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“De que adianta celebrar 46 anos de Imbuaça se na sua própria cidade você não é respeitado?”, questiona o ator Lindolfo Amaral

46 anos do grupo Imbuaça

LIZ BARRETTO, da Mangue Jornalismo

CRISTIAN GÓES (supervisão)

A Mangue Jornalismo conversou com o ator e diretor Lindolfo Amaral. Ele é um dos fundadores do Imbuaça, o mais importante grupo de teatro sergipano e mais antigo de teatro de rua do Brasil. Essa trupe é uma referência nacional e internacional, principalmente por desenvolver espetáculos de altíssima qualidade através de adaptações de folhetos de cordéis. Nas ruas e praças, para o povo, chegam as mais fantásticas histórias dos cordelistas do Nordeste brasileiro. Lindolfo Amaral é um ator e diretor extremamente qualificado: estudou na Escola Internacional de Teatro da América Latina e Caribe, em Cuba; realizou seu mestrado (2005) e doutorado (2013) em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e escreveu o livro “A Presença do Cordel na Dramaturgia Brasileira” (2021), resultado de sua tese de doutorado. Segue o resultado da conversa que a Mangue Jornalismo teve com ele.

Mangue Jornalismo (MJ) – Como surgiu o grupo e de onde veio a ideia de trabalhar teatro e literatura de cordel?

LINDOLFO AMARAL (LA) – O Imbuaça surgiu como grupo em agosto de 1977, a partir de uma série de oficinas que ocorreram em Aracaju no Instituto de Educação Rui Barbosa (IDERB), antiga Escola Normal. Lá, professores de Recife ministraram três oficinas. Vários alunos saíram delas e criaram um grupo. Em setembro de 1977, quando conhecemos a experiência do teatro livre da Bahia, que apresentou no Festival de Arte de São Cristóvão (FASC) um espetáculo de teatro de rua cuja dramaturgia era pautada no cordel, também resolvemos fazer um grupo em Sergipe.

MJ – O grupo atravessou um período de ditadura militar, sofreu censura em trechos de espetáculos e fez parte de movimentos pela redemocratização. Essa condição resiste hoje?


LA – O período da ditadura foi muito cruel para todos nós que fizemos teatro naquela época. Mesmo a gente surgindo junto com o movimento de redemocratização do Brasil, nós tivemos a censura atuando de maneira muito forte. O Imbuaça, por exemplo, teve alguns textos censurados. Naquela época, fazíamos o ensaio geral antes da estreia, uma apresentação exclusiva para a censora da Polícia Federal, Eloá, que verificava se nós estávamos cumprindo os cortes realizados pelo Departamento de Censura Federal. Mesmo assim, nós resistimos e lutamos pelo Diretas Já, contra a especulação imobiliária em Aracaju, etc. Lutamos produzindo textos para discutir essas questões. Conseguimos resistir e já são 46 anos fazendo teatro de rua por todo o Brasil.

MJ – O Imbuaça vai completar 46 anos em agosto próximo e representa bem o teatro em Sergipe e em todo o Brasil e fora dele. Como é para você conseguir atingir essa condição de referência?

LA – Trabalho com teatro de rua há 45 anos e como fui aluno da rede pública desde a infância, acredito que tenho a obrigação de repassar toda essa formação acumulada. Sergipe é o nosso berço, o Imbuaça é reconhecido como teatro de rua inspirado nas manifestações populares. Os mestres da cultura popular sergipana foram fundamentais para nós. Mas, às vezes, penso que ser referência como o grupo mais antigo de teatro de rua do Brasil não diz absolutamente nada. Nossa história parece que nunca foi escrita. Lamentavelmente, nós não somos respeitados. Basta dizer que a Prefeitura de Aracaju não compra apresentações do Imbuaça. A última apresentação que o Imbuaça fez [contratada por órgãos públicos] em Aracaju foi dia 18 de março de 2022, um espetáculo fruto da lei Aldir Blanc. A Fundação Cultural de Aracaju (Funcaju) não contrata grupos de teatro. Nós não participamos de nenhuma programação artística da prefeitura. De que adianta celebrar 46 anos se na sua própria cidade você não é respeitado?

MJ – O grupo já participou de inúmeros festivais em Sergipe, a exemplo do FASC, e de tantos outros pelo país. Esses espaços ainda existem?

LA – O que tornou o Imbuaça conhecido nacionalmente e internacionalmente foram os festivais. No início, viajávamos por conta própria. Não tínhamos pagamento de cachê nem passagem, não havia muita estrutura. Depois, os festivais mudaram completamente e passaram a custear nossa ida e fazer tudo com muito carinho. Os festivais são espaços importantes para troca de experiências, para difusão do nosso teatro e para trabalhar melhor o debate em torno da arte pública.

MJ – Qual sua avaliação dos quatro anos de governo Bolsonaro para a cultura, especialmente para o teatro? Quais as expectativas em relação ao governo Lula?

LA – O governo passado destruiu todas as políticas públicas na área das artes cênicas. A partir do impeachment de Dilma Rousseff, todas as políticas foram destruídas. Basta lembrar que o ex-presidente editou uma medida provisória para que as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2 não fossem executadas em 2023 e 2024. Agora, rogamos que o Governo Lula retome todas as políticas públicas e possa reconstruir esta área a partir de agora. Foram os editais da Funarte e do Ministério da Cultura que fizeram com que o Imbuaça chegasse até aqui. 

MJ – Como estão as relações do grupo com a política cultural do Governo de Estado e da Prefeitura de Aracaju?

LA – Infelizmente, o Governo de Sergipe e a Prefeitura de Aracaju não têm leis de incentivo à cultura. Tivemos uma lei que, contraditoriamente, chamava-se lei Edvaldo Nogueira, que deixou de existir nos anos 2000. Graças a ela, por exemplo, produzimos um CD, um catálogo fotográfico, espetáculos, tudo isso na década de 90. A falta dela é um grande complicador para a produção artística sergipana e aracajuana. Política pública não é realizar festivais e eventos, mas sim uma ação contínua que seja desenvolvida ao longo do ano. Torcemos muito para que o estado e o município pensem melhor sobre isso. Nós não precisamos somente de festa, de pão e circo. Nós precisamos de arte cotidianamente, porque ela nos une, constrói pontes e não muralhas.

Foto: Rita Simone.

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