entretanto ele não precisa representar necessariamente o ponto de vista da organização.
Quando a única escola municipal de uma pequena cidade do interior fecha suas portas, quem conta essa história? Quando uma área de preservação ambiental é ameaçada na periferia de uma metrópole, quem registra os reais problemas da comunidade local? O jornalismo é o tecido que conecta as pessoas às realidades de seus territórios, e sua ausência representa um vazio difícil demais para carregar.
A pandemia de 2020 nos ensinou que, para construir um Brasil possível, precisamos de um novo acordo sobre a produção e a distribuição de informação confiável. Para isso, é fundamental o reconhecimento do jornalismo que atua onde a vida acontece: nos bairros, nas pequenas cidades, nas periferias e nos interiores. É nas esferas mais próximas da vida cotidiana que as decisões políticas têm efeitos concretos e imediatos sobre a população, em que são construídas – ou apagadas – as identidades e também as memórias.
Segundo a última edição do Atlas da Notícia, mais de 2.700 municípios brasileiros não contam com nenhum veículo de jornalismo local. Neles, vivem mais de 26 milhões de pessoas. Isso sem contar as áreas periféricas de grandes cidades ou grupos populacionais que, embora possam ter acesso, não se reconhecem na cobertura feita pela imprensa tradicional.
Essa ausência não é neutra: ela enfraquece a participação da sociedade no debate público, favorece a manutenção de currais eleitorais, dificulta o acesso a direitos básicos e desestimula a ação política. Por isso, acreditamos que investir em jornalismo local é fundamental.
Os desertos de notícias afetam desproporcionalmente mulheres, pessoas negras e indígenas, cujas realidades e perspectivas são frequentemente invisibilizadas na cobertura tradicional. O jornalismo local, quando produzido por e para essas comunidades, torna-se uma ferramenta poderosa de resistência contra o apagamento sistemático de suas narrativas. Quando vozes diversas ocupam espaços de produção jornalística, questões como violência de gênero, racismo estrutural e distribuição desigual de recursos públicos ganham dimensão política e visibilidade necessárias para gerar transformações concretas, promovendo equidade em territórios historicamente marginalizados pelo poder público e pela mídia hegemônica.
A centralidade do jornalismo local reside justamente na sua capacidade de produzir uma informação que não apenas “olha para” o território, mas que o enxerga com suas diversidades, potências e complexidades. Em muitos locais, sobretudo nas periferias urbanas e nas regiões em condição de pobreza e desigualdades estruturais, a cobertura realizada por quem vivencia o cotidiano e compreende suas subjetividades é essencial para combater estereótipos, denunciar desigualdades e ampliar a representação política e simbólica.
É nesse contexto que nasce o Fundo de Apoio ao Jornalismo (FAJ), uma iniciativa voltada a fortalecer os ecossistemas de jornalismo no Brasil. Em sua primeira rodada de apoios, o fundo vai apoiar veículos locais, com especial atenção para regiões com pouca ou nenhuma cobertura jornalística e comunidades historicamente sub-representadas.
A proposta é colaborar com a descentralização dos recursos destinados a iniciativas de jornalismo, hoje concentradas majoritariamente nos grandes centros. Ainda de acordo com o Atlas da Notícia, mais de 76% do financiamento ao jornalismo no Brasil vai para veículos localizados em grandes cidades.
Além disso, organizações de jornalismo no Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil são menos propensas a receber financiamento, o que limita sua capacidade de oferecer uma cobertura aprofundada sobre questões locais.
No processo de criação do FAJ, promovemos um processo de escuta com profissionais que atuam no jornalismo de todo o país, para garantir que sua estrutura fosse construída a partir das necessidades reais das organizações. Foram realizados, além de um levantamento bibliográfico, estudos sobre modelos de fundos de jornalismo já existentes. Os resultados, divulgados no relatório Descentralizar, ampliar e aprofundar: o financiamento do jornalismo no Brasil, reforçam a preocupação com a resiliência de iniciativas locais: a maioria dos respondentes indicou que os recursos deveriam ser priorizados para veículos que atuam em territórios específicos, evidenciando a necessidade de descentralizar os investimentos.
A ideia do fundo é atuar em três frentes principais: apoiar financeiramente veículos locais por prazos mais longos que os atuais, promover capacitação e fortalecimento institucional e incentivar práticas sustentáveis de cogestão e produção.
Ao oferecer apoio institucional nesses moldes e com foco no médio e longo prazo, o Fundo busca ir além dos modelos tradicionais baseados em editais pontuais, apostando numa abordagem que considera o desenvolvimento organizacional, a capacitação e a estabilidade financeira como pilares centrais.
A escolha do FAJ de iniciar sua trajetória com o apoio ao jornalismo local é uma demonstração de reconhecimento diante do histórico movimento pela diversidade e pluralidade de vozes no jornalismo brasileiro. Fortalecer e compreender como operam e a quem servem os diferentes atores do ecossistema do jornalismo no Brasil é uma oportunidade excepcional. As inscrições do edital estão abertas até o dia 27 de maio no site do Fundo.
Carolina Oms: Diretoria de Comunicação e Parcerias
Carolina foi uma das fundadoras e atuou como diretora institucional e mobilizadora de recursos no Instituto AzMina, onde participou da estruturação e financiamento de projetos de jornalismo feminista, tecnologia e dados. Conduziu negócios e parcerias estratégicas com empresas, institutos e doadores individuais. Como jornalista, trabalhou em Nova Delhi, Brasília e Rio de Janeiro, e retornou a São Paulo para liderar projetos com impacto social. Atualmente é mestranda em Administração Pública e Governo na Fundação Getúlio Vargas (FGV), com foco em direitos reprodutivos, políticas públicas de direito à informação. Leciona Empreendedorismo e Inovação em Jornalismo no MBA em Jornalismo de Dados do IDP. Carolina se destacou por ter um histórico muito robusto de captação para o jornalismo e uma compreensão profunda das organizações de jornalismo no Brasil.
Daiene Mendes: Diretoria Programática
Daiene Mendes é jornalista, co-fundadora e ex-diretora executiva do Voz das Comunidades, que atua no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Com 14 anos de experiência, tem se dedicado à redução das desigualdades sociais e à promoção da equidade social e racial por meio da democratização da comunicação e do jornalismo. Fellow na primeira turma do Global Fellowship da Ford Foundation e coordenou o Programa de Apoio ao Jornalismo – (PAJOR) na Repórteres sem Fronteiras (RSF). Daiene também colaborou e contribuiu para consolidar o trabalho de importantes organizações internacionais no Brasil, como Anistia Internacional, Witness.org, Repórteres sem Fronteiras e The Guardian, contribuindo para o fortalecimento da diversidade, jornalismo e dos direitos humanos no país. Daiene se destacou pela diversidade de experiências com organizações de jornalismo local, periférico e indígena.
Letícia Tavares: Diretoria de Operações
Graduada em Gestão de Recursos Humanos, Sociologia e Política pela FESPSP e com pós-graduação em Jogos Cooperativos. Com mais de 15 anos de experiência na área administrativa e financeira do terceiro setor, desenvolve, articula e executa projetos municipais, estaduais e federais de cunho socioculturais, voltados para as populações historicamente vulnerabilizadas. Foi diretora executiva do Movimento Pimp My Carroça de 2020 a 2024, onde atuou como gestora financeira a partir de 2017. Foi também diretora financeira da Énois Laboratório de Jornalismo até 2023, e atualmente também é Conselheira Fiscal na Revista Gênero e Número e consultora de planejamento estratégico financeiro do Estúdio Verbo. Letícia se destacou não só por sua sólida experiência em operações e gestão financeira, mas também em captação de recursos, processo de aprendizagem e experiência em mediação.